Caras leitoras e caros leitores, o atual número de BDV traz três artigos reflexivos, um relato analítico da participação brasileira no Fórum Mundial de Produtores de Cultivos Ilícitos e dois documentos. O artigo de Rafael Gil Medeiro e Denis Petuco analisam o uso dos dipositivos droga e redução de danos nas reformas de políticas de saúde e políticas de drogas. A reflexão desenvolvida pelos autores critica a atitude manicomial e propõe a alternativa do acompanhamento terapêutico como política apropriada ao paradigma da redução de danos. O artigo de Laura Santos e Sérgio Vidal nos oferece uma análise histórica da presença do cultivo de cannabis sativa no Brasil. (Recordamos o artigo de Ana Emília Gualberto, publicado no BDV nº7, tratou do mesmo assunto indicando as relações entre afrodescendentes e o cultivo de cannabis). O atual artigo é parte de uma pesquisa sobre usos da cannabis sativa no Brasil. Utiliza documentação dos séculos XVIII e XIX sobre o cultivo do cânhamo. Conclui pela necessidade de ampliação de investigações nessa área historiográfica.
O terceiro artigo é um relato analítico da participação brasileira no Foro Mundial de Produtores de Cultivos Ilícitos, ocorrido em Barcelona, de 21 a 25 de janeiro de 2009, que tem por autora Maria Priscila Lisa das Chagas; identifica algumas das contribuições oferecidas desde quem sofre violência letal produzida pela política de drogas. O último artigo reflexivo desta edição é de autoria de Jorge Atílio Silva Iulianelli. Faz uma análise crítica do documento da Comissão Drogas e Democracia, da qual são co-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo e César Gaviria. A pretensão do documento é ser uma proposta alternativa a atual política internacional de drogas. Porém, a análise indica que há um equívoco relativo a essa pretensão.
Para o exercício de reflexão dos leitores adicionamos os documentos preparatórios do Fórum Mundial de Produtores de Cultivos Ilícitos e da Comissão Latinoamericana Drogas e Democracia. Este número de BDV está nas cercanias da discussão da ONU que reverá as convenções internacionais sobre narcóticos, em março de 2009. Há um conjunto de debates produzido entre vários segmentos da sociedade brasileira e internacional.
Chamamos atenção para as contribuições que o grupo vinculado a Ong Psicotropicus realizou. Há um manifesto produzido em uma oficina gestionada por esta organização que poderá ser lido no site da Psicotropicus (www.psicotropicus.org). Chamamos a atenção das leitoras e dos leitores para a necessidade de uma reflexão séria, bem ponderada, sobre a importância de revisão do atual paradigma proibicionista. Por meio dele a política de drogas é sobretudo repressiva, ainda quando alia um verniz terapêutico, quase uma proposta de pseudo-redução de danos.
A necessidade de construção de um glossário da ideologia da política de drogas é cada vez mais manifesta. O Boletim Drogas e Violência no Campo identifica tanto a diversidade dos usos das substâncias qualificadas como ilícitas, quanto a associação entre a construção da violência letal e a política proibicionista como um fenômeno societal que precisa ser analisado e desconstruído. As duas questões não podem ser deslindadas, sob a pena de tratarmos de modo leviano os problemas da sociedade brasileira e mundial.
Ao aproximar-se a Assembléia Geral das Nações Unidas que revisará as convenções internacionais, dado o conjunto dos debates públicos que tem se seguido, parece que as mudanças serão muito pequenas. O interesse da administração Barack Obama em Redução de Danos ainda não é manifesto. Até onde se sabe, a representação do governo estadunidense para a UNGASS 2009 não foi alterada, o que enseja manutenção da linha política. Há também o fato dos governos da América do Sul, com honrosa exceção da Bolívia, manterem uma política repressiva acima de tudo. Ainda que, como no caso brasileiro, isso seja um híbrido entre repressão bélica nas fronteiras, erradicação manual e violência policial nos interiores, na etapa agrícola da cadeia produtiva dos produtos declarados ilícitos, combate policial armado ao comércio varejista urbano, e distensão da atitude policial com os usuários. Porém, se é possível falar em tal distensão, é necessário notar que, conforme expressam os redutores de danos, há uma mescla de apoio e falta de atenção à redução de danos como política pública. Ou seja, o cenário é bem pouco animador. Esperamos com este número contribuir um pouco mais para o avanço de nossas reflexões.
É isso aí.
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