“Afastai a violência e a opressão e praticai a retidão e a justiça” (Ez 45, 9a).
Para a juventude camponesa sertaneja;
Este ensaio, curto, faz uma análise curta de alguns dos resultados do Mapa da violência dos municípios brasileiros 2008, considerando os dados de alguns dos municípios do Submédio e Baixo São Francisco. As ações político-pedagógicas que o autor desenvolve naquela região, com a juventude camponesa sertaneja, facultam notar a tensão entre o desenvolvimento de políticas públicas e a persistência das taxas de morte por homicídio. Levanta-se aqui a hipótese de tal persistência ocorrer em função da manutenção de uma política de drogas ofensiva e belicosa. Porém, avalia-se, neste ensaio, positivamente a ocorrência e o incremento de políticas públicas de redistribuição de renda (ainda que elas tenham caráter compensatório) e de reconhecimento de identidades vulneráveis, com conseqüências fundiárias e agrícolas. Até mesmo porque tais políticas públicas são, também, uma conseqüência da atuação sociopolítica dos movimentos sociais ante os desafios das violações de direitos socioambientais naquela região.
Utilizamos nesta reflexão dados secundários que advém da laboriosa pesquisa de Julio Jacobo Weisewitz (Ritla, Sangari, MJ, MS: 2008). Nessa investigação Weisewitz nota a queda do resultado da violência no País, a partir de 2003. Com efeito, ao avaliar o resultado das interações violentas que conduzem a óbitos por acidentes de trânsito e homicídios (também por armas de fogo) o autor conclui que há um efeito descendente no arco da violência no País. Entre 1979 e 2006 foram assassinadas 650 mil pessoas por armas de fogo no Brasil. Os números absolutos subiram de quase 7 mil, em 1979, à marca de 39 mil em 2003, quando então inicia uma curva descendente (37 mil em 2004, 36 mil em 2005, 35 mil em 2006), que pode indicar uma tendência. Weisewitz avalia que esta queda é devida, sobretudo, às políticas de desarmamento (estatuto e campanha).
Na leitura que desenvolvemos, interpretamos a violência letal como um fenômeno de causas múltiplas e concomitantes, que interferem na ecologia social das comunidades diretamente afetadas e no entorno. Por isso, não supomos que um único fator pudesse ser alçado ao posto de principal responsável pela queda de taxas de homicídio provocados por armas de fogo. Supomos que o conjunto de políticas públicas redistributivas e de reconhecimento, bem como a retessitura do ambiente democrático no País, permite reverter o quadro da violência letal no País. Haverá que se perguntar sobre o que faz tal queda ter um ritmo lento, porém não é esse o escopo desse ensaio.
Desenvolveremos aqui uma interpretação da situação da violência letal nos municípios do Submédio e Baixo São Francisco em três passos. Primeiramente, fazemos notar que há uma mobilização sociopolítica de enfrentamentos das violações de direitos socioambientais que gera novas e melhores condições de vida em geral. Em segundo lugar, identificamos que a manutenção da política de drogas de erradicação de áreas de plantio de maconha, e de enfrentamento com os cultivadores na região, sustenta uma cultura da violência – arraigadas em elementos da tradição cultural regional. Em terceiro lugar, indicamos que a alta taxa de homicídios nas cidades daquela região, e da morte de jovens em algumas daquelas cidades, não segue a mesma tendência nacional. Porém, ao contrário, cresce. Nossa hipótese é o vínculo entre a alta desigualdade social, a manutenção da política de drogas belicosa e esse efeito socioambiental da letalidade.
Gente que luta para a melhoria da qualidade de vida – O semi-árido brasileiro é repleto de vitalidade sociocultural. Nele há diferentes formas de arranjos socioambientais, até mesmo das juventudes. Isto se revela em diferentes modalidades produtivas, organizativas, recreativas. Há um consenso inaudito que faz uma leitura vitimizadora que enxerga no semi-árido o espaço social do sofrimento e da dor. Porém, a realidade sociocultural da região é bem outra. Ribeirinhos, quilombolas, indígenas, reassentados irrigantes, agricultores das áreas secas e as realidades rururbanas. As juventudes camponesas do sertão se organizam nos centros urbanos dos municípios e nos sítios. Organizam-se produtivamente, com associações de produtores e cooperativas, e também se sindicalizando. Criam novos arranjos produtivos, investindo em novidades como produção agroecológica e apicultura, por exemplo. Inexiste levantamento mais acurado sobre essa dinâmica, porém os territórios do MDA, de Itaparica (BA e PE), do Alto Sertão e da Bacia Leiteira (AL), ofereceram em seus estudos uma atenção a essas modalidades produtivas e à participação da juventude nela (p.ex. Maia: 2005).
