Estamos em um processo de mudanças na América Latina e no Caribe. Nossas sociedades ganham em experiência democrática. Muitos dos países da América do Sul avançam com a Justiça Social. No Equador, o presidente Correa estabeleceu uma Auditoria da Dívida Externa. Na Bolívia, o presidente Evo Morales estabeleceu diversas maneiras de inclusão das populações indígenas, e a campanha mundial Coca no es cocaína. No Paraguai, recém foi apresentado o documento do Comitê pela Verdade e pela Justiça que indica todas as violações dos direitos humanos perpetradas durante a ditadura stronista, e o presidente Lugo pediu perdão à nação. Na Venezuela, Chavez continua a ser um arauto das mudanças em favor dos empobrecidos. No Brasil, o presidente Lula conduz uma política econômica que assegura alguma inclusão social.
Porém, ainda é um tabu no continente a discussão pela democratização e humanização da política de drogas. Na verdade, essa questão e a da segurança pública ficam numa órbita do Estado policial. E os governos da América Latina, nesta questão _ com a honrosa exceção do governo Morales - seguem o mesmo percurso do governo estadunidense, a saber, o da guerra às drogas. Ainda falta muito para que os governos na América Latina assumam como política de drogas uma perspectiva humanizadora, como a da redução de danos. É verdade que não se tem contraposto a política da redução de danos com aquela da guerra às drogas. Isso porque o trato com a cadeia produtiva das drogas, nas pontas, de quem produz e quem consome, tem, como em todas as relações mercantis capitalistas, os elos fracos deste modo de produção.
O Estado Penal é uma das formas da presença do Capital. De alguma forma a democratização e humanização da política de drogas é também um dos mecanismos de desconstrução deste modelo de exploração capitalista. A atual política governamental de guerra às drogas participa do paradigma que compreende que todas as formas de construção da liberdade e do prazer humano precisam estar sobre o controle do Capital. Além disso, compreende que os processos produtivos devem responder às regularizações estabelecidas pelas grandes corporações transnacionais. O caso da cannabis versus nylon é paradigmático, porém poderíamos falar dos casos da cocaína versus xilocaína, do ópio e da morfina. Há um controle das companhias farmacoquímicas neste setor que precisa ser observado. De certa forma isto também é verdade para as drogas sintéticas.
O Estado Penal é um modo de construção da subordinação da cidadania ao comportamento mantenedor de uma ordem pública que não garante aos cidadãos e às cidadãs a participação democrática na construção do Estado de direito. A questão da cadeia produtiva das drogas não pode estar subordinada à lógica repressiva. Os efeitos disso temos visto. De nada vale dizer que há uma redução de homicídios qualificados como autos de resistência no Estado do Rio de Janeiro. Ao final ainda é terrível as quase sete centenas de pessoas assassinadas nos últimos 30 anos no País, na maior parte dos casos em função da guerra às drogas. O complexo que mantém a coligação entre o comércio de substâncias qualificadas como ilícitas e o comércio ilícito de armas é o mesmo que sustenta que a única alternativa do Estado é a penalização das pessoas que estão nesta cadeia produtiva e o tratamento compulsório de usuários.
Por isso, no marco desse debate significativo para a sociedade brasileira trazemos neste número do boletim eletrônico Drogas e Violência no Campo, o artigo “Da diamba à maconha”, do pesquisador Sérgio Vidal. Nele está indicada a história desse processo de criminalização da maconha no Brasil e de seus efeitos. Sérgio oferece uma arguta observação dos processos sociopolíticos e legais de criminalização da maconha. Também, apresenta algumas recomendações que favoreceriam a um processo sóciopolítico de humanização da política de drogas no País. Trata-se de um esforço sério para pensar como podemos dar passos na direção da democratização e humanização desta política.
Temos, neste número, o relatório da pesquisadora Mariana Vieira sobre a cidade de Floresta, dando continuidade à socialização da pesquisa realizada por KOINONIA e Pólo Sindical do Submédio São Francisco, em 2005, com o apoio da CESE, sobre as ações juvenis no Submédio São Francisco para a superação da violência. Nele é indicado como naquela cidade as pessoas avaliavam a presença da violência, sua correlação com o plantio de cannabis sativa – a cidade é parte do, assim chamado, Polígono da Maconha - e como as pessoas identificam a contribuição da juventude para a superação da violência na região. De certa forma, o relatório de Mariana Vieira complementa o artigo de Sérgio Vidal, e vice-versa.
Finalmente, como nas outras edições, temos um conjunto de notícias divulgadas no período do quadrimestre. Elas indicam que continua crescente a lógica repressiva e que há algumas iniciativas para discutir a democratização e humanização dessa política. Fazemos votos que a leitura do boletim estimule o pensamento crítico sobre o tema e assegure que possamos contribuir para processos de democratização e humanização das políticas públicas no Brasil e na América Latina e Caribe. Neste tempo de mudanças no Continente é bom estarmos atentos e fortes para nossas contribuições em diversas direções para o fortalecimento dos direitos humanos em nossas sociedades.
Boa leitura!
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