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“RELIGIÃO E POLÍTICA: CON(VIVÊNCIA)? CON(FUSÃO)?”
Ano 5 - Nº 22-23a
Novembro de 2010
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
Dando a Deus o que é de César: escatologia, pentecostalismo e política em três atos
Por: Daniel Rocha (Prof. Ms. em Ciência da Religião – PUC-Minas)

Não existem idéias, princípios, categorias, entidades absolutas, estabelecidas de uma vez por todas. Tudo o que existe na vida humana e social está em perpétua transformação, tudo é perecível, tudo está sujeito ao fluxo da história. (Michael Löwy)

O pentecostalismo, que completa agora o seu primeiro centenário em terras tupiniquins, é bem diferente daquele que aqui chegou pelos idos de 1910. O século passado viu o pentecostalismo transformar-se, de uma expressão religiosa sectária, apolítica e representada por uma fatia quantitativamente irrisória da população, no mais crescente, dinâmico e diversificado segmento do campo religioso brasileiro. Além disso, sua influência não está relegada somente à “esfera espiritual” da vida nacional: o seu apoliticismo característico foi substituído por uma arrojada postura de engajamento eleitoral no sentido de eleger representantes de suas denominações para as esferas de poder político. Esta breve reflexão busca analisar tais transformações do pentecostalismo em sua relação com o contexto sociopolítico, explorando, especialmente, as conexões entre suas convicções escatológicas e sua práxis político-eleitoral.

Primeiro Ato: Era uma vez o pentecostalismo...
A história já é por demais conhecida: o ímpeto missionário do movimento pentecostal surgido nos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX acabou por lançar suas sementes por grande parte do mundo e, em 1910, o pentecostalismo desembarcou no Brasil trazendo a mensagem da contemporaneidade dos “dons do Espírito”. Deste movimento inicial surgiram as duas mais antigas denominações pentecostais brasileiras: a Congregação Cristã no Brasil e a Assembleia de Deus. Não é o interesse aqui se deter sobre maiores peculiaridades dos primórdios do pentecostalismo brasileiro. Trabalhos como o de Paul Freston 1, por exemplo, já avançaram bastante nesse sentido. Buscar-se-á aqui apenas caracterizar este “modelo” de pentecostalismo que prevaleceu no Brasil em suas primeiras décadas.

Os estudos a respeito do protestantismo e do pentecostalismo brasileiro vinculam, em sua esmagadora maioria, a perspectiva escatológica pré-milenarista à visão que os fiéis têm do mundo e seus consequentes posicionamentos frente às conjunturas sociais e políticas que os cercam. O pré-milenarismo é marcado pela expectativa de “uma intervenção sobrenatural divina, uma crença na irrupção do sobrenatural na história” (MENDONÇA, 1984, p. 63-64). O reino de justiça e felicidade só ocorreria após o retorno visível de Cristo para reinar com seus santos. Não há, portanto, um maior otimismo em relação ao futuro. E quanto menor a esperança, menor a expectativa da possibilidade de se construir um futuro melhor através da atuação humana. Não se trabalhava com a possibilidade da implantação de uma sociedade mais justa e alicerçada nos valores do Reino antes do retorno de Cristo (pós-milenarismo).

O pentecostalismo abraçou o pré-milenarismo, e os pesquisadores viam nele uma explicação para o comportamento apático, sectário e direcionado para fora da história que caracterizava o pentecostalismo brasileiro. A luta justificável seria aquela por conquista de almas para Jesus numa batalha contra as tentações do mundo e as forças espirituais satânicas. As armas para tal batalha seriam as espirituais, especialmente orações e exorcismos, e a prática de uma vida reta, livre de vícios e de relacionamentos mais profundos com o “mundo”. Os problemas sociais e políticos seriam reflexos desta luta, pois aqueles em posição de poder no Brasil estavam do lado do “mal”, do lado do catolicismo, da cultura brasileira, das hostes satânicas, da secularização, etc. Composta, majoritariamente, por pessoas de classe social e nível de instrução mais baixos, alijadas do poder temporal e minoritários na composição da sociedade brasileira, a crença pré-milenarista e apocalipsista adequava-se às conjunturas do pentecostalismo brasileiro nascente.

