A expansão caótica e desgovernada dos centros urbanos, a partir, particularmente, da metade do século passado para cá, gerou um complexo feixe de problemas de ordem econômica, social, política e cultural que os tem transformado em subunidades populacionais quase que ingovernáveis. A violência e a insegurança, tanto física dos cidadãos comuns como socioeconômica da grande maioria, tornaram-se a marca característica dessas monumentais ilhas populacionais em que nosso país hoje, e não apenas ele, se distribui.
Frente a esta nova configuração de nossas sociedades, com o processo permanente e ininterrupto de construção de novos mitos e fabulações acerca do fluir e fruir da vida, - quando tudo é transformado em mercadorias em função do imperialismo do dinheiro, signo maior do poder - quais compromissos e tarefas devem caracterizar a comunidade daqueles e daquelas sensibilizados pelo modus vivendi inaugurado por Jesus de Nazaré? Será que as novas manifestações eclesiásticas, midiáticas e multitudinárias, que hoje marcam o cotidiano de milhões de pessoas, são uma expressão fidedigna de resposta às exigências propostas pelo Evangelho?
Entendemos que é, em meio a esta trama complexa de comunidades de consumidores de bens materiais e espirituais, de identidades diversificadas, mas todas definidas pelo monoteísmo do mercado - para usarmos a expressão cunhada por Roger Garaudy, esse novo Moloch ou, talvez, o novo nome do Anticristo - que a comunidade cristã tem que redesenhar os traços de seu rosto.
Aqui algumas questões pedem respostas urgentes: se a globalização, tal como é imposta ao mundo, não é uma mera homogeneização, como a mídia nos quer fazer crer, mas um processo de fracionamento e recomposição continuada das comunidades humanas, como deve a comunidade dos seguidores de Jesus entender seu lugar e função nesse permanente processo de mutação sociocultural?
Jesus criou uma comunidade de iguais, onde todos são responsáveis por cada um e cada um deve entender-se como responsável por todos. Uma comunidade de pessoas misericordiosas e compassivas. Entendemos que o Espírito de Deus, o Mistério inefável que envolve nossa existência, preservando e sustentando a Vida, está nos convidando hoje a recuperar o aspecto simbólico-sacramental da vida das comunidades humanas como prática coletiva, comunitária, para oferecer a todos e todas um testemunho profundo e convincente de um novo estilo de vida, de uma comunidade que vive na esperança de um novo tempo. Isto é, de que uma nova ordem pode nascer entre os humanos porque Jesus de Nazaré morreu, como muitos outros e outras depois dele, cravando no horizonte da humanidade o sinal da cruz e que ressuscita cada vez que os humanos reconhecem os limites de sua precariedade histórica e se reconhecem iguais diante do Mistério prodigioso que preside a vida.
A comunidade cristã, assim como quaisquer outras comunidades reunidas pela busca comum de um sentido maior para vida, na medida em que se con-formam como um espaço de prática intensa de solidariedade e comunhão, reunindo os humanos num único projeto fundamental de vida compartilhada, tem nesta proposta a sua contribuição essencial para a construção de uma cidadania responsável. Esse exercício certamente contribuirá para a emergência de uma cultura de paz em nossas trepidantes, mas ao mesmo tempo, desoladas cidades. As propostas religiosas que não obedecem a esta perspectiva, mas que apenas mimetizam as soluções individualistas e individualizantes oferecidas pela ideologia do mercado, prestam um imenso desserviço à causa maior da vida, na medida em que não levam as pessoas a descobrirem que não podem viver sem a comunhão profunda com seus semelhantes.