Panorama político e econômico da Venezuela para o ano 2009
Luis Alberto Matos
Certa vez fiz um trabalho sobre os últimos cinco séculos do milênio passado. Do Renascimento até 2000 o ser humano passou do obscurantismo à sonda espacial, da vassalagem feudal às compras na Internet, do laud ao equalizador, do papel carbono ao photoshop, da légua ao micro e da eterna servidão feudal à vitalícia adoração no Centro Comercial.
Quis comparar fatos notáveis e personagens influentes nesses transcendentais cinco séculos. Classificados em suas específicas especialidades, não importa se bons ou maus, positivos ou negativos, progressistas ou conservadores, pacifistas ou guerreiros, todos, sem exceção, contribuíram para o progresso da humanidade. Sem eles não estaríamos hoje aqui, ou, pelo menos, nosso ambiente não seria igual, talvez nem mesmo parecido. Sem alguns a situação seria tão diferente que, inclusive, haveria dúvidas sobre este abstrato conceito que, em certas ocasiões, chamamos de: progresso.
Cerca de menos de duzentos seres parecem ter liderado, nesse meio milênio, todo esse grande movimento que nos trouxe até aqui. Artistas, pensadores, guerreiros, políticos, cientistas e dirigentes se elevaram acima do resto para marcar o caminho. Mas nenhum pôde existir nem deixar a sua marca de mudança sem aqueles que coincidiram com ele no tempo. Nenhum pode ser mudado, nem para trás nem para a frente. Talvez tenha existido algum outro gênio que, ao estar defasado, não importa se para antes ou para depois, passou sem advertência para a história e sua possível contribuição não chegou e nem permaneceu.
Descobrimento mútuo
Difícil dizer qual foi o maior acontecimento desse grande período. Laborioso, complicado e heterogêneo seria o procedimento de comparação dos fatos e alcances desses grandes. Subjetivo e injusto pesar com a mesma balança o Renascimento, a montadora automática, a penicilina, o motor a explosão, as telecomunicações pela Internet, a exploração do espaço, o chip e a criação de elementos num ciclotron.
Entretanto, um fato marcou tanto o mundo que este jamais voltou a ser o que era antes.Todos foram impactados por esses acontecimentos que ampliaram a visão dos humanos, muito mais do que nunca antes e, pelo menos até hoje, bastante mais que o que aconteceu posteriormente. É isso que alguns, talvez demasiados, passaram a chamar de “o descobrimento da América”.
Essas décadas deram início e influenciaram todas as atividades humanas. A ciência e a arte, conduzidas por privilegiados que nos legaram as bases de quase todos os conhecimentos atuais, tiveram, então, um amplo cenário que acabou abarcando todo o planeta e uma população crescente que, por sua vez, impulsionou as novas mudanças que nos deram o mundo que herdamos no início deste milênio.
Mas esta enorme amplitude de espaços e de habitantes, no entanto, não conseguiu uniformizar as ideias, os procedimentos e nem as opiniões. Hoje todos nos parecemos mais entre nós, porém continuamos tendo nossas próprias características que ainda insistem em nos manter separados. Este continente chamado “novo” pelos que, cheios de presunção, acreditavam que somente eles existiam e denominado de “América”, eternizando assim a quem, talvez, não tenha feito tanto para uma tão grande homenagem, formou o novo mundo... mas não é apenas esta terra a que é nova agora. O planeta hoje é cheio de novidades, certamente porque nós assim influímos sobre ele, talvez sem nosso consentimento prévio, mas certamente por nos interpormos em seus planos em qualquer prazo.
E esses seres humanos decisivos, conformaram entre si cada conjunto que alcançou este progresso. E não podemos movê-los arbitrariamente de um momento para o outro. Cada um está atado historicamente a seu momento e a seus congêneres de época... e cada um faz com que seu lugar em particular seja similar ao resto, mas que seja também distinto e com suas próprias características.
Por isso, embora todos estejamos nesta privilegiada geografia demarcada pelos dois máximos oceanos, cada um tem a sua própria condição, sua história pessoal, seu protagonismo na história e sua particular forma de procedimento, ontem, hoje e amanhã. Há uma grande Pátria esperando por nós, com limites e uniões a serem definidas. Talvez seja UNASUL, possivelmente o ALBA, ou alguma outra que nos permita aspirar em breve a uma moeda comum, um nome único, talvez fronteiras só para os outros e até um futuro hino que nos una a todos para além da vontade de alguns. Mas, no momento, cada um tem um futuro imediato ligado a todos, mas com características próprias que o torna distinto.
