O barco com a cruz como mastro, uma alusão aos barcos das viagens apostólicas dos discípulos, é, há muito tempo, o símbolo do movimento ecumênico. Seguindo a mesma metáfora, a história dinâmica deste movimento de proporções internacionais em torno da busca pela unidade entre cristãos e cristãs pode ser representada pelo rio por onde esse barco navega.
O curso desse rio, até aqui, foi marcado por grandes eventos: a conferência de missão (Edimburgo, 1910), a conferência de Vida e Ação (Estocolmo, 1925), a conferência de diálogo em torno de Fé e Ordem (Lausanne, 1927). Estes três eventos são identificados como a origem dos organismos ecumênicos mundiais e a preparação do terreno para a criação do Conselho Mundial de Igrejas (Amsterdam, 1948). A Igreja Católica, por sua vez, afirmou decididamente o ecumenismo no Concílio Vaticano II (1962-1965).
Hoje há um crescente consenso em torno da necessidade de empenho pela unidade dos cristãos e que a cooperação que buscamos é tanto no testemunho profético quanto no serviço solidário a pessoas que sofrem injustiças ou padecem necessidades. Isso se evidenciou também no primeiro Fórum Cristão Global, realizado em novembro de 2007, em Limuru, no Quênia, em que, pela primeira vez na História, se reuniram altos representantes de praticamente todas as famílias cristãs – ortodoxos, católicos, protestantes históricos, protestantes evangelicais, pentecostais e independentes – que compartilharam suas experiências de fé e de sentido vocacional.
Fundado oficialmente em 1948, o CMI experimentou, ao longo dos anos, uma crescente tendência ao comprometimento com questões ligadas ao papel dos cristãos e cristãs no debate e nas ações no campo da ética social. No entanto, a raiz do compromisso transcende essa esfera acima, muitas vezes próxima da política, pois o movimento em busca de unidade é, acima de tudo, um passo dado a partir da própria espiritualidade e compromisso com o Evangelho de Jesus Cristo. Naquele ano de 1948, no pós-guerra, com cidades destruídas, nações dizimadas, milhões de refugiados e esperanças destroçadas, os delegados das igrejas, reunidos em Amsterdam, se reuniram ancorados em sua fé e proclamaram: “É nosso firme propósito permanecermos juntos.” Com esse compromisso renovado, o CMI conclama as igrejas a perseverarem na oração pela unidade.
O CMI é hoje a maior e mais representativa das muitas expressões organizadas do movimento ecumênico moderno, cujo objetivo é a unidade dos cristãos e das cristãs, agrupando hoje 349 igrejas, denominações e comunidades de igrejas em mais de 110 países e territórios do mundo todo, que representam mais de 560 milhões de cristãos e cristãs, em sua maioria membros de igrejas ortodoxas, da reforma protestante - como anglicanos, batistas, luteranos, metodistas e reformados - assim como muitas igrejas unidas e independentes. Ainda que, no início de suas atividades, a maioria das igrejas-membro do CMI fossem européias e norte-americanas, hoje a maior parte é oriunda da África, Ásia, Caribe e América Latina, Oriente Médio e Pacífico.
Para suas igrejas-membro, o CMI é um espaço insubstituível onde podem refletir, falar, agir, orar e trabalhar juntas, apoiando-se mutuamente. Como membros desta comunidade, as igrejas que decidem afiliar-se ao CMI são chamadas a alcançar o objetivo da unidade visível numa só fé e uma só comunhão eucarística; promovem o testemunho comum no trabalho, na missão e na evangelização; realizam um serviço cristão atendendo as necessidades humanas, eliminando as barreiras que separam os seres humanos, buscando a justiça e a paz e preservando a integridade da Criação de Deus e promovem a renovação na unidade, no culto, na missão e no serviço.
O Brasil acolheu, em fevereiro de 2006, a nona assembléia do CMI. O evento, que reuniu cerca de 4000 pessoas durante mais de dez dias, em Porto Alegre, teve a capacidade de ser o cenário a partir do qual as igrejas-membro do Conselho definiram as prioridades de trabalho para os próximos anos. Estas prioridades foram trabalhadas e sistematizadas pela secretaria geral, em Genebra, e traduziram-se nos seis eixos programáticos a seguir:
1. O CMI e o movimento ecumênico no século XXI
2. Unidade, missão, evangelismo e espiritualidade
3. Testemunho público: abordando questões de poder e afirmando a paz
4. Justiça, diaconia e responsabilidade pela Criação
5. Formação e educação ecumênicas
6. Cooperação e diálogo inter-religiosos
A 9ª Assembléia também deu ao Brasil a responsabilidade pela condução dos trabalhos da mais alta esfera do Conselho. O Pastor Presidente da IECLB, Dr. Walter Altmann, foi eleito moderador do comitê central. Esta é uma função ímpar e desafiadora na história do movimento ecumênico. Em suas reflexões acerca dos 25 anos do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), Altmann apontou para a unidade e a espiritualidade, dando destaque especial aos 100 anos da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, celebrados neste ano sob o tema “orar sem cessar”. Em recente entrevista, Altmann interligou as ênfases destes dois marcos no rio ecumênico: “no movimento ecumênico anelamos pela unidade plena, em que poderemos compartilhar a comunhão na mesa eucarística. Ainda não alcançamos esse ponto oficialmente, embora os diálogos teológicos tenham avançado substancialmente na compreensão da eucaristia e em alguns lugares comunidades de base já o tenham praticado. Se, de outra parte, olhamos para o batismo, reconhecemos nele a ação do Espírito de Deus, dando-nos a graça de nos tornarmos filhos e filhas de Deus, o que podemos e devemos acolher em fé. ”.
O CMI chega aos 60 anos com uma agenda clara e na busca pela visibilidade de outrora (o auge do reconhecimento público do Conselho se deu através de seu concreto envolvimento nas negociações que visavam o fim do regime de Apartheid, na África do Sul), mas também se deparando com uma tarefa espiritual, com dimensão material e sentido integral. Olhando para o curso do rio ecumênico, percebemos períodos tortuosos e outros de calmaria. O “firme propósito em permanecer juntos” guia os esforços das igrejas-membro do CMI também hoje, quando tentam, através dos programas do Conselho, estar presente e externar sua voz comum diante de problemas pontuais do mundo de hoje, como a pobreza ou a crise do Oriente Médio, mas também no exercício da piedade e a tentativa de semear nas novas gerações a compreensão de que o firme propósito da unidade é o caminho fiel ao Evangelho de Cristo, que prega a unidade e o entendimento, não o sectarismo e o conflito.
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Dr. Walter Altmann, Presidente da IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e Moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas.