Tempo e Presença Digital - Página Principal
 
INCLUSÃO DIGITAL
Ano 3 - Nº 10
Junho de 2008
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
Inclusão digital sustentável: mais do que computadores, conhecimento que liberta e transforma


Por: Sheila Dunaevits

Campanhas efetivas contra violação de direitos, movimentos de solidariedade, esforços e mais esforços por justiça, ética e igualdade que se espalham instantaneamente como um vírus do bem... Na contramão da violência, que se institucionaliza em várias partes do mundo, as tecnologias da informação e comunicação (TICs) vêm mostrando o seu poder de fogo para construir a paz, sendo hoje as ferramentas mais utilizadas para expor diferenças, fomentar o diálogo e envolver a sociedade em conquistas para todos.

Mas a tecnologia, por si só, bem como o discurso mágico sobre inclusão digital, não possuem a capacidade de operar mudanças. É claro que precisamos ampliar radicalmente o acesso aos computadores e à banda larga, mas, para que os resultados aconteçam, temos de preparar o elemento humano para compreender, experimentar e capitalizar as riquezas advindas de um novo cenário, em que a aquisição de conhecimento se baseia no aprendizado e trabalho colaborativos e na interação através de redes sociais. Esses paradigmas abrem caminho para o debate de idéias e a atitude crítica, tão indispensáveis para promovermos um salto de crescimento econômico que leve em conta os impactos sociais e ambientais.  

Assim, aprender a conhecer (se apropriar do melhor saber disponível), aprender a refletir, aprender a produzir e aprender a compartilhar, com o apoio do computador, são pontos-chaves em qualquer programa de inclusão digital que vise não apenas soluções tecnológicas, mas a emancipação dos indivíduos, capacitando-os a agir, a identificar oportunidades, como forma de atuar sobre a realidade. Isso faz toda a diferença quando se trata de beneficiar populações historicamente marginalizadas, submetidas hoje a uma dupla exclusão: digital e social.

A chamada Revolução Digital, se de um lado levou a uma fantástica expansão da economia global e gerou abundantes frutos, de outro passou a responder por uma nova massa de excluídos. O apartheid digital vitimou os países menos favorecidos, entre eles os da América Latina, cujos jovens tornaram-se protagonistas de estatísticas alarmantes envolvendo ações de criminalidade. Como soldados nas linhas de frente das guerras do tráfico, jovens latinos de baixa renda têm buscado uma saída para situações de desemprego e falta de perspectivas que não conseguem vencer. Não possuem no bolso as moedas de troca mais valorizadas atualmente: informação e conhecimento. Não conseguem participar da sociedade como cidadãos ativos e autônomos. Estão entre as cinco bilhões de pessoas do planeta alijadas dos benefícios da modernidade.

As implicações decorrentes da expansão vertiginosa (e desigual) das TICs num mundo globalizado, aliadas às possibilidades de atuação da sociedade civil organizada, serviram de cenário para que uma ONG no Rio de Janeiro, o CDI – Comitê para Democratização da Informática, começasse a desenhar, ainda no início da década de 90, um projeto pioneiro de inclusão digital para a América Latina. O desafio do CDI foi não só antecipar-se ao crescente apartheid, mas tornar a tecnologia útil e relevante o suficiente para, em pouco mais de 13 anos de existência da ONG, impactar a vida de comunidades e de pessoas, seja no campo profissional, pessoal ou em ambos.

Criado oficialmente em 1995, ano em que a Internet chegava ao Brasil, o CDI enxergou o potencial revolucionário da tecnologia e lançou mão do seu apelo e de sua força para formar gerações de agentes transformadores junto a públicos excluídos. Fez a primeira campanha de arrecadação de computadores do País, difundiu a cultura da informática e usou a tecnologia como um eficiente catalisador de mudanças sociais. A experiência do CDI, fundamentada em diferenciais, demonstra que a apropriação da tecnologia combate a pobreza, favorece o empreendedorismo e incentiva jovens e adultos a se tornarem autores de seu próprio destino.