Mineração e Hidrocarbonetos
Venezuela está aqui, como dizem os textos “no ponto mais setentrional da América do Sul”. Isso nos faz parte do Sul mas com uma entrada aquática natural a partir do Norte. Não tivemos nenhuma grande civilização aborígene, como os Incas e os Maias, mas grupos separados e aguerridos que, desde o começo, rechaçaram o invasor europeu que os venceram pela força, sem adaptá-los.
Não éramos tanto um lugar agrícola, nem pecuário, mas de riqueza mineral, acentuada pelas reservas petrolíferas. Isso nos trouxe uma imigração um tanto “diferente”, para dizê-lo com suavidade. Aqui não se imigra para semear nem para criar algo permanente. Isto foi visto, desde antes do século XX com mais razão, como ânsia de lucro e com a mente sempre no país de origem, não importa se pareceram adaptarem-se. (Evidentemente com as muito honrosas exceções de sempre: esses 20% que Paretto inclui nos sucessos da história).
Por isso mesmo aqui jogamos beisebol e não futebol, para dar um exemplo cotidiano. Mas também, por tudo isso, aqui somos “muito diferentes entre si” como lhe ouvi dizer a um norteamericano que vinha de visitar a outros países latinoamericanos. Isto nos fez ser um país onde, talvez, seja mais comum que as famílias tenham filhos e irmãos de todas as cores. E esta união natural, com tudo o que foi afirmado antes, nos tenha unido sempre para ir até aos outros, aceitá-los a todos e sermos abertos com quem queira vir para aqui. Juntando isto ao passado de lutas, se saberá que não é por casualidade que Bolívar tenha nascido aqui e que o exército venezuelano tenha essa rara honra de voltar para casa “triunfante e sem botim”. Não é verdade que não há lembrança de nenhum outro? Com essa percepção fica fácil compreender que Chávez é produto de nossa história.
Século XXI
Sei que o título deste texto sugere que o leitor vai ler acerca do que cremos será 2009 para Venezuela. Antes, porém, achamos conveniente lembrar tais características próprias de nossa nação unidas, como se sabe, às maiores reservas de hidrocarbonetos do planeta, o que nos incorpora a um quadro único de determinadas fortalezas, oportunidades, debilidades e ameaças... porque ao dispor dessa grande fonte energética somos, ao mesmo tempo, o atrativo para o investimento e o objetivo da ameaça.
Se comparamos nosso crescimento e desenvolvimento econômico neste século com o período similar anterior, sem dúvida que o resultado é altamente positivo. Não se trata de uma opinião apenas qualitativa. Os números a avalizam. Basta comparar os custos da cesta básica alimentar relacionados com o salário médio do venezuelano (não a média matemática, sempre influenciada pelos extremos, mas a média comum aos setores da maioria da população), os coeficientes de saúde, educação e mesmo rendimentos, medidos estes não em divisas (pois nunca se viu ninguém comendo dólares, euros, bolívares ou pesos) mas em nutrientes (carboidratos, gorduras, açucares e similares) para não ter outra saída senão coincidir na afirmação de nossos já 20 trimestres de crescimento positivo.
Porém, o que influi aqui não é o crescimento a médio prazo, mas o imediatismo de quem só vê o horizonte que lhe permite seu olho natural, marcado pelo preço fictício do petróleo, imposto à ponta de barris de papel pela abundância de dólares em mercados onde tudo caía, menos a servidão dos meios de informação privados. Sem dúvida, as suas exclusivas ordens!
Muitos esperam uma alta que, sim virá, mas não tão alta como antes se especulava, nem tão baixa como os que creem que podem manter o termostato sem baixar um grau e com sua mobilização supérflua nos limites de seu individualismo que os convence de que tudo merecem somente para si.
É verdade que chegamos até aqui por causa de nossas reservas energéticas. Nosso petróleo, esse mesmo que, calculado a “preço de banana” e, ainda por cima, pago por menos da metade, como se não fosse nosso mesmo antes da Independência, foi peça fundamental na já longínqua mas nunca esquecida e mal chamada II Guerra Mundial (Você não foi envolvido nisso... logo, nem todos lutaram!) Sem nosso combustível dificilmente poderiam ter alimentado um exército crescente com um oceano para atravessar.
Esse mesmo petróleo, que logo depois serviu para o desenvolvimento dos “de Cima”, desta vez pago com migalhas, mas que soavam como moedinhas de ouro, atraiu amigos de todas as partes que ajudaram o nosso povoamento, talvez contra a nossa vontade, e a educar-nos, certamente com graves deficiências.