Um trabalho que influenciou profundamente a percepção dos pesquisadores brasileiros sobre a relação do pentecostalismo com a sociedade na qual está inserido foi o do suíço Christian Lalive D`Epinay sobre o protestantismo chileno 2. Esse autor percebeu no pentecostalimo uma radicalização da separação entre a vida espiritual e o “mundo”. A fé, extremamente espiritualizada, assume contornos individualistas, voltada para a experiência pessoal de salvação e santificação, sendo o mundo e as estruturas sociais e políticas o lugar do pecado. Sua conclusão a respeito da relação entre escatologia, sociedade e política no pentecostalismo pré-milenarista é de que o reino a ser implantado por Cristo “é radicalmente diferente e não poderia se inscrever no prolongamento de uma ação humana. Esta concepção escatológica significa (mais do que determina) a passividade sociopolítica do pentecostalismo” (D`EPINAY, 1970, p. 200). D`Epinay também relatou em sua pesquisa sobre o pentecostalismo chileno que os pentecostais manifestavam aversão à política. Ele constatou que 64% dos pentecostais responderam de forma negativa sobre se a Igreja deve se preocupar com os problemas políticos e sociais do país e se deve se pronunciar sobre eles. Para eles a política nada tinha a ver com o Evangelho.

Alguns dos principais estudiosos do pentecostalismo brasileiro também deram veredicto semelhante para o caso do Brasil. Antonio Gouvêa Mendonça vinculou, em seus trabalhos, a perspectiva pré-milenarista à apatia sociopolítica do pentecostalismo brasileiro. Tanto os elementos pietistas quanto escatológicos do pentecostalismo fortaleceram sua postura de recusa das “coisas do mundo”: o pietismo, ao enfatizar a perspectiva espiritualizada da vivência religiosa, e o apocalipsismo, por apontar para uma salvação e um reino além da história, independente dos esforços humanos. Paulo Siepierski, que é o autor que mais se aprofundou nesta relação entre concepções escatológicas e questões sociopolíticas no pentecostalismo brasileiro, também segue linha semelhante a Mendonça e D`Epinay: seus textos também sentenciam o pré-milenarismo como culpado da apatia política e social do pentecostalismo, pois “os santos deveriam afastar-se do mundo, uma vez que este estava-se corrompendo rapidamente e em sua corrupção final estaria o início do milênio” (SIEPIERSKI, 2004, p. 80-81).

Como visto, os autores que pesquisaram as relações entre o pentecostalismo e a política enxergaram na questão escatológica um dos motivos pelo desinteresse e omissão sociopolítica dos pentecostais. A questão que é recorrentemente colocada é a de que se se espera o final iminente, e as estruturas sociais, corrompidas pelo pecado, seriam irremediáveis e estariam condenadas de antemão pelo Juízo Eterno que em breve acontecerá, não haveria motivo para se engajar politicamente na busca de se construir uma sociedade mais justa e livre.

Entretanto, aqueles que consideravam os pentecostais, “carta fora do baralho” da vida política brasileira, assistiram, atônitos, à mobilização e eficácia que tal segmento demonstrou para a eleição de candidatos ligados às suas igrejas. Desde meados da década de 1980 deve-se repensar a validade da sentença “crente não se mete em política”.

Segundo Ato: Deus e o diabo na terra da política
O movimento em busca de influência e participação nas esferas de poder já tinha dado seus primeiros passos no período do Regime Militar, onde, contrariamente a alguns setores do catolicismo e do protestantismo com tendências mais progressistas, as lideranças pentecostais optaram por uma postura conservadora, fundamentalista e adesista. Naquele período o discurso anticomunista e de defesa da família e dos “valores cristãos” oriundos do fundamentalismo norte-americano já ecoava entre as lideranças das igrejas protestantes e pentecostais brasileiras. Pensando desta forma, muitos viam a instauração do regime autoritário como uma Providência Divina, uma resposta de Deus às ameaças do comunismo ateu contra a liberdade religiosa e os valores da família. A partir da disseminação dessa crença entre as lideranças protestantes e pentecostais, “o antipoliticismo foi, aos poucos, sendo substituído pelo adesismo. Participar da política era válido, desde que a favor do governo” (CAVALCANTI, 2002, p. 229).

