Um dos fenômenos mais instigantes do tempo presente é a avassaladora presença das manifestações religiosas nos circuitos midiáticos. Alguns autores, que tem se especializado no tratamento deste tema, chegam mesmo a se referir à existência de uma verdadeira “fome midiática das igrejas”. Do ponto de vista da história das igrejas cristãs podemos afirmar que se trata de mais um capítulo da relação entre religiosidade cristã e sua perene relação com as formas de comunicação. Como esta se tornou um dos elementos centrais da vida contemporânea e sempre foi, como que um dado essencial do exercício, e da definição mesmo, do movimento centrado na figura de Jesus de Nazaré, esta correlação, independente de qualquer juízo de valor, é vista e acolhida pelos agentes religiosos como algo normal e condizente com o conteúdo de sua proposta de vida.
Evidentemente, ao longo dos séculos, esta correlação passou por enormes transformações, com as diferentes manifestações religiosas, em suas mais variadas formas institucionalizadas, acompanhando o desenvolvimento dos meios de comunicação, impregnando-os e, até há bem pouco, submetendo-os aos seus valores e suas injunções. Com o advento da modernidade e o paulatino eclipse do sagrado que trouxe, como consequência, o enrijecimento e a cristalização de certas formas históricas das manifestações da religiosidade, observou-se, por um tempo, um certo descompasso entre estas e o mundo da comunicação. Entretanto, este desencontro não persistiu. E isto porque a religião, como assinalam diferentes estudiosos, é parte essencial e dinâmica do processo de construção das formas culturais, na medida em que se constituem em sistemas de símbolos que dão sentido e significado para as formas de representação da realidade. Com o eclipse das formas tradicionais cristalizadas e consagradas pelas instituições religiosas, certas funções de representação da realidade, portadoras de sentido e significação, migraram para outros âmbitos que ganharam assim insuspeitas dimensões de sacralidade. Ou seja, a separação entre sagrado e profano perdeu suas fronteiras claras e distintas.
Nesta edição de Tempo & Presença, ainda que de forma limitada, seus articulistas refletem sobre esse processo revelando, de distintas perspectivas, as formas pelas quais os meios de comunicação, especialmente a mídia televisiva e eletrônica, vão ganhando uma aura de sacralidade, transformando-se em sistemas de símbolos que explicam e dão sentido à realidade e, por outro lado, como as manifestações da religiosidade, cada dia mais individualizadas e subjetivistas, vão se secularizando, espetacularmente, nos mais diferentes e variados “Shows da Fé”.
É isso aí.