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INCLUSÃO DIGITAL
Ano 3 - Nº 10
Junho de 2008
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigos
 
O mundo possível da tecnologia do bem


Por: Rodrigo Baggio

O que o moderníssimo universo da tecnologia da informação traz em comum com dois clássicos do cinema, Cidadão Kane e Veludo Azul? No primeiro, um repórter tenta desvendar o quebra-cabeças que cercava a vida do megaempresário americano, reunindo materiais e reminiscências daqueles que o conheceram. No final, as revelações surpreendem. Já em Blue Velvet, a personagem central se move entre dois cenários bem incongruentes — o de uma pacata cidadezinha americana dos anos 50 e o das drogas e perversão  —, e mal consegue identificar ao qual pertence.

Hoje, sem qualquer truque de cinema, a realidade virtual construída pela Internet também abre portas (só que instantaneamente) a descobertas infinitas e inusitadas e à convivência de mundos distantes e antagônicos num mesmo espaço. Estamos na era da simultaneidade, da justaposição; do próximo e do longínquo; do lado a lado e do disperso — o que o filósofo francês Michel Foucault chama de heterotopia: a coexistência, num espaço impossível, de um grande número de mundos possíveis.

Uma imagem capaz de traduzir bem esse conceito é a do espelho, um lugar sem lugar algum, mas que reflete tudo à sua volta: ali, onde não estou, vejo a mim e ao que está em redor. Sou um reflexo que me dá a visibilidade de mim mesmo e permite que eu me aperceba do espaço real através de um ponto virtual. Um navio, por exemplo, representa a heterotopia por excelência. Trata-se de um pedaço flutuante de espaço, fechado sobre si mesmo, mas dado à infinitude do mar. De porto em porto, de sol a sol, um navio vai tão longe que constitui o símbolo maior do grande escape da imaginação. Sem barcos, esgotam-se os sonhos e a aventura.

Nos tempos que correm, com a crescente sofisticação das tecnologias da informação e comunicação, temos heterotopias suficientes para dissipar o real com a força da ilusão. Mas, se de fato pretendemos legar às futuras gerações um ambiente melhor e mais ético para se viver, precisamos colocar já todo o aparato tecnológico a serviço de um único destino: o da transformação da realidade concreta, unindo aqui e agora as duas faces do espelho.
Creio que não há caminho mais ideal para tecermos essa síntese do que a escola. Especialmente em países menos fevorecidos, a escola pode tornar-se um pólo de acesso à tecnologia, compartilhando seu uso e fomentando projetos comunitários que visem ao desenvolvimento local. Porém, antes de mais nada, será preciso discutir em sala de aula o papel social da tecnologia, para que haja entendimento do quanto um instrumento — como o computador — pode mudar histórias e a própria História se utilizado de toda a sua potencialidade e para o bem comum.

Desde moradores de uma pequena vila da Índia que acordam de madrugada para acessar a Internet numa estação de meteorologia, em busca do melhor local de pesca naquele dia, a estudantes chineses que tentam driblar o cerceamento político em seu país denunciando arbitrariedades na Grande Rede, as novas tecnologias da informação são fonte de possibilidades, oportunidades e prática da cidadania, tanto individuais quanto coletivas. Nas próximas décadas, mais do que cadernos de silício, lousas interativas, celulares, chats e cursos à distância, vejo escolas com redes sociais robustas em que alunos e professores interagem com outras instituições escolares, comunidades e sociedades. Essas redes poderão assumir os mais diversos formatos e amplitudes, e enfrentarão o desafio de acolher as diferenças, provocar o debate e construir conteúdos que se transmutem em conhecimento. Tudo feito de forma compartilhada, a muitas mãos. Sem fronteiras.

Recentemente, um consultor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) comentou em entrevista sobre a necessidade de investimento das escolas e universidades do mundo todo em projetos educacionais que utilizem recursos da chamada web 2.0. A familiaridade com a web de nova geração — que aponta para uma mídia passível de ser sempre recriada pelos usuários e tira o máximo aproveitamento da inteligência coletiva — ajudará as redes sociais a promoverem uma interação mais dinâmica, efetiva e mensurável. Com ela, os internautas não são mais nômades caçadores e coletores. Possuem nome, plantam conteúdo, colhem conhecimento e geram outros mundos. Todos tão virtuais quanto reais.

No dia em que a escola integrar poderosas ferramentas ao seu cotidiano com o propósito de instigar a conscientização e a mobilização, irradiando para a comunidade e arredores essa influência, nascerá, enfim, uma compreensão mais plena do uso da tecnologia com sentido social e de nossa capacidade de protagonistas. Aí, sim, conseguiremos enxergar os universos virtual e real como se fossem um só.

Rodrigo Baggio, empreendedor social e diretor executivo do CDI - Comitê para Democratização da Informática