Mas chegaram os fatos que fizeram com o petróleo subisse de preço, que nos lembrássemos de que era nosso, mas sem as injustiças de quem o extraia somente para si. É nosso...sim...,de nossa Pátria Grande, porque valorizamos o espaço do Sul e a ele nos devemos.
Situação em 2009
O presente ano se inicia com uma crise mais especulativa que econômica e mais financeira que real. A ambição crescente e desmedida daqueles que se especializaram em desviar as riquezas de todos para os cofres de uma “seleta” minoria, não cruzará os braços enquanto homens e mulheres “que se creem livres e iguais dilapidam suas riquezas entre si.” Essa é a ameaça maior, agora e sempre.
Mas estamos conscientes de nossas fraquezas. Ainda nos falta bastante no caminho de unir vontades políticas para fixar a consciência da Pátria Grande, o destino igualitário do Sul e a posse de nosso futuro para usufruirmos de nossos saberes, bens e serviços, de modo que nossas necessidades sejam satisfeitas por igual e possamos nos dedicar a ser felizes e à criatividade do futuro. Também não dominamos, ainda, com profundidade, vários segmentos da atividade produtiva e do campo petrolífero.
Por outro lado, estamos muito conscientes de nossas forças e nossas oportunidades. Temos as maiores reservas petrolíferas do planeta e estamos situados no melhor lugar: em frente ao maior consumidor, a apenas uma fração da distância que qualquer navio-tanque deve trasladar-se dos grandes fornecedores e sem ter que atravessar o Atlântico.
Se unimos tudo o que dissemos antes a um 2008 atípico, tanto no início, com vendas inflacionadas por barris de papel sem petróleo, como no final, quando as residências passaram a ter um valor real que não se parecia em nada com a oferta que seus donos e os Bancos imaginavam, atrevemo-nos a prognosticar para 2009 os seguintes possíveis cenários para a República Bolivariana de Venezuela.
Emenda Constitucional
Venezuela ampliará os direitos políticos do povo, a fim de permitir que qualquer cidadão ou cidadã no exercício de um cargo de eleição popular possa ser sujeito de postulação como candidato(a) para o mesmo cargo pelo tempo estabelecido constitucionalmente, dependendo sua possível eleição exclusivamente do voto popular. Trata-se de uma emenda que, sem dúvida, será uma vitória para nossa Revolução Bolivariana.
Esse objetivo é primordial, mas é preciso continuar com as outras tarefas. Seria muito preocupante que ambos, “troianos e cartagineses”, chavistas e opositores paralisássemos tudo o mais durante esses primeiros dias do ano. Nossa energia conseguirá a aprovação da emenda sem diminuir a velocidade dos projetos restantes nem diminuirá a qualidade das tarefas cotidianas. Adicionalmente permaneceremos vigilantes perante aqueles que somente esperam a mínima falha de nossa parte para utilizá-la em favor de seus propósitos imperialistas.
Se falharmos nas questões rotineiras e obrigatórias a oposição aproveitará toda a informação possível para desprestigiar o Presidente Chávez, o Processo Bolivariano e o Socialismo.
Derivados de Petróleo
Em nosso subsolo há mais de 300 milhões de barris do que será, por muitíssimos anos, não importa o ceticismo de alguns, a principal fonte de energia. Os que se creem com direito para utilizá-lo em exclusivo proveito próprio sabem que o mundo não pode se mover sem petróleo. E também é de seu pleno conhecimento o valor de nossas reservas e a importância do momento.
Este ano já teve início uma grande ofensiva com o único objetivo de controlar tais reservas. E isto inclui uma guerra midiática que já começou com o controle artificial dos preços dos combustíveis. Mas, vamos avançar. Arábia Saudita, o maior país exportador, criador conosco da OPEP, já deu o passo que todos esperavam. E estamos unidos para enfrentar, não o preço alto, mas o intercâmbio justo das matérias-primas que produzimos no Sul.
No ano de 2009, se continuam negando-se a pagar preços justos, lhes reduziremos ainda mais a entrega de nossas riquezas naturais. Sabemos que vários meios privados de informação, que se dizem venezuelanos, manterão a prédica contrária. Trata-se apenas da vanguarda midiática do verdadeiro inimigo. A propósito, tanto sobre esta como em outras matérias, é muito fácil ler na imprensa da semana: basta acessar os portais internacionais do Norte no domingo anterior. Nos cinco dias seguintes, salvo os acontecimentos locais, tudo é copiado deles. Muitas vezes, nem é traduzido. São enviados diretamente de lá com sua estranha prosódia.