O território de Itaparica foi o mais recente, criado em 2006, fruto da luta do Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco – que conseguiu demonstrar a unidade do território que reúne 13 municípios de dois estados, Bahia e Pernambuco, a saber: Paulo Afonso, Glória, Rodelas, Macururé, Abaré, Chorrochó (BA) e Floresta, Petrolândia, Jatobá, Carnaubeira da Penha, Belém do São Francisco, Itacuruba e Tacaratu (PE). Os territórios da Bacia Leiteira e do Alto Sertão foram criados em 2003, e reúnem, respectivamente, o primeiro, os municípios de Batalha, Belo Monte, Cacimbinhas, Jacaré dos Homens, Jaramataia e Major Isidro, Minador do Negrão, Monteirópolis, Olho d’Água das Flores, Palestina e Pão de Açúcar; e o segundo é composto pelos municípios de Canapi, Delmiro Gouveia, Água Branca, Inhapi, Mata Grande, Olho d’Água do Casado, Pariconha e Piranhas. No ano de 2008, o território do Alto Sertão foi incluído no programa Território da Cidadania, que reúne ações integradas de 15 ministérios do governo federal. Neste território da cidadania se prevê um conjunto de 71 ações ao custo de 110, 1 milhão de reais, em 2008.
Nestes últimos cinco anos, o sertão tem recebido um incremento de investimentos do governo federal. Isso ainda é tímido em relação à dívida socioambiental acumulada. Isso pode ser identificado pelo IDH daqueles municípios. A região do Alto Sertão, por exemplo, tem um IDH coletivo de 0,58, muito inferior à média nacional que é 0,800 (2007) e à do Nordeste que era 0,610 (2005) – como se sabe, a composição do IDH é calculada pelos indicadores de longevidade, educação e renda. Em parte esses investimentos públicos são frutos das intervenções dos movimentos sociais da região. A pressão da sociedade organizada tem conquistado melhorias muito significativas.
Agregue-se a isso o fato de também ser essa uma das regiões do semi-árido que se beneficiaram com a ação da sociedade civil da Articulação do Semi-árido, conhecido como Programa um milhão de cisternas (P1MC). Por meio deste programa várias comunidades sertanejas, da área seca, tiveram uma especial atenção para o problema da insegurança hídrica. Em todas essas ações podemos identificar a presença da juventude camponesa, participante nos movimentos sociais e eclesiais naquela região. E isso explica o empenho social por transformação com melhoria da qualidade de vida das camponesas e camponeses naqueles municípios nordestinos.
Todos aqueles bons sinais da vida social daquela região estão dialeticamente tensionados por uma série de violências estruturais. Essa região é parte do semi-árido brasileiro, está na região conhecida como Polígono da Seca. Mais recentemente, dado o fenômeno climático La Niña, tem sofrido enchentes – como nas cidades de Cabrobó (PE) e Chorrochó (BA), por exemplo (na primeira delas havia 20 anos o rio não chegava aos atuais níveis). É uma região que recebeu nas décadas de 1970 e 1980 um conjunto de Grandes Investimentos, como as Hidroelétricas de Sobradinho, Itaparica e Xingó. A primeira com um tremendo desastre socioambiental, que serviu de alerta às populações dos municípios que foram afetados pela Barragem de Itaparica (UHE Luiz Gonzaga).
Porém, a situação de violência estrutural, entendendo-se por essa expressão a dívida socioambiental acumulada de desatenção governamental, gerou movimentos sociais do campo, de uma têmpera tão robusta quanto tal desatenção. De fato, a partir de 1979 organizou-se no Submédio São Francisco, reunindo Sindicatos de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais do sertão da Bahia e de Pernambuco, o Pólo Sindical das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco. Hoje esse ator social reúne 15 STTRs, um conjunto de, pelo menos, sete Cooperativas de Agricultores Familiares Reassentados Irrigantes, várias Associações de Produtores. Ainda tem fôlego para ser o interlocutor com o governo federal, por meio da Chesf, para a conclusão do reassentamento de Itaparica, conquista sociopolítica de luta histórica que já resiste há 30 anos.