 

Modelo de atuação

O Comitê para Democratização da Informática busca integrar tecnologia, educação, cidadania e empreendedorismo para fortalecer as comunidades de baixa renda na luta pela superação de sua realidade ? que foi historicamente construída e que pode, portanto, ser historicamente transformada pela intervenção do homem. Esse é um dos grandes diferenciais do CDI, que estimula o uso das TICs não só para desenvolver capacidades, mas alavancar conquistas coletivas.

Para implementar sua missão, o CDI realiza parcerias com associações comunitárias e cria, junto com elas, centros de educação não-formais conhecidos como Escolas de Informática e Cidadania (EICs). No processo de seleção dos parceiros, o CDI procura identificar as organizações mais idôneas, bem estabelecidas e respeitadas que já estejam instaladas no local.

As entidades parceiras devem oferecer um espaço no qual a escola funcionará ? com toda a infra-estrutura necessária à instalação de computadores ? e apoiar a gestão da escola. Segundo o modelo CDI, as EICs devem ser auto-sustentáveis e geridas pelos próprios membros da comunidade. Até mesmo os educadores são indicados pela instituição parceira e também são moradores do lugar, o que cria uma identidade com os alunos e facilita a replicação do conhecimento.

Tanto educadores como coordenadores da EIC recebem uma capacitação voltada não somente à área técnica, mas aos conceitos e práticas necessários ao pleno exercício da cidadania. E essa capacitação é contínua, assim como a manutenção dos equipamentos doados para a escola e a atualização dos softwares. O CDI ainda acompanha, monitora e avalia o desempenho das EICs e a aplicação de seu modelo pedagógico, facilitando a colaboração e o intercâmbio de experiências entre as escolas de sua rede.

Metodologia

O currículo exclusivo do CDI une tecnologia com cidadania e foi construído com base na obra do educador brasileiro Paulo Freire, mundialmente reconhecido por suas teorias no campo da educação informal. Freire acreditava que a educação deveria ser usada para a transformação social e recomendava o diálogo entre educador e educando, considerando a educação uma via de mão dupla - um processo no qual tanto se ensina quanto se aprende. De acordo com Freire, os alunos devem ser estimulados a questionar o mundo à sua volta, desafiar suas condições de vida e acreditar em sua capacidade de liderar mudanças sociais.

As teorias de Freire foram adaptadas pelo CDI para contemplarem os novos desafios da era digital. Ao longo do curso, os alunos aprendem a usar as tecnologias e, ao mesmo tempo, refletem e conversam sobre os meios de usá-las para planejarem e construírem, juntos, uma nova realidade. Precisam reconhecer as conquistas e, ao mesmo tempo, as exigências dos novos tempos, entendendo que a técnica, por si só, não produz milagres, a não ser quando comandada pela ação do homem.

Cada aula tem um objetivo técnico e um objetivo ligado a questões de cidadania. Por isso, a EIC é um ambiente onde alunos e educadores trazem à tona os problemas que mais afetam a coletividade e mesmo suas vidas ? como o abuso sexual, a gravidez na adolescência, o uso de drogas, a criminalidade ou a falta de assistência à saúde. A partir dessa discussão, a turma escolhe um desafio sobre o qual debruçar e desenvolve um plano para enfrentá-lo. As ações incluem campanhas de mobilização, abaixo-assinados, reuniões com lideranças locais, contato com autoridades, produção de informativos e outras iniciativas. A expectativa é que, ao final do curso, os educandos tenham conseguido usar a tecnologia como meio de combate ao desafio que eles próprios elegeram como prioridade.

Expansão
 
O CDI cunhou o termo inclusão digital e desenvolveu um modelo que superou a tradicional dificuldade de se replicar em grande escala projetos bem-sucedidos. A estrutura da Rede CDI (Matriz/Escritórios Regionais e Internacionais/Escolas) possibilita uma capilaridade que impulsiona seu impacto transnacionalmente, o que significa que uma conquista numa EIC do Sul pode beneficiar também outras EICs em regiões tão distantes quanto a Floresta Amazônica. Ao mesmo tempo que mantém uma forte identidade com as abordagens locais, pois cada escola é gerida de forma autônoma e criativa pela própria comunidade, o modelo CDI também permite uma abordagem global, através dos valores e ações comuns, o que dá um espírito de corpo à organização.

