Nesta edição Tempo & Presença se ocupa de uma antiga temática que, infelizmente, sempre esteve presente nos mais diversificados campos religiosos. Trata-se da questão da intolerância, raiz de todos os conflitos que, desde a mais remota antigüidade, têm dividido a comunidade humana. Embora motivos outros como etnia, interesses econômicos, sócio-políticos e culturais possam estar nas origens das mais diferentes formas de dissensão, não há dúvida de que a religião, seja qual for, sempre desempenhou um papel preponderante na provocação, exacerbação e/ou condução de processos de fracionamento das mais diferentes ordens sociais em todos os tempos.
Embora seja um fenômeno universal que sempre tem acompanhado o ser humano, a atitude de intolerância tem a ver com duas pulsões básicas que regem a vida dos humanos: por um lado, a necessidade de afirmação e defesa de uma identidade individual que, por sua vez, se estende aos seus diferentes grupos de pertença e aos valores neles vivenciados e, por outro, o desejo do encontro, do estar com o outros, numa relação de igualdade e de troca. Acontece que nem sempre esse encontro, desejado e buscado, é fonte de enriquecimento e de sentido pleno, seja para o indivíduo ou para o seu grupo. Neste caso o outro, o diferente, o que não é igual, em todos os sentidos, a mim, é experimentado como ameaça, como um perigo a minha auto-afirmação ou a do meu grupo de pertença. Quando isto acontece, a insegurança quanto à auto-afirmação da identidade fala mais alto e o diferente passa a ser visto como inimigo que deve ser destruído.
Nesta edição, de modo particular, é tratado o tema da intolerância religiosa nas novas formatações com que ele tem-se apresentado em nosso país nos últimos anos. Estarrecidos, temos observado o crescente processo de menoscabo e perseguição das agremiações religiosas de matriz africana por parte, principalmente, das igrejas que compõem o espectro do chamado neo-pentecostalismo. Herdeiras do fundamentalismo que, a partir da década de quarenta, do século passado, tomou de assalto grande parte das igrejas do Protestantismo de Missão, esses novos movimentos religiosos, em sua campanha por novos adeptos, especialmente entre os setores mais desfavorecidos da sociedade, embora também em segmentos crescentes da classe média, adotaram a estratégia de depreciar e demonizar as práticas religiosas oriundas da cultura africana vigentes no país. Trata-se de uma atitude agressiva e anti-democrática que se processa em flagrante desrespeito à lei que garante a liberdade religiosa no país e que contradiz, para dizer o mínimo, a ordenação evangélica que esses grupos dizem representar. Os articulistas aqui reunidos trazem a lume um conjunto de análises que nos ajudam a compreender a importância de olharmos com seriedade para o perigo que significa a continuidade desse tipo de comportamento no interior da sociedade brasileira que tanto deve à inestimável contribuição da cultura africana para a formação do que hoje podemos chamar de brasilidade.
Importa lembrar que a Organização das Nações Unidas proclamou o ano de 1995 como o “Ano das Nações Unidas para a Tolerância”. Por ocasião de sua proclamação o então presidente da UNESCO afirmou: “A humanidade deve poder se consagrar à paz, salvaguardá-la, restabelecê-la e reedificá-la, mediante a criação de espaços de diálogo, de concertação e de reconciliação. A violência nunca mais!... Isto exige princípios democráticos – sempre de novo a serem consolidados – o que significa participação no debate, expressão dos ideais de cada um, com vigor e perseverança.”
É isso aí.