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MEIO AMBIENTE E RELIGIOSIDADE PROTESTANTE
Ano 2 - Nº 6
Janeiro de 2008
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Página de KOINONIA
 
Aos Amigos e Parceiros de KOINONIA

Antes corra o juízo como as águas; e a justiça como ribeiro perene (Am 5,24).</I>

 

A trajetória das populações negras brasileiras com vistas à superação das históricas desigualdades de que são vítimas não tem sido fácil. Mesmo com as conquistas alcançadas, muitas resistências à afirmação de seus direitos ainda se apresentam. No ano de 2007 temos assistido a uma intensificação de manifestações contrárias aos direitos das comunidades tradicionais de nosso país. Mais recentemente, desde abril deste ano, há reações direcionadas contra o direito à terra de comunidades remanescentes de quilombos. (Veja mais em Dossiê Anti-Quilombola, do Observatório Quilombola).

Nas últimas semanas, entretanto, KOINONIA, instituição solidária e de defesa dos direitos dessas populações, também foi incluída entres os alvos dos ataques públicos na seção de Opinião do jornal “O Globo”. Na verdade, o autor não se restringiu a desqualificar o trabalho de KOINONIA – sugerindo que antes de nossa atuação o conflito entre os quilombolas da Ilha da Marambaia (Rio de Janeiro) e a Marinha do Brasil não existia –, como também levanta a questão de que nós e nossos principais parceiros também teríamos interesse em interferir na distribuição de terras do País e na Constituição.

Diante da citação primeiramente indireta e, a seguir, direta de KOINONIA e de seus parceiros internacionais, respectivamente nos dois listados abaixo, sentimos a necessidade de estreitar laços e aumentar a coesão de nossos princípios de trabalho, preparando-nos para o que ainda pode vir pelo caminho. Para tanto, entendemos ser necessário reforçar os argumentos a favor das comunidades quilombolas, principalmente no que se refere aos dois principais focos que vêm sendo questionados, seja por desinformação bem-intencionada ou por manipulação proposital da opinião pública.

Sobre o direito à auto-identificação das comunidades quilombolas: Cumpre esclarecer que o critério de auto-identificação das comunidades quilombolas está amparado em decisão do Congresso Nacional, que em 20 de junho de 2002, por meio do Decreto Legislativo n o 143,  ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, posteriormente promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004, o que lhe confere um status de lei. Portanto, o direito de auto-identificação não se baseia só no Decreto Presidencial 4.887, de 2003, constantemente questionado. Além disso, a recém instituída Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), por meio do Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, tem entre seus objetivos específicos: “reconhecer, com celeridade, a auto-identificação dos povos e comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos.” (art 3 o VI). Esse último Decreto, assim como outras políticas públicas, baseia-se em insumos consistentes de diversos órgãos acadêmicos, tais como a Associação Brasileira de Antropologia, compreendendo por Povos e Comunidades Tradicionais “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (art.3 o). Definição em que se situam as populações remanescentes de quilombos.

Sobre a suposta garantia automática à terra das populações que se auto-identificaram: Nada mais longe da verdade dizer que basta uma comunidade se auto-reconhecer como quilombola para ter a sua permanência na terra garantida, como sugerem os argumentos contrários. Fosse assim, não teriam sido expedidos apenas 31 títulos entre 2003-2007, período de vigência do Decreto do Presidente Lula (4.887). O procedimento para regularização fundiária é bastante extenso, incluindo o levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas e que são reunidas em um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). O procedimento prevê ainda uma etapa em que o relatório é tornado público, permitindo que qualquer interessado conteste os dados nele contidos referentes àquela comunidade ou território.

Concomitantemente à sua publicação, o RTID é remetido a órgãos e entidades, tais como o Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (Iphan); o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); a Fundação Cultural Palmares, entre outros, para a verificação e o contradito.

Somente depois da apreciação e julgamento de todas as contestações é que o título é expedido em favor da comunidade como um todo e não individualmente, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade. Aspectos esses que, por si só, protegem as comunidades de ações individuais de especulação imobiliária e outras degradações aleatórias.

Frente a esses argumentos e à nossa declarada e histórica posição de solidariedade como Entidade Ecumênica de Serviço cuja missão institucional é “mobilizar a solidariedade ecumênica e prestar serviços a grupos histórica e culturalmente vulneráveis e àqueles em processo de emancipação social e política”, expressamos nosso repúdio aos impedimentos articulados contra a garantia da implementação dos direitos das comunidades remanescentes de quilombos. Conclamamos vocês, nossos amigos e parceiros, a não esmorecer da vontade de sermos um mundo novo de eqüidades, uma koinonia na verdadeira oikoumene, onde reina a justiça para as filhas e os filhos de Deus, pai e mãe.