Todavia, o momento que, segundo os principais pesquisadores do fenômeno, marca a entrada efetiva dos pentecostais brasileiros na esfera pública política nacional é o período pré-eleições de 1986, onde se elegeriam os parlamentares que participariam da confecção da Constituição brasileira de 1988. Os discursos das lideranças pentecostais giravam em torno da “mística da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) como um momento em que seria possível reescrever o Brasil, ou pelo menos impedir que outros o reescrevessem” (FRESTON, 1994a, p. 64). Se até esse período as igrejas pentecostais manifestavam pouco interesse pelas questões políticas, inclusive condenando relações entre política e religião, a Nova República viu surgir uma configuração inteiramente nova de atuação política. Nos preparativos para as eleições de 1986, uma “retórica da crise” e do medo foi utilizada pelas lideranças pentecostais. Por exemplo, temia-se a volta do status de religião oficial do catolicismo ameaçando a liberdade religiosa. Falava-se também, principalmente entre aqueles que buscavam mobilizar politicamente os membros da Assembleia de Deus, das “ameaças contra a família” como a legalização das drogas, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A necessidade de se fazer representar na Assembleia Constituinte fez brotar alguns discursos e atos inéditos nos meios pentecostais. Igrejas como as Assembleias de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular e a emergente Igreja Universal do Reino de Deus perceberam o valor e as possibilidades do voto de seus fiéis 3. O resultado de tal mobilização refletiu-se nas urnas. Com a tentativa de “perder” o mínimo de votos possível para candidatos não evangélicos e até candidatos de outras denominações, as igrejas pentecostais tomaram a postura inédita de indicar “candidatos oficiais”, “ungidos” pelas lideranças eclesiásticas. A eficácia desta nova forma de organização eleitoral pôde ser sentida nas urnas: a Assembleia de Deus, por exemplo, pulou de um para treze representantes no Congresso Nacional. Nas eleições de 2002, esse número de deputados federais ligados à Assembleia de Deus já havia pulado para 22. O modelo de atuação e mobilização eleitoral de 1986 virou um novo paradigma da forma de se fazer política nos ambientes pentecostais, e também em alguns setores do protestantismo histórico e do catolicismo carismático, e foi só se aperfeiçoando ao longo dos anos. Embora algumas resistências internas ainda se façam notar nas igrejas, os resultados práticos mostram que tais resistências não têm sido fortes o suficiente para atrapalhar os projetos de poder das lideranças eclesiásticas e dos “políticos de Cristo”.
As igrejas que obtiveram maior sucesso na corrida eleitoral possuíam uma estrutura interna autoritária, caracterizada por uma grande centralização do poder nas mãos das lideranças eclesiásticas. Embora a Assembleia de Deus tenha se destacado inicialmente e ainda consiga converter em eleitores de seus candidatos parte de seu grande número de fiéis, muitos autores afirmam que a “neopentecostal” Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) é quem aperfeiçoou o modelo de intervenção na política eleitoral e na obtenção de estruturas que sustentem seu poder. Eles conseguiram traduzir a disputa política na linguagem de uma Batalha Espiritual, com um discurso marcado por “teorias persecutórias e simbologias bíblicas e que entende a ‘cidadania’ através do ‘voto irmão’” (CONRADO, 2001, p. 105). Além disso, após a aquisição da TV Record, a compra de várias rádios e jornais e a criação de um partido político próprio, a IURD passou a ter um suporte midiático e financeiro antes impensável para as demais igrejas.

