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60º ANIVERSÁRIO DE ORGANIZAÇÃO DO CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS
Ano 3 - Nº 12
Setembro de 2008
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
O Ecumenismo no México e na América Central: Utopias, Conjunturas, Esperanças
Por: Leopoldo Cervantes-Ortiz

Parece mentira, mas, depois de 60 anos de existência do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), numa ampla parcela do ambiente protestante-evangélico latino-americano tradicional, falar de ecumenismo ainda continua sendo sinônimo de “modernismo” e uma excessiva abertura da fé cristã às oscilações sociais do momento, para dizê-lo de forma amável. Particularmente no México, que sempre foi uma espécie de “ilha” no mapa ecumênico (sua proximidade geográfica com Estados Unidos e sua ambígua localização na América Central o torna um país extraviado pelas ideologias pouco matizadas em certos espaços), e isto apesar de que em 1963 aconteceu ali a Conferência Mundial de Missão e Evangelização do CMI, o movimento e a práxis ecumênicas provocam reações contraditórias, ao ponto de destacados dirigentes denominacionais terem se oposto e combatido ferozmente o ecumenismo, identificando-o com a já típica intenção de se criar uma super-igreja que seria, segundo alguns deles, a negação do Evangelho.  Por outro lado, pensadores e líderes como Gonzalo Báez-Carmargo se encontraram na trincheira ecumênica depois de participarem tenazmente nos congressos evangélicos latino-americanos que se iniciaram em 1916 sob a direção dos missionários estadunidenses.  O congresso de Havana (1929), presidido por Báez-Carmago, foi o começo de uma crescente preocupação “inter-denominacional” para responder como uma frente unida evangélica às exigências do momento. Para 1949, em outro congresso realizado em Buenos Aires, o grau de consciência dos protestantes estava preparado para a “intervenção” do CMI em décadas posteriores. Da confluência desses esforços continuados (Movimentos Estudantis Cristãos, Movimento pela Unidade Evangélica Latino-americana, Comitê Evangélico Latino-americano de Educação Cristã, etc.) surgiria, em 1978, o Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI).

O surgimento do movimento “Igreja e Sociedade na América Latina” (ISAL) teria sido impensável sem a confluência do interesse despertado nas igrejas européias e norte-atlânticas que viram com bons olhos o despertar das comunidades latino-americanas. É preciso sublinhar que, como notaram incontáveis estudiosos, como Hans-Jürgen Prien (em sua monumental História da Igreja na América Latina), o estilo implantado no continente pelas missões anglo-saxãs fez com que os modelos europeus de agrupamento eclesiástico se tornassem suspeitos.  Apesar disso, a mencionada “intervenção” ecumênica européia abriu um arco que incluiu, até hoje, de apoio para a formação de instituições de educação teológica (a Comunidade Teológica de México como principal exemplo) até recursos para a construção de jardins de infância, como é o caso do que é dirigido por Evangelina Corona, ex-líder do sindicato de costureiras que surgiu a partir dos terremotos de 1985. Certamente, em Genebra se surpreenderiam ao saber que um projeto dessa natureza continua funcionando, separado já, do projeto ecumênico que lhe deu origem. Nos tempos do Centro Coordenador de Projetos Ecumênicos (Cecope) se acreditava, de pés juntos, que a abertura das Igrejas ao ecumenismo seria um processo natural e inevitável. Não se advertia, com suficiente perspectiva, que a estreita relação ideológica das mesmas com o regime pós-revolucionário seria um fator, entre tantos, para que o fechamento continuasse, inclusive quando o sistema político enfrentou a sua pior crise.
Nesse sentido, o surgimento da Teologia da Libertação foi a expressão de um conjunto de ansiedades que se incubaram na primeira metade do século XX, em meio às circunstâncias sumamente difíceis para os protestantismos, porque no México custou muito superar a desconfiança que representa colaborar ou interagir com os antigos perseguidores, ocultos em outra época pelas ambigüidades da lei.  Por isso tornava-se muito complicado pedir aos protestantes que se tornassem simpáticos em relação à causa ecumênica, principalmente se se tratava de projetos encarnados por organismos ligados, de alguma maneira, às cúpulas episcopais. Foi preciso que surgissem movimentos e organismos católicos que enfrentassem também a oposição das ditas cúpulas para que, finalmente, certas zonas do protestantismo decidissem estar, ombro a ombro, nas mesmas trincheiras que seus irmãos católicos.  A história do ecumenismo no México está atravessada pela suspeita mútua entre organismos e pelo desafortunado desvio de propósitos perpetrado pelo caudilhismo e a auto-promoção de alguns dirigentes. Essa é uma das razões pelas quais não se puderam institucionalizar os resultados ecumênicos em organismos visíveis que aglutinassem a maioria das forças progressistas das Igrejas.

Não deixa de chamar atenção que, no México, a convergência de forças cristãs se manifestou, com certa força, a partir dos anos oitenta, justamente numa época de recomposição política às portas da transição democrática de uma década depois. Em l986, quando apareceu o livro “A participação dos cristãos no processo popular de libertação do México” (Miguel Concha Malo,Oscar Gonzalez Gari, Lino F. Salas e Jean-Pierre Bastian. Siglo XXI Editores) ainda era impensável que as aproximações entre as comunidades católicas e protestantes não tivessem frutificado de forma suficiente.  Mas, o certo é que a confluência da luta dos grupos cristãos era mais intensa do que se pensava, pois, embora Bastian afirme nesse livro que o “protestantismo clássico” não foi autenticamente “protestatário, a força dos movimentos pentecostais começou a ser vista como um desafio para o ecumenismo, pois eles, como movimentos “recém chegados”, canalizaram o ímpeto transformador dos anos anteriores, ainda que no começo de forma bastante inconsciente. As comunidades e organismos que nos anos setenta tinham representado a fortaleza do ecumenismo, na década de noventa adquiriram um outro rosto, especialmente porque a conjuntura sociopolítica, dominada pela possibilidade de um autêntico despertar democrático no país, obrigou a que se redefinissem de acordo com o esquema da emergência dos organismos não-governamentais (Ong).