Desenvolvimento
Não vamos obstaculizar o caminho por um futuro melhor. Estamos decididos a entregar aos nossos descendentes um país menos atrasado, comparado com o resto, que o que nos permitiram a nós e a nossos antecessores. Avanços em matéria de tecnologias, ciência, educação, manufaturas, indústrias, transporte, cultura, arte e esportes. Ninguém nos vai impedir. Nem de fora, nem de dentro.
Entretanto, o desenvolvimento da Venezuela ainda espera por uma mudança necessária que, cedo ou tarde, será debatida em todos os espaços e em todos os níveis: nossa absurda divisão político-territorial. Algum dia nos ocuparemos em destacá-la, na espera de que alguém a observe, a analise e por ela se interesse. Seria a melhor forma de enfrentar esse equivocado conceito de descentralização que, além de intensificar sentimentos de regionalismos torpes, só tem servido para estancar o desenvolvimento das indústrias nacionais e inibir a integração da verdadeira Pátria Grande.
As colheitas de 2008 nos permitem arriscar que no próximo ano satisfaremos os níveis adequados de nutrição para todos os venezuelanos. Ainda temos de importar alimentos, mas as cifras nacionais sobem mais que as porcentagens de crescimento demográfico.
Para isso, no entanto, precisamos manter um nível adequado de divisas e de recursos do Estado que permita socializar a distribuição de nossa riqueza. Razão porque temos que cuidar de nossas divisas. Até agora, lamentavelmente, os maiores contratos de venda dos derivados do petróleo contemplam pagamentos quase que exclusivamente em dólares. Mas algum dia receberemos também em euros, iens, iuans, pesos e em Sucres!
Sim.. algum dia, não muito distante, com certeza, receberemos nessa moeda comum que necessitamos neste Pátria Grande. Melhor ainda, nós não comemos dólares, nem euros, nem iens, nem pesos.O melhor “negócio” (para usar uma frase dos que estão do outro lado do balcão), o barril de petróleo melhor vendido é aquele que trocamos pelos serviços médicos cubanos, pelas vacas uruguaias, pelos caminhões-tanque argentinos. Entre nós, irmãos de UNASUL, de ALBA, ou como quisermos chamarmo-nos, o ótimo é (algum dia será o caminho normal) o intercâmbio direto de saberes, bens e serviços locais e próprios entre nós mesmos. Por que continuar dando à Banca Internacional o uso-fruto e os juros de nosso trabalho e riquezas?
Por enquanto esperamos os necessários avanços no setor residencial, com casas construídas, concluídas ou recuperadas de seus atuais congelamentos, que satisfaçam a necessidade. Problema no qual, talvez, estejamos ainda mais distantes da meta ideal. Socialismo.
Investimento Social
Nós, venezuelanos, dependemos, em boa parte, dos recursos originados da venda de derivados do petróleo, mas, como tem repetido muitas vezes nosso Comandante Presidente Hugo Chávez: “Mesmo que o preço do petróleo chegue a zero esta Revolução não se detém!”
Temos reservas internacionais suficientes para garantir a satisfação das necessidades básicas dos venezuelanos. Se for necessário um grande sacrifício este país o fará e, no pior cenário, sem correr atrás de recursos extraordinários. Por outro lado, como em toda mina, aqueles que vêm aqui apenas em busca de seu enriquecimento pessoal, bem que poderiam regressar a seus lugares de origem e deixar-nos com nossa vida natural.
Mas não é esta a ideia do venezuelano. Poucos lugares são tão abertos e acolhedores a quem vem conviver conosco. Mas uma coisa é a porta aberta ao amigo e outra, muito diferente, ao imperialismo que, com a desculpa do desenvolvimento, só vem para desviar nossas riquezas naturais para as mãos dos mesmos poucos de sempre.
Mas, dificilmente esta situação extrema chegue a acontecer. O Norte não tem como sustentar seu desenvolvimento, nem muito menos tocar suas indústrias, motores e veículos, sem nossa energia.
Venezuela está aqui. Com a certeza no futuro da Pátria Grande, sem complexos diante da história que sempre merecemos mas que, com o apoio de crenças estranhas enquistadas em nossa mente, nos retardaram a sua chegada.
Avante América Latina!
(Tradução de Zwinglio Dias)
Luis Alberto Matos, jornalista venezuelano, colunista do semanário Temas, de circulação nacional.