Após o sucesso na eleição de parlamentares nas diversas instâncias, a consolidação de uma percepção da importância de se fazer presente no terreno da política eleitoral nacional e do aumento de sua representatividade numérica no total da população brasileira, tornou-se natural para os pentecostais sonhar com a possibilidade de influírem diretamente nos rumos da nação e na construção de um futuro diferente. No decorrer dos anos espalhou-se a perspectiva “cada vez mais frequente em reuniões, cultos, programas de rádio e TV, do horizonte de um Brasil politicamente ‘evangélico’” (SANCHIS, 1999, p. 214). Talvez o momento em que os pentecostais tenham estado mais perto de ter papel preponderante nos rumos da nação foi nas eleições presidenciais de 2002, quando o ex-governador do Rio de Janeiro, o evangélico Anthony Garotinho, teve uma votação expressiva nacionalmente. Ele obteve 17,9% dos votos válidos no primeiro turno, ficando relativamente próximo de avançar para o segundo turno. “Garotinho representa, de fato, um fenômeno político importante, na medida em que concretiza, de maneira exemplar, a tentativa dos pentecostais de conquistar a presidência da República.” (JACOB et al, 2003, p. 39.) Além da expressiva votação no Rio de Janeiro, seu reduto eleitoral e onde possuía um eleitorado mais diversificado, “observa-se (...) uma enorme semelhança entre o mapa das votações do candidato evangélico e o da porcentagem de pentecostais na população total” (JACOB et al, 2003, p. 39). Embora seja importante ter sempre em mente que não se deva falar em um “projeto evangélico de poder” que unifique as diferenças desse campo religioso, já que as divergências teológicas e, principalmente, de disputa de poder, impedem tal possibilidade, a força de um discurso voltado para este segmento e que busque mobilizá-lo no sentido de defesa de seus valores religiosos e morais não pode ser subestimado (e não tem sido) no Brasil contemporâneo.

De um coadjuvante tímido e alheio à trama central da arena política nacional, o pentecostalismo passou a ter papel de destaque na vida política e social brasileira. O discurso de que o crente não deveria se envolver com a política e sim buscar se santificar visando estar preparado para o iminente retorno do Senhor para livrá-lo deste decadente mundo tenebroso transformou-se em outro bem diferente. Surgiu uma pretensão, anteriormente impensável nos ambientes pentecostais, de transformação do país “de cima para baixo”. Começa-se a debruçar sobre a ideia de que quem diz o que é crime e o que não é, o que é legal e o que não é, é quem detém o poder político. Portanto, a tentativa de tornar o Brasil um país mais cristão passaria pela presença de verdadeiros crentes nas estruturas de poder. Se antes se queixavam das relações íntimas entre o catolicismo e o Estado, hoje buscam privilégios semelhantes ou superiores. A proximidade do poder passou a ser mais interessante para as lideranças pentecostais do que o discurso sectário. A condenação do mundo continua, mas, ao invés de tal condenação levar o crente ao isolamento das questões seculares, passou-se a defender o discurso de que ele deveria “fazer diferença” no mundo.

Entretanto, fica aqui a questão: como tal dinamismo e engajamento podem se compatibilizar com uma crença escatológica que, segundo as análises anteriores, levava à passividade e ao apoliticismo?

Terceiro Ato: “Ganhando o Brasil para Jesus”
Como dito no início deste texto, o pentecostalismo se transformou e se reinventou ao longo do tempo. Algumas razões da compatibilização entre a fé pentecostal e o interesse pelas coisas antes consideradas “mundanas” como a política e a prosperidade material podem ser encontradas nas mudanças de suas ênfases teológicas e expressões de fé. A disseminação do conceito de “Batalha Espiritual” e sua aplicabilidade nas estruturas de poder e nos conflitos sociais que se fortaleceram no Brasil a partir dos anos 1980, curiosamente quase que de maneira simultânea à mudança de postura dos evangélicos em relação à política eleitoral, estão muito presentes no discurso pentecostal atual. Grande parte dos best-sellers da literatura evangélica trata desse tema. Atualmente é um assunto muito mais em voga do que o Apocalipse, a Batalha do Armagedon, o Anticristo, etc. Os anjos e demônios passam a atuar nas estruturas profanas do governo e da sociedade civil. Principados e potestades demoníacas influenciam os rumos da política nacional: daí a causa das injustiças, da pobreza e da decadência moral. Cabe ao crente lutar pela causa da fé nesse terreno.