De certa forma, poderíamos afirmar que os atores políticos emergentes na região são caudatários dessa luta social. Evidente que quase trinta anos de luta social implica em desgastes das mais diferentes ordens. O surpreendente é a resistência institucional, organizativa e de autoridade política sustentado ao longo de tanto tempo. A constelação de atores políticos regionais traz uma diversidade muito enriquecedora. As demandas que as políticas públicas e as negociações governamentais impuseram a esses atores foram igualmente crescentes. Foge aos objetivos deste ensaio uma análise mais ampla sobre as relações de poder e confronto que se estabelecem a partir das diferentes demandas socioambientais desses atores. O objetivo dessa seção era apenas caracterizar a ebulição social regional do Baixo e Submédio São Francisco, de forma que ficasse caracterizada e existência de um movimento social do campo, de muitas faces, com novos e não tão recentes atores sociais, disputando a construção da melhoria das condições de vida e trabalho do povo sertanejo.
Violência letal no sertão e política de drogas – Maia Gomes, economista do IPEA, havia avaliado a economia sem produção, também da maconha (2001). Ele identificou uma cadeia produtiva dinâmica que faz circular 100 milhões de reais por ano na região do Polígono da Maconha – um conjunto de municípios sertanejos do estado de Pernambuco. Essa economia, como temos indicado em outros textos, tem na verdade uma longa história na região – e no Brasil, remontando mesmo ao século XVIII. O aumento da escala de produção a partir da década de 1970, em especial naquela região nordestina, atendia às demandas de consumo do Centro-Sul. A intensificação das operações federais de erradicação, a partir da segunda metade da década de 1990, fez com que se difundissem mais as áreas de plantio, reduzissem a concentração e a escala produtiva, implicando em importação de maconha do Paraguai para atender o Centro-Sul do País – conforme tem indicado os relatórios policiais – e com expansão de áreas de plantio e consumo no Nordeste e no Norte do País (Cf. p. ex. Iulianelli: 2007). Uma análise de dados noticiados no sítio eletrônico www.koinonia.org.br/bdv indica que com o decréscimo da incidência de cultivo-erradicação no Nordeste, há aumento da incidência nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Porém, a economia da maconha se manteve no Nordeste e em especial na região do, assim chamado, Polígono da Maconha. É interessante levar em consideração a reflexão elaborada pela cientista política Mariana Ollinger (2008) sobre a política de drogas no Brasil. Ela indica que entre 2001 e 2005 houve um incremento de 40% do consumo de drogas qualificadas como ilícitas no País. Também nota que há aumento de violência letal associado à comercialização dessas substâncias, e em relação à produção de maconha na região do Polígono da Maconha. Ela indica que a política de drogas do governo federal mantém o duplo objetivo de redução da oferta e da demanda. A primeira é de responsabilidade da SENAD e a segunda do Ministério da Justiça. Ela observa que houve uma alteração de um pressuposto da política de drogas.
Anteriormente o discurso era da erradicação das drogas ilícitas da sociedade brasileira, a lei atual fala de proteção. Afirma que a pretensão do governo federal, por meio da nova lei de drogas, é distinguir as figuras do usuário, da pessoa em uso indevido, do dependente e do traficante. As três primeiras figuras, no entanto, não são distinguidas entre si, apenas afastadas daquela do traficante. Na nova lei (Lei 11.343/2006) prevê as ações de prevenção, tratamento e redução de danos, como atenção aos usuários, e indica a necessidade de dotação orçamentária específica. Porém, podemos notar que essas novas abordagens ainda não estão incorporadas nas políticas dos estados e municípios. Nem mesmo o SUS constituiu Centros de Atendimentos Psicossociais (CAPs) suficientes para esse atendimento que a política nacional de drogas propõe.
Numa análise sobre as políticas de drogas Paulo Maia (2005) indica que elas permanecem com um caráter proibicionista e judicialista. Isso é fruto de sua origem parlamentar, segundo ele. Entre 1991-2001 o conjunto de projetos de lei de política de drogas constante no Congresso Nacional apresentava 46,16% de propostas judicialistas, que previam a criminalização de traficantes e medidas punitivas – ainda que de caráter medicamentoso – para os usuários. Essa marca subia para 53% se consideradas as propostas que apontavam para os acordos internacionais. Porém, podemos notar que a quase totalidade dessas propostas, e mesmo a nova lei de drogas, Lei 11.343/2006, não oferece nenhum tratamento especial para os agricultores que estejam envolvidos no plantio de cannabis em larga escala.
