Tempo e Presença Digital - Página Principal
 
“RELIGIÃO E POLÍTICA: CON(VIVÊNCIA)? CON(FUSÃO)?”
Ano 5 - Nº 22-23a
Novembro de 2010
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
Os Neoevangélicos e a participação política
Por: Messias Valverde (Pastor e Professor no Instituto Metodista Granbery, Juiz de Fora, MG)

Resumo:Uma reflexão sobre as razões sócio-religiosas que levaram os neopentecostais a mudar de comportamento nos diversos envolvimentos sociais, especialmente no trato com as questões políticas.
Palavras-chaves: Teologia da Prosperidade, bênção, maldição, confissão positiva, cabeça, cauda.

“E o Senhor te porá por cabeça e não por cauda; e só estarás em cima e não debaixo, quando obedeceres aos mandamentos do Senhor, teu Deus, para os guardar e fazer” (Dt 28.13).

Entre os acontecimentos que envolvem o fenômeno religioso na sociedade brasileira observa-se nas últimas décadas, mais especificamente a partir dos anos 70, uma mudança radical no trato dos evangélicos com as questões políticas, por influência dos neopentecostais. 1
Em “os pentecostais: entre a fé e a política” 2, Etiane Caloy e Marionilde Dias ilustram bem esse quadro ao demonstrarem que nas primeiras décadas de existência no Brasil 3 os pentecostais restringiam suas ações ao espaço do templo, e, quando se dirigiam ao meio social o faziam com finalidades estritamente religiosas como: monumentos à Bíblia, inauguração de praças,  entre outros 4.
A relação com a política propriamente dita, além do voto como dever cidadão,  limitava-se a orar pelos líderes eleitos, nos templos e nos espaços públicos oficiais como: Prefeituras; Câmara de vereadores; Câmara de Deputados, senado, etc, sob a inspiração de I Timóteo 2.1:
Exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. 5
Um segundo texto de caráter inspirador aos pentecostais e até legitimador dessas práticas, é Romanos 13, 1-4, que atuou até 70 como parâmetro para o voto evangélico e pentecostal. É também por esse texto bíblico que a grande maioria dos evangélicos justifica a omissão histórica frente às questões relacionadas à defesa dos direitos humanos bem como o distanciamento de quaisquer ações que, de alguma forma, questionem a estrutura social vigente.
Entendem que confrontar os poderes estabelecidos pode passar a idéia de insubmissão às recomendações bíblicas:
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação...a autoridade é ministro de Deus para o teu bem(Rm 13.1-4) 6
É possível afirmar então que, até os anos 70, vigorou entre boa parte dos protestantes no Brasil, a herança da teologia dos “dois poderes” pelos quais deus governa o mundo: o espiritual composto pelos “eleitos de Deus” e o terreno, desenvolvido pelas autoridades não-eclesiásticas, tido por Martinho Lutero como “a mão esquerda de Deus.” 7
É provável que esse seja o principal motivo que, consciente ou não, levou os pentecostais 8 e os demais segmentos protestantes 9 – exceto nos setores acadêmicos - a direcionarem  o voto para os partidos e propostas de cunho mais conservador da política brasileira. Situação que ainda não foi totalmente superada.
A mudança de estratégia ocorrida a partir do final da década de 70 foi motivada pelo surgimento do neopentecostalismo protestante, representado mais expressivamente, pela Igreja Universal do Reino de Deus e pela Igreja Internacional da Graça de Deus. Essas, estruturadas pela Teologia da Prosperidade, romperam com diversos marcos estabelecidos pelo pentecostalismo desenvolvido até então, tantos nos níveis da liturgia como na ocupação de espaços sociais e nos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. 10
Essa transição foi facilitada devido ao fato de que a Teologia da Prosperidade, por sua própria natureza, exige que os seus adeptos empreendam esforços capazes de transpor a suposta “corrente da maldição hereditária” 11, criada pelos seus primeiros teóricos, tida como responsável pela presença de toda sorte de males no mundo. Conseqüentemente, sob a mediação neopentecostal, as pessoas são inseridas na “corrente das Bênçãos.” 12
