Introdução
O Brasil atingiu nos últimos dias uma marca histórica. Segundo o Ibope NetRatings, o país, nas últimas semanas, alcançou o número recorde de 41 milhões de usuários da Internet, com o tempo médio de uso individual de 23 horas e 48 minutos por mês. Isso significa superar o Japão, a França e os Estados Unidos, países que, respectivamente, ocupam a segunda, terceira e quarta posições deste ranking.
Uma das explicações que o diretor do Ibope NetRatings, Alexandre Magalhões, encontra para este crescimento virtuoso de usuários da internet brasileira é “a redução de impostos, a ampliação do financiamento e a queda do dólar têm permitido o acesso de consumidores de renda mais baixa ao computador. No ano passado, foram vendidos 10,5 milhões de computadores no País. Pela primeira vez, as pessoas compraram mais computadores do que televisores. As pessoas compram computadores porque acreditam que isso vai melhorar a vida dos filhos”, complementa Alexandre Magalhões, e, “refletem as políticas públicas de abertura de pontos de acesso à internet em escolas, bibliotecas, telecentros e muitos outros locais, além da avalanche de facilidades para adquirir computadores novos, como financiamentos em muitas prestações e equipamentos mais baratos por causa da concorrência entre os fabricantes de computador”, diz ele.
Ainda, segundo a pesquisa, “as categorias com melhor desempenho por número de usuários residenciais em maio, comparando com abril, foram: “Ocasiões Especiais”, impulsionada pelos sites de envio de cartão de felicitações, por causa do dia das mães, com crescimento de 6,4%, atingindo 3,6 milhões de internautas, “Entretenimento”, que cresceu 4,7% e recebeu 19 milhões de visitantes únicos, “e-Commerce”, também com 4,7% de aumento no número de usuários, com visitas de 13,1 milhões de pessoas, “Telecom e Serviços de Internet”, que cresceu 3,8% em número de usuários, atingindo 21,3 milhões de brasileiros, além de “Finanças, Seguros e Investimentos”, cujo crescimento no período atingiu 3,7%, recebendo a visita de 9,2 milhões de brasileiros. Já no período de um ano, enquanto a internet residencial ativa cresceu 29%, algumas categorias cresceram mais: “Informações Corporativas” (39,6%), “Casa e Moda” (39,5%), “Automotivo” (35,7%), “e-Commerce” (34,8%) e “Entretenimento” (34,6%)”. (Fonte: www.ibope.com.br).
O estudo do Ibope é alentador. Demonstra, não só um crescimento numérico extremamente razoável como, também, aponta uma qualidade dessa conexão à web que vai além dos Orkuts e MSNs da vida – ainda estes sejam os grandes campeões de bilheteria, principalmente entre adolescentes e jovens.
Inclusão digital ou simples acesso?
Para alguns especialistas, e mesmo para aqueles que fazem uso político das discussões sobre internet, software livre entre outros temas, falar em inclusão digital pode ser, pura e simplesmente dar ao usuário um computador com acesso à internet, algumas orientações básicas e pronto, estará consumado o milagre da inclusão. Fosse dessa forma, por analogia, poderíamos supor que bastaria dar ao analfabeto alguns lápis, cadernos e livros, umas dicas rápidas para que ele se alfabetizasse. Ah, como seria bom se tudo fosse tão simples assim!
Numa definição rápida do que seria um indicador de inclusão digital, eu diria que quando o indivíduo deixa de assimilar informações e passa, ele mesmo a produzir informações para outrem, aí sim, estará completada a inclusão digital. Afinal, não basta apenas alfabetizar, mas é preciso também que a pessoa produza, interaja, conte sua história, partilhe seu conhecimento com outros. Assim, também é, e deve ser com o mundo digital.
Entretanto, o que temos visto com muita freqüência é o inverso. É a percepção de que basta ao sujeito ligar o micro, mandar um email, receber outro que ele já pode ser considerado incluído digitalmente. Esta falha conceitual pode nos levar a problemas graves e, mais uma vez comparando com a questão da alfabetização formal, poderemos ter analfabetos digitais funcionais aos montes país afora. A estes sim, os Orkut, MSNs e a pornografia ou jogos, servirão como grande atrativo. Não produzirão, não criarão interfaces com outros usuários e nunca explorarão com a devida profundidade toda a riqueza de informações, conhecimentos e saberes que a internet pode lhes proporcionar.
Avanços significativos e onde mais podemos chegar?
Sem dúvida que os últimos sete anos têm sido extremamente positivos para aqueles que lidam com os temas relacionados à questão da inclusão digital. Os bons indicadores da economia, a necessidade de o país avançar tecnologicamente e a percepção do governo de que este é um caminho possível para o desenvolvimento, fizeram despencar os preços dos equipamentos de informática. Ao mesmo tempo, ocorreram fortes investimentos em escolas públicas, pontos de conexão, surgiram lan-houses aos quatro cantos...
A soma dos fatores acima tem possibilitado ao Brasil atingir números cada vez mais expressivos no que tange ao uso da Internet. Mesmo assim, cremos que o país ainda não atingiu um décimo da sua potencialidade, não com relação ao acesso, mas com relação ao uso desta rede. Se por um lado, como nos aponta a pesquisa do Ibope NetRatings, há hoje uma diversidade de temas que atraem os internautas brasileiros, por outro não vemos, no crescimento exponencial da internet, essa presença maciça de brasileiras. Exceção seja feita, com todas as honras, ao Orkut que, de fato, tornou-se ferramenta brasileira, visto que nossos internautas tomaram aquele espaço de assalto e se tornaram em pouquíssimo tempo a maioria dos seus usuários em todo o mundo.
Mas o que é importante apontar é a necessidade real, extrema, de que haja um investimento maior do setor público, da iniciativa privada, da academia, da sociedade civil na produção de conteúdos brasileiros que possam fazer a diferença na grande rede.
Podemos citar como exemplos o e-commerce, os blogs, sites de entretenimento entre outros, que marcam posição, que criam e geram interatividade, que podem difundir o idioma, a cultura, a forma de ver o mundo dos brasileiros via internet. Ou seja, não basta apenas acessar, é importante gerar uma mão de ida que implique no que foi apontado acima, que é não só receber mas, também, difundir informações.
A necessidade de se avançar nesse caminho e no caminho da produção de novas ferramentas, de novos usos da internet, só será suprida se resolvermos outro grande gargalo que é o da formação. De fato, o país avança na inclusão digital, no entanto não se vê esse mesmo avanço na qualidade do ensino. E é este fator que vai explicar o porquê de a Índia hoje ser um grande pólo produtor de tecnologia e o Brasil ser outro grande pólo - USUÁRIO - de tecnologia.
A satisfação que todos nós temos em saber que hoje somos 40 milhões de usuários da Internet não pode mascarar o fato de que temos ainda grandes problemas a ser resolvidos. Um exemplo disso é a própria discussão sobre Software Livre que, ao se tornar governamental, se fragilizou, saiu da mão da sociedade civil e acabou pasteurizada na perspectiva político-governamental que mais vem atravancando que contribuindo para o avanço da discussão no país.
Há, portanto, a urgente necessidade de se pensar não somente na inclusão digital – que deve continuar sendo foco de investimento e reflexão nossa – mas do como podemos avançar mais, onde podemos chegar, que novas perspectivas podemos colocar no macro cenário, uma vez que os avanços tecnológicos têm se dado de forma muito rápida e, pelo visto, por paradoxal que seja, estamos ficando para trás. Ou seja, nosso problema hoje não é mais o de comprar e pilotar uma Ferrari, mas é saber o que fazer com ela na estrada quando ela apresentar algum pequeno defeito.
Otimistamente concluindo
É importante pensar que em menos de duas décadas saímos da reserva de mercado que nos produzia verdadeiras “carroças”, como dizia Collor de Mello, para chegarmos ao computador pessoal (desktop) com custo inferior a mil reais, podendo ser pagos em suaves prestações a perder de vista. Saímos das máquinas pouco funcionais para receber quase que diariamente em nosso país todos os badulaques tecnológicos que os grandes países produzem aos borbotões.
Da Eco-92 para cá, quando os heróis do Alternex fizeram a primeira conexão pública da Internet em nosso País, saímos do acesso discado de 64Kb, para incríveis 8Mb via rádio, tv, celular, cabo ou ondas. Enfim, o País avançou muito em menos de 20 anos. Como também avançaram o agro-negócio, a medicina, a matriz energética, os esportes, a economia etc. Ou seja, avançou-se porque tudo avançou junto, não é um fator isolado. O fato de não ser isolado é ótimo, mas ao mesmo tempo coloca a necessidade de se pensar que poderia não ter sido tão positivo assim se não fossem os outros fatores, correto? Portanto, a visão é otimista, tem que ser, mas precisa ser ainda mais pé no chão.
O Brasil está numa encruzilhada. Está num daqueles momentos em que tem que se fazer grandes escolhas, tomar grandes decisões. As últimas décadas têm sido gentis com nosso país, mas não sabemos por quanto tempo isso vai durar e até que ponto o País terá capacidade de aproveitar desse momento.
Há vários gargalos a serem resolvidos: o da infra-estrutura que impede um crescimento mais acelerado, o da mão-de-obra que atravanca o crescimento no campo da matriz energética e o da qualificação que trava os avanços no campo da tecnologia.
Portanto, é hora de arregaçar as mangas. É hora de formar gente. De não mais falar em inclusão digital, mas de ensinar códigos de programação; não mais se falar em Linux, mas, sim, em como desenvolver programas que sejam de código aberto; não mais falar em sites e portais, mas, em CMS, CSS, e-commerce, dhtml e por aí vai.
Enfim, é hora de se qualificar mais e mais gente. As ações que hoje estão voltadas apenas para a inclusão digital têm que ampliar seu foco. Têm que permitir que os jovens,os adolescentes deixem de ser apenas usuários. Ao mudar este conceito estaremos colaborando para mudar a forma de ser ver inclusão digital no país e, ao mesmo tempo estaremos contribuindo para um grande salto. Um avanço significativo na percepção, na compreensão deste mundo tecnológico que se avizinha cada vez mais avançado, mais restritivo e, ao mesmo tempo mais sedutor e fascinante.
Marcio Alexandre M. Gualberto, editor do blog Palavra Sinistra , Coordenador do Coletivo de Entidades Negras - CEN