Numa análise elaborada por Ana Maria Motta Ribeiro (2006) temos uma indicação do desenvolvimento das dinâmicas de desenvolvimento de agregação de mão-de-obra rural no cultivo da cannabis na região do Submédio São Francisco. Para esta autora, o cultivo de cannabis sativa em larga escala é uma conseqüência do descaso público do governo federal com a região. Tanto por não concluir o reassentamento irrigado de Itaparica, gerando mão-de-obra liberada, quanto por não ter controlado as dinâmicas de crédito, como o foi a questão do escândalo da mandioca, gerando uma dinâmica econômica que tornava atraente o envolvimento com o cultivo da cannabis. Ela identificava duas modalidades de cultivo, às quais poderíamos agregar uma terceira. A maconha seca, que é o cultivo em áreas da caatinga, protegida pela vegetação. A maconha molhada, que é o cultivo nas ilhas do São Francisco, defendida pelas corredeiras. Podemos agregar a maconha irrigada que é protegida por consorciamento de outras produções, e que muitas vezes se dá com o roubo dos equipamentos de irrigação aos agricultores familiares irrigantes.
Nesse contexto, a lógica econômica é um ingrediente de atração, que advêm da ação e omissão do Estado. Porém, o mesmo Estado é o ator da agressão aos agricultores familiares, jovens e adultos, que são produtores de cannabis. Aliás, segundo Paulo Maia, essa atitude agressiva do Estado é a marca das políticas de drogas do governo brasileiro. Segundo Érika Macedo, é o que ocorre com a criminalização das comunidades de agricultores familiares na região do Submédio São Francisco. Em sua dissertação de mestrado, Para além da repressão (UFF, 2007), desenvolveu uma interpretação muito enriquecedora desse fenômeno.
Um efeito dessa política de drogas na região do Submédio São Francisco e do seu entorno é a manutenção de uma situação de violência. Por isso, podemos verificar que no conjunto dos 556 municípios com maiores taxas de homicídio, dez são daquela região. Segundo a ordem criada por Weisewitz, temos: Santa Maria da Boa Vista (PE), Juazeiro (BA), Petrolina (PE), Canapi (AL), Petrolândia (PE), Delmiro Gouveia (AL), Orocó (PE), Curaçá (BA), Cabrobó (PE), Belém do São Francisco (PE). Podemos notar que numa das principais cidades do, assim chamado, Polígono da Maconha, presentes nessa lista, em Orocó, houve queda do número de homicídios de 2002 em relação aos anos seguintes até 2006, de 21, em 2002, para uma média de 7 homicídios por ano, nos anos seguintes. Porém, em todas as outras cidades citadas houve oscilação, ou aumento do número de homicídios.
Inverso da lógica nacional – será pela manutenção do caráter proibicionista da política de drogas? Temos que avançar em nossa reflexão. Sabemos que há ou manutenção, ou oscilação pendular ou crescimento no número de homicídios nessas cidades citadas. Isso é o inverso da racionalidade da tendência nacional, apontada por Weisewitz. Porém, como ele mesmo chama a atenção, o escrutinamento das situações municipais permite atentar mais pormenorizadamente para as necessidades dessas áreas. Levando em consideração os territórios do Alto Sertão e de Itaparica – ainda que tenhamos naquela lista de cidades duas do território de Petrolina e Juazeiro – vemos que isso é uma necessidade imperiosa.
As operações de erradicação de pés de maconha não pararam em nenhum momento nesse período. E, como se sabe, elas sofreram um incremento, naquela região, a partir de 1997. Efetivamente, a partir desse ano há um aumento do número de homicídios nessas cidades. Mais ainda, a política de erradicação durante o governo Lula foi ainda mais intensa. Talvez isso explicasse o aumento do número de homicídios em Santa Maria da Boa Vista (PE), por exemplo, cuja taxa média é de 38,2 (por mil habitantes). Até mesmo, em relação aos homicídios juvenis foi constatada uma queda entre 1997 e 2006, a partir de 2003. Essa queda foi bem menor proporcionalmente, passando dos quase 20 mil homicídios, em 2003, para 17,3 mil em 2006. Em Santa Maria da Boa Vista a taxa de óbitos por armas de fogo, em 2006, foi de 77,2/100 mil habitantes – o município tem 38 mil habitantes. Essa taxa subiu de 55,6 em 2002, para 77,2 em 2006.