O primeiro efeito dessa transição é o rompimento com a idéia de inferioridade social ou religiosa para a adoção de uma visão positiva de si mesmo e de seu lugar no mundo 13. A condição para isso é o sentimento convicto de que a maldição foi quebrada e que agora o fiel inserido na “corrente das Bênçãos e da Prosperidade,” 14passa a responder a Deus em fé e sacrifício. 15
Essa proposta sócio-religiosa inicia-se com um curandeiro norte-americano chamado Finéias Parkhust Quimby (1806-1866), 16que começou a cuidar dos seus clientes a partir da tese de que a doença e o mal não existem, mas são simplesmente influências do pensamento sobre o físico.
A fama de Quimby se propagou o que levou Mary Baker Eddy, a procurá-lo em busca da “cura de seus males físicos”. 17Sob essa motivação Eddy afirma ter sido curada à luz da leitura orante de Mc 2.1-12:
[Jesus]-disse ao paralítico: Eu te mando: Levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa. Então, ele se levantou e, no mesmo instante, tomando o leito, retirou-se à vista de todos, a ponto de se admirarem...dizendo: jamais vimos cousa assim! (Mc 2.10b-12)
Com Eddy o “pensar positivo” herdado de Finéias ganhou uma das fundamentações bíblicas que atuou na transição para a “confissão positiva” 18 na Teologia da Prosperidade. A Igreja da Ciência Cristã, fundada posteriormente por Mary Eddy, adotou o pensamento positivo como crença e objeto de ensino. 19
Apesar da importante mediação de Eddy para a inserção do pensamento de Finéias nos meios religiosos, foi com EsseK William Kenion e Keneth Hagin que a então denominada “Teologia da Prosperidade” ganhou expressão nos anos 30 e 40 nos Estados Unidos e veio para o Brasil nos anos 70. 20Hagin, o mais influente teórico dessa teologia entre os protestantes, alega ter sido visitado por Jesus Cristo quando estava no leito de enfermidade e testemunha sua cura pessoal sob a inspiração de Mc 11.22b-24:
Jesus lhes disse: Tendes fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este monte: ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele. Por isso vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, credes que recebestes, e será assim convosco (Mc 11.22b-24). 21
A partir desse texto e de seu testemunho de cura, Hagin passa a exercer forte tráfico de influências no pensamento neopentecostal brasileiro e também nos simpatizantes da Teologia da Prosperidade no Brasil. Seus livros são encontrados, com facilidade, nas estantes de boa parte dos membros das Igrejas protestantes históricas, pentecostais e, principalmente neopentecostais no Brasil. Soma-se a isso as constantes citações de suas obras e testemunhos nas pregações e celebrações litúrgicas das diversas comunidades religiosas.
Com ele consolida-se os princípios teóricos da teologia da Prosperidade e da Confissão Positiva, pois, fundamenta a tese central  os pensamentos e os sentimentos, ao serem  verbalizados transformam-se em realidade para o bem ou para o mal, cabendo então ao fiel exercitá-la apenas em direção do bem, sem deixar espaços para dúvidas. 22
Além dos textos bíblicos já mencionados, não podemos deixar de ressaltar que no meio neopentecostalismo brasileiro, o texto bíblico de Deuteronômio 28 ganhou muita projeção. Nele, a partir de uma leitura literal e fundamentalista, os neopentecostais e os demais adeptos da Teologia da Prosperidade encontram argumentos perfeitos para possibilitar às pessoas o gozo das bênçãos anunciadas nos versículos 1-14 e, ao mesmo tempo, tirá-las dos riscos de serem atingidas pelas maldições listadas nos versículos 15 a 68.
Essa convicção e temática ganhou expressão na liturgia e na política. Na liturgia para consolidar a vocação neopentecostal de promover a migração das pessoas da “maldição” para a “bênção” 23; na política, para demonstrar que o tempo de passividade e do distanciamento dos espaços sociais chegou ao fim, pois Deus estaria convocando o seu povo a assumir o comando do país:
E o Senhor te porá por cabeça e não por cauda; e só estarás em cima e não debaixo, quando obedeceres aos mandamentos do Senhor, teu Deus, para os guardar e fazer (Dt 28.13).
Nessa perspectiva, é comum ouvirmos argumentos de que a perpetuação do mal no mundo deve-se ao fato da “cauda” 24estar ocupando os principais postos de comando do país como: prefeituras, Câmaras Municipais; Câmaras de Deputados; Senados; governos Estaduais e Nacionais.
