“Miseráveis são os que se confessam derrotados. Mas os pobres não se entregam. Eles descobrem cada dia formas inéditas de trabalho e luta. Assim, eles enfrentam e buscam remédio para suas dificuldades. Nessa condição de alerta permanente, não têm repouso intelectual. A memória seria sua inimiga. A herança do passado é temperada pelo sentimento de urgência, essa consciência do novo que é, também, um motor do conhecimento.” (Milton Santos)
A afirmação de que vivemos tempos profundamente contraditórios já se tornou um lugar comum. Para o senso comum de nossos contemporâneos a “naturalização” desta expressão é de tal ordem que não mais causa espanto ou estranhamento. Assim, o binômio “centro-periferia”, especialmente em relação à descrição da realidade de nossos aglomerados urbanos, se constitui numa forma exemplar de aceitação de uma maneira de se descrever a realidade social em que nos encontramos envolvidos. Na maioria dos casos, sem contestação, como se a contradição presente nesta expressão devesse ser aceita sem maiores interrogações. Em nossa condição de país dito emergente, a assimilação desta perspectiva de leitura da realidade, além de encobrir muitas outras contradições, torna possível a internalização das concepções básicas que asseguram a continuidade do modelo de desenvolvimento capitalista que nos é imposto.
Durante décadas o Brasil foi classificado como um país periférico, dependente, economicamente, dos assim denominados países centrais. Só recentemente essa nomenclatura foi abandonada, sendo substituída por um eufemismo que se quer menos negativo mas que, na verdade, só confirma a nossa condição de periféricos. Agora somos emergentes, ao lado da Rússia, da Índia e da China, constituindo o grupo dos BRICs. Mas cabe então a pergunta: emergentes de onde? Da periferia, ora...
Como o modelo de desenvolvimento global se reproduz internamente nos deparamos com o fato de que, além de nos constituirmos numa significativa expressão da periferia dos países centrais, nossa realidade sócio-econômica nos permite afirmar que somos uma imensa periferia que vive e, por vezes, apenas sobrevive em função dos interesses de uma minúscula e perversa minoria que detém, para si, a maior parte da riqueza produzida por todos. Assim podemos afirmar que a vida nacional, em todas as suas mais variadas e ricas expressões, transcorre mesmo é nesta grande periferia chamada Brasil. Uma periferia de natureza urbana, uma vez que mais de 80% da população do país vive apinhada em pouco mais de meia dúzia de centros metropolitanos.
De maneira inteligente e precisa, os articulistas desta edição de Tempo & Presença nos oferecem uma reflexão, ao mesmo tempo desmistificadora de uma suposta negatividade da chamada periferia, por parte do discurso hegemônico da mídia, e reveladora das formas humanizantes, criativas, éticas e estéticas presentes na vivência cotidiana de milhões de brasileiros.
É isso aí.