Na cidade de Juazeiro houve um incremento do número de homicídios juvenis no período de 2002-2006. Em Petrolina, ao contrário, houve uma queda. Porém, ambas têm taxas maiores que 50/100 mil habitantes, para jovens. Essas circunstâncias são um indicativo da manutenção de uma ordem violenta na região. Não muito freqüente em cidades interioranas, com poucos habitantes, e que possuem como principal atividade econômica a agricultura familiar. Os elementos culturais gregários, de certa forma, perdem força para o elemento desagregador que é a perseguição policial e os confrontos entre os agentes da economia da cannabis sativa.
Todos esses fatos, como apontamos e outras ocasiões, e com o que também concorda, dentre outros, Sergio Vidal (2007), indicam a necessidade de uma regulamentação desses processos sociais. E isso não pode ocorrer apenas pelos mecanismos repressivos do Estado. É já passado o momento de discutir estratégias de superação da violência para além da mera repressão. É sim, repito, no meu ponto de vista, dever do Estado reprimir aquelas ações que colocam em risco a vida de terceiros – a defesa da segurança humana é obrigação do Estado de direito e deve ser mantida. Entretanto, isso não pode se dar com uma lógica que faz recrudescer a violência letal.
Considerações Finais
Este é um ensaio curto no qual se buscou oferecer alguns dados para a reflexão sobre um dos efeitos mais graves da atual política de drogas: a violência letal. Destacamos que nas áreas de produção de cannabis sativa, diferente da tendência nacional de queda das taxas de óbitos por homicídio, há um incremento destes. Fizemos uma abordagem que indica ser um dos elementos reforçadores dessa situação a atual política de drogas, que muito embora apresente algumas indicações que se adequam ao paradigma da redução de danos, é na sua maior parte proibicionista e belicista. Ou seja, permanecemos reféns da guerra às drogas. A questão é que as vítimas dessa guerra são muitas pessoas que apenas convivem com as áreas nas quais se dão ações econômicas, como produção ou venda de varejo, e ações para-militares de grupos que, levados pela ilegalidade da ação econômica, encontram mais um mecanismo de proteção da atividade.
A alteração da política de drogas, com maior regulamentação dessas cadeias econômicas, maior controle social, maior participação dos setores da sociedade civil na formulação dessas políticas, efetivamente traria como conseqüência a diminuição da violência letal? Não há uma resposta a essa questão. Podemos oferecer, no muito, impressões. Parece que sim, se levarmos em consideração que isso implicaria em um reordenamento dos usos, costumes e hábitos sociais no trato com as, atualmente assim qualificadas, drogas ilícitas. Efetivamente, permaneceria o problema de saúde pública para os usuários e para os que são abatidos nessa sangrenta colisão entre os interesses públicos e os interesses privados. Sim, porque a comercialização das drogas lícitas permanece, conquanto tragam tremendos custos para o sistema público de saúde. Entretanto, não trazem como conseqüência principal a violência letal das armas.
Outrossim, como recordou Weisewitz, há uma dimensão da violência letal que é um efeito indesejável do uso e abuso das drogas lícitas, os acidentes de trânsito. Conquanto não se possa inferir que a totalidade dos acidentes de trânsito consiste num efeito do uso de bebidas alcoólicas e de outras drogas, é fato que o uso delas é um dos elementos que influenciam diretamente na ocorrência desses eventos. As principais vítimas fatais desses acidentes são os pedestres, muito embora haja um aumento de óbitos de motociclistas no qüinqüênio 2000-2006. E aí o que se verifica é a necessidade de mais políticas preventivas. Na verdade, em relação às bebidas alcoólicas temos uma das políticas preventivas e de redução de danos mais interessante, com a propaganda: se beber não dirija, se dirigir não beba – estimulando um comportamento individual que favorece à vida coletiva. Isso deveria permitir pensar em formas alternativas de regulamentação da convivência da sociedade brasileira com a cadeia produtiva das drogas qualificadas como ilícitas