Acredita-se que a presença de neopentecostais nesses espaços ou, pelo menos de membros das Igrejas Protestantes Históricas 25e Pentecostais 26 liberará bênçãos sobre eles.
Essa é a mesma razão que levou os pentecostais e neopentecostais a ocuparem outros espaços sociais como os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão e também os espaços desportivos.
É bom ressaltar que essa mudança de postura foi ainda mais acentuada a partir de meados da década de noventa, quando alguns líderes e grupos neopentecostais afirmaram ter recebido “revelações de Deus”, 27em que ficou claramente estabelecidas as novas estruturas eclesiais e novas estratégias que Adotaria a partir de então para redimir o mundo, ou seja, células e grupo dos 12. O Brasil é tido como um dos doze países do mundo contemplado nesse “Plano estratégico de Deus” e Valnice Milhomens uma das doze líderes mundiais. 28
Pelo projeto de “Células” e “grupo dos doze”, também conhecido como G12, o Brasil e o mundo seriam redimidos a partir de duas estratégias básicas de “guerra”: 291o- Grupo de intercessores, encarregados de liberar os “ares” dos possíveis obstáculos de comunhão com o divino, por isso chamado “força aérea”; 302o.- Igrejas em células e discipulado “dos doze”, para atacar, por terra, os postos dominados por satã. Daí a denominação “infantaria.” 31
A ocupação dos postos de comando político tem alta relevância nesse processo, além disso, os pentecostais e os neopentecostais já não podem ser vistos como grupos periféricos nos níveis sociais ou religiosos, o que aumenta a possibilidade de implementação do plano tanto no Brasil como na América Latina. 32
Esforços têm sido visivelmente empreendidos nessa direção. O clima de guerra já mencionado passou a ser uma constante nos cultos, pregações e na fala diária dos neopentecostais e parte dos evangélicos, razão da retomada dos textos guerreiros do Antigo Testamento. 33
Passou-se a desenvolver uma crítica aos setores mais clássicos das Igrejas Protestantes Históricas que ainda resistem a essa proposta neopentecostal pela superficialidade com que trata os textos bíblicos, pela acentuada espiritualização dos acontecimentos da vida e pela descaracterização da Teologia e da tradição Protestantes. 
A esses resistentes é comum a caracterização de “contaminados espiritualmente”, isso é, cristãos e cristãs que se deixaram envolver por costumes e tradições religiosas outras e, por isso mesmo, passam a ser obstáculos ao que “Deus quer implementar na Igreja”. 34
É importante ressaltar que, entre os questionadores dessas propostas estão boa parte dos setores acadêmicos do Protestantismo histórico, os defensores dos valores teológicos e litúrgicos do protestantismo nas diversas comunidades locais e diversos teóricos pentecostais, entre eles, Paulo César Lima e Ciro Sanches Bordi. 35
A defesa dos neopentecostais e simpatizantes alicerça-se na possibilidade de materialização de todas as bênçãos citadas em Deuteronômio 28.1-14, devidamente adaptada aos dias atuais, 36seguida do livramento dos riscos de quaisquer das maldições listadas em Dt 28.15-68, conforme dissemos anteriormente.
Na área da saúde as propostas são imbatíveis: os neopentecostais defendem vida livre de enfermidades até os 70 anos, em cumprimento ao que Deus “promete” no salmo 90,10: A duração da nossa vida é de setenta anos, e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, o melhor deles é canseira e enfado . 37 À luz da leitura literal de Is 53.4-5, de que as “enfermidades” já foram “levadas” por Deus , conviver com as doenças só é admissível aos que não pautam suas vidas pela fé positiva.
Essas são as principais razões que fazem com que o neopentecostalismo, em sua expressiva maioria, unido a um percentual considerável de pentecostais e protestantes históricos e, ainda, afinado em termos de ideais a alguns segmentos do cristianismo católico, especialmente os setores ligados à Canção Nova, 38formem um bloco hegemônico sobre a forma de participação cristã na política. Esses últimos têm em comum a busca de uma postura eleitoral que garanta os ideais sectários, moralistas e discriminatórios, presentes em abundância na integralidade da proposta.