Pensando-se na questão política, a experiência histórica parece indicar que as concepções escatológicas de um grupo estão ligadas à sua proximidade e acesso ao poder 4. É extremamente complicado dizer que uma posição teológica determina a mudança no comportamento sociopolítico de um grupo. Claro que as crenças escatológicas influenciam e são influenciadas pelas questões políticas. Porém, tais relações não podem ser vistas como deterministas. Para o observador “de fora”, baseando-se na história recente do pentecostalismo brasileiro, parece ter ocorrido uma passagem de um pré-milenarismo para um pós-milenarismo que sonha com a implantação dos valores do reino de Deus através da atuação política. Os pentecostais começam a levar a sério a possibilidade de solucionar os problemas do Brasil.

Entretanto, apesar de tudo isso, de fato, os pentecostais não abdicaram de suas convicções pré-milenaristas. O pré-milenarismo não é intrinsecamente apolítico e isolacionista e nem o pós-milenariamo progressista e engajado. Tais noções têm obscurecido a compreensão e a dinâmica do fenômeno milenarista. Se o pré-milenarismo se apresenta pessimista, é porque o poder está distante dele e, baseado em seu antagonismo fundamentalista, em poder das forças malignas. O questionamento de tal poder “diabólico” é feito baseando-se em uma forma antagônica de política e de governo. Uma forma que expressaria os valores divinos, um modelo de reino milenar legitimamente cristão. Sendo a possibilidade da implantação de tal reino algo muito distante e impalpável, tende-se ao pessimismo e à ansiedade para que tal reino seja implantado através de uma interferência divina, dando fim à história e aos governos iníquos.

À medida que as conjunturas apontam para possibilidade de obter-se tal poder dentro da história, os pré-milenaristas “estão cada vez mais propensos a ‘arregaçar as mangas’ e ‘botar a mão na sujeira da política’ para reorganizar a sociedade” (CAMPOS, 2000, p. 21). Mesmo sem “reformarem” seus credos escatológicos, os pré-milenaristas não têm se escondido “debaixo da cama”, aguardando o fim. Eles têm se engajado politicamente e, à medida que condenam a atual ordem das coisas e anunciam o fim, disputam na arena política a possibilidade de tomar o poder temporal e dar-lhe o caráter semiteocrático que ele deve ter para ser considerado realmente o reino. Nesse sentido, a fronteira entre o pré-milenarismo e o pós-milenarismo parece ser muito tênue.

Quando o sentimento de ausência que marca o pré-milenarismo começa a ser preenchido pela possibilidade de realização, com o vislumbramento do reino terreno, começa a haver, de fato, uma expectativa pós-milenarista. A tendência é de que quanto mais a perspectiva da implantação dos valores do reino através da “conquista do Brasil para Jesus” se torne viável, mais o discurso pré-milenarista vá perdendo espaço. Ainda não se pode afirmar que seja o caso do Brasil. Tais transformações das crenças religiosas ocorrem apenas na longa duração. O que parece ocorrer de fato é que mudanças estariam acontecendo no nível prático. A crença pré-milenarista já não vem apresentando as consequências sociais e políticas que a literatura consagrava como características dessa perspectiva escatológica, como o apoliticismo e o sectarismo. Se isso levará, no futuro, a reformulações teológicas nas igrejas pentecostais em nome da adoção de uma teologia pós-milenarista, é uma possibilidade em aberto. Seria prematuro afirmar peremptoriamente a vitória do pós-milenarismo devido ao surgimento de uma religiosidade pós-pentecostal, voltada para a vida intraterrena,  ao sucesso eleitoral e planos ambiciosos dos pentecostais na política. Revezes eleitorais e crises inesperadas (quaisquer que sejam) podem esfriar as expectativas otimistas e fazer a balança pesar novamente para o pré-milenarismo e para o pessimismo em relação à consumação do reino na história.

Referências bibliográficas
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Nem todas as igrejas pentecostais entraram na disputa eleitoral. Igrejas grandes como a pioneira Congregação Cristã do Brasil e a Deus é Amor ainda mantém seu apoliticismo. Nas outras igrejas houve algumas reações internas contra a participação na política, mas a tendência politizante acabou prevalecendo na Assembleia de Deus, na Igreja do Evangelho Quadrangular e na Igreja Universal do Reino de Deus.

Tal perspectiva foi melhor explorada em trabalho anterior: ROCHA, Daniel. Fantasmagorias do reino milenar. In: PASSOS, Mauro (Org.). Diálogos cruzados: religião, história e construção social. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. p. 149-182.