As comunidades de base católicas (Cebs), num giro inesperado, optaram por apoiar as forças direitistas no período imediato anterior às eleições do ano 2000, a partir da premissa de que o chamado “voto útil” contribuiria para a mudança democrática. Esta virada, explicada em seu momento como um movimento estratégico, não deixou de estranhar os analistas.  À luz dos reajustes ideológicos de uma década atrás, quando se promoveu o “voto cristão” no interior dos partidos de esquerda, causando um profundo mal-estar em ambos os espaços, a Igreja Católica resistiu em aceitar que houvesse, em seu interior, militantes de tais partidos e estes também não entendiam como se podia conciliar a fé cristã com posturas socialistas e até mesmo marxistas. Este “diálogo de surdos” postergou, durante algum tempo, o diálogo entre forças que, eventualmente, coincidiriam em suas demandas de mudança social, mesmo quando as circunstâncias em que esta se deu não fossem as esperadas.

A polarização interna dos protestantismos, expressa de maneira virulenta na recusa de qualquer forma de organização que lembrasse as igrejas unidas ou as confederações (conselhos) no estilo europeu foi sempre um dos principais obstáculos para a consolidação do movimento ecumênico.  Mas isto não quer dizer que os esforços forâneos para apoiar a causa do ecumenismo não tivessem dado frutos.  Escassos organismos, como o Centro de Estudos Ecumênicos, financiados por agências e igrejas do exterior, contribuíram para que a chama ecumênica continue a arder e, com freqüência, se expresse em fóruns não tão amplos, mas quem sabe, mais efetivos, submetidos como poucas vezes antes, à pressão social.

A perspectiva atual, ou pelo menos a majoritária, é bastante humilde, pois se reconhece plenamente que os núcleos inclinados ao ecumenismo nas diversas igrejas não são e nem serão majoritários, o que os obriga a juntarem-se aos movimentos populares reivindicatórios assumindo-se como um “fermento espiritual” e ético capaz de reformular a importância do fator religioso em nossas sociedades, sempre presente e ativo. O Clai, de frente a sua mais recente Assembléia (Buenos Aires, 2007), propôs que as igrejas sejam vistas como “reservas éticas” ante o enorme déficit neste sentido que se percebe em nossos países.

Por outro lado, não se pode negar que o ecumenismo foi entendido, em uma época, como mais uma moda eclesiástica, mas sua compreensão tem evoluído para uma práxis específica que desborda os limites religiosos e eclesiásticos. Por isso, ao se observar o caso da América Central nota-se que sua diferença se baseia no fato de que o triunfo da revolução na Nicarágua fez com que não apenas esta região, mas todo o continente fosse visto com outros olhos e, com isso, renovou-se a esperança relativa ao ambiente ecumênico nacional. Exemplo disso foi a publicação de “Nicarágua e os teólogos”, livro coordenado por José Maria Vigil (Siglo XXI Editores, 1987) no qual de todas as latitudes se expressava a possibilidade de que ali se experimentara uma nova projeção da vida eclesial na sociedade. Com a derrota eleitoral do Sandinismo, outros espaços e horizontes foram procurados para se concentrar os ânimos e, então se percebeu, cada vez com maior clareza, que também podiam dar-se modas ou correntes demasiadamente localizadas e que a força utópica do movimento ecumênico não pode depender de conjunturas ou projetos fechados.  Aprendeu-se, também, que o paradigma do Reino de Deus deve desligar-se de regimes e ideologias de turno.  O que aconteceu em Cuba nos anos sessenta deixou uma profunda marca em todas as igrejas e, embora não se tenha constituído num modelo de ação, veiculou um estilo de ação que, hoje, permeia boa parte dos organismos. É suficiente mencionar a importante contribuição de quadros de origem cubana entre eles.

Finalmente, frente à recomposição política do continente e a virada à esquerda de muitos países, as igrejas e comunidades enfrentam o enorme desafio de assumir posturas críticas, tal como aconteceu no Brasil, pois os governantes de acesso recente ao poder não podem garantir, apesar de suas boas intenções, que a situação mudará drasticamente. À re-acomodação sociopolítica do continente lhe corresponde uma re-acomodação eclesial, espiritual e teológica que permita aos militantes cristãos não apenas moverem-se para posições mais próximas do ecumenismo, como experimentar novas formas de luta tendo a fé como mediação.  Ali a espiritualidade ecumênica (e macro-ecumênica como se diz hoje) tem uma enorme tarefa formativa, de acompanhamento e resistência.  A influência real do que representa o CMI na América Latina tem que ver, mais do que nunca, com a consolidação de uma forma efetivamente nova de ser igreja para o momento presente. Celebrar seus 60 anos de existência significa juntar-se ao antigo e sempre novo projeto de Jesus de Nazaré: ser uma só coisa, pelo menos em espírito, “para que o mundo creia”.
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Leopoldo Cervantes-Ortiz, médico, teólogo e pastor da Igreja Presbiteriana do México.
Traduzido do espanhol por Zwinglio M. Dias