Termo utilizado para designar os grupos pentecostais surgidos a partir do final da década de 70, tendo como representações maiores a Igreja Universal do reino de Deus e Internacional da Graça de Deus.

SOUZA, Etane Caloy B. de. & MAGALHÃES, Marionilde Dias B. de. Os pentecostais: entre a fé e a política. Revista Brasileira de História, 2002, vol.22, n.43.

Concretamente de 1910 a 1960.

Souza e Magalhães...

ALMEIDA, João Ferreira. Bíblia Sagrada, Edição Revista e Atualizada, 2Tm 2.1.

Bíblia Sagrada Rm 13.1-4

GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.98s.

De 1910 a 1950 o Pentecostalismo no Brasil, representado pelas Igrejas da Assembléia de Deus e Congregação Cristã no Brasil, centravam suas preocupações nos chamados “dons extraordinários”: línguas estanhas e profecias; de 1950 a 1970,  surge a variável da centralidade na cura divina nos segmentos pentecostais emergentes; só após os anos 70 ocorre a ocupação de novos espaços sócio-religiosos sob a instrumentalidade da Teologia da Prosperidade.

Protestantismo histórico de imigração com os luteranos e de imigração Batistas, Metodistas e Presbiterianos.

Entre esses marcos podemos citar o rompimento com os rigores de vestes para as mulheres, cortes de cabelos, uso do véu, exigidos até então respectivamente pela Assembléia de Deus, Deus é Amor e Congregação Cristã no Brasil. A televisão, considerada por alguns segmentos pentecostais como instrumento do diabo passa a ser o principal instrumento de divulgação da mensagem  neopentecostal; rompe-se com a idéia dos pequenos espaços para a aquisição e construção de grandes Templos; sai-se da periferia para as regiões centrais urbanas.  

LINHARES, Jorge. Bênção e Maldição. Belo Horizonte, 2004, p.16s.

BEZERRA, Edir Macedo de. Vida com Abundância. Rio de Janeiro: Editora Gráfica Universal, 1990.

Sobre esse tema seria importante ler OSBORN T. L. Você é o melhor de Deus: um clássico sobre o valor humano. Rio de Janeiro: Graça Editorial, 2000.

PIERATT,Alan B. O Evangelho da Prosperidade. São Paulo: Vida Nova, 1996, p.64s.

Fé, ao não duvidar  a situação mudará completamente; sacrifício pela fidelidade nos dízimos e nas campanhas financeiras. SOARES, RR. As Bênçãos que Enriquecem. Rio de Janeiro: Graça Editorial, 1985.

www.solascriptura-tt.org/seitas...

LIMA, Paulo César. O que está por trás do G12. O que é. Suas doutrinas.  Seus métodos. O que pretende? Rio de Janeiro: Casa Pubicadora das Assembléias de Deus, 2000.

www.piccportoalegre.org

PIERATT,op. Cit. P.20s.

Bíblia Sagrada Mc 11.22b-24.

Esse é um dos fortes pressupostos da Teologia da Prosperidade desde o seu nascedouro, que pode ser  constatado, entre outros, em: LINHARES, Jorge. Bênção e Maldição. Belo Horizonte, 2004, p.16s.

FERREIRA, Rui. Rompendo as Cadeias das Doenças Espirituais. Curitiba: Santos Editora, 2010, p.9-11.

Pessoas não pertecentes às denominações chamadas “evangélicas”.

Como Luterana, Metodista, Batista e Presbiteriana.

Assembléia de Deus; Deus é Amor; Igreja do Evangelho Quadrangular, O Brasil Para Cristo entre outras.

A principal delas é a Missão Carismática Internacional que, na Convenção Internacional de Bogotá em 20 de janeiro de 1999, lançou  “Células e G 12” como expressão da vontade de Deus para os tempos atuais, rechaçando assim qualquer outra estrutura eclesial  existente. Ver: MILHOMENS, Valnice. Plano Estratégico para Redenção da Nação. São Paulo: Palavras da Fé, 1999.

Idem.

Ibidem, p.6.

Ibidem, p. 19-35

Ibidem p.36-44.

SOUZA  MAGALHÃES, Os Pentecostais: Entre a fé e a Política...

HERZOG  Chaim & GICHON Mordecai. Batalhas da Bíblia: Uma História Militar do Antigo Israel. Niterói: Imprensa da Fé, 2009.

EMERICHE, Alcione. Contaminação espiritual. São Pualo: Editora Hagnos, 2010.

LIMA, Paulo César. O que está por trás do G12. O que é. Suas doutrinas. Seus Métodos. O que pretende? Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2000. BORDI, Ciro Sanches. Evangelhos que Paulo Jamais pregaria. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2001.

A menção de bênçãos no campo, no curral, etc podem ser traduzidas como fábricas, empresas, imóveis e outros.

À luz desse texto os neopentecostais entendem que doenças, dificuldades e enfermidades só após os setenta ou oitenta anos de idade.

Um movimento católico mobilizado por um canal de Tv do mesmo nome de cunho pentecostalizado e neopentecostalizado que se assemelha muito no rito e na teologia aos grupos neopentecostais protestantes.