Diversidade de públicos

Com foco em populações de baixa renda, seja em cidades ou em zonas rurais, as Escolas de Informática e Cidadania do CDI atendem moradores de favelas, portadores de necessidades especiais, pacientes com transtorno mental, presidiários, jovens em conflito com a lei, aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas. Existem EICs também em regiões remotas, algumas delas em áreas ecológicas, que integram o chamado grupo “CDI Ambiental”.

Estímulo às equipes

O CDI acredita que as próprias comunidades de baixa renda estão melhor posicionadas e preparadas do que governos e empresas para apontarem saídas para os desafios com os quais convivem. Como reconhecimento, entrega todos os anos o Prêmio “Cidadania Digital” a educadores e coordenadores de EICs que se destacam como agentes de transformação. Em vez de impor um conjunto padronizado de temas de discussão e de ações, o CDI prefere deixar que os próprios alunos, educadores e comunidades decidam o que é importante para eles e o que não é. O exercício da autonomia, por sua vez, acaba estimulando a produção de conteúdos locais - um bem cada vez mais valioso no momento em que a Web assume um papel estratégico na construção das nossas sociedades.

Não-assistencialismo

Na visão do CDI, abordagens assistencialistas geram dependência e não atingem a raiz do problema. Dar acesso a máquinas é a parte fácil da equação. Se essa fosse a solução, não precisaríamos fazer perguntas cruciais, tais como: Como ajudar pessoas a se ajudarem? Ao invés de uma resposta pronta, fechada, a abordagem pedagógica do CDI busca dar vez e voz aos educandos e educadores de sua rede para que se tornem elos de uma cadeia de mudança, com o estímulo a discussões e ações participativas visando a construção do bem comum.

Credibilidade e reconhecimento

No decorrer de 13 anos, o trabalho do CDI tem sido avaliado e reconhecido por empresas, fundações, institutos, ONGs e mídia de todo o mundo. A transparência reforça a credibilidade da organização, que hoje tem suas contas auditadas pela Deloitte & Touche, uma das maiores empresas internacionais de auditoria, consultoria tributária e gestão. Outras empresas, de diferentes áreas, também colaboram com o CDI, reforçando seu time de apoiadores.

Como reflexo da visibilidade conquistada, a organização tornou-se referência em inclusão digital e uma das mais reconhecidas da América Latina, tendo recebido cerca de 60 títulos e prêmios de instituições nacionais e internacionais de renome. Entre elas, a ONU, Unesco, Unicef, Fórum Econômico Mundial, Fundação Abrinq, Fundação Banco do Brasil Ashoka, Avina, Schwab Foundation, Skoll Foundation, Time, CNN, Tech Museum e, mais recentemente, Clinton Global Initiative, um fórum que reúne os maiores CEOs do mundo e chefes de Estado em busca de investimento social.

 

Números da Rede CDI

  • 24 representações no Brasil e 10 no exterior
  • Escritórios de captação e networking:

- Nova Iorque e Boston (CDI Internacional)
     - Londres (CDI Europa)

  • 753 Escolas de Informática e Cidadania (EICs)

     - 554 no Brasil
     - 199 no exterior: Argentina, Chile, México, Uruguai, Colômbia, Equador, Peru

  • Mais de um milhão de alunos capacitados em 13 anos
  • Em 2007, 70 mil alunos formados e acesso de 130 mil pessoas de comunidades à tecnologia através das EICs (compartilhamento do espaço)
  • 1.464 educadores
  • Parque de 7.031 computadores, com 73% conectados à Internet banda larga
  • Alguns resultados (via pesquisa):

- 87% dos ex-alunos declaram que suas vidas mudaram significativamente após passagem pela EIC
- 90% dos ex-educandos do CDI utilizam a Internet entre uma vez por dia e uma vez por semana e repassam seus conhecimentos para familiares e amigos

Sheila Dunaevits, assistente de comunicação do CDI – http://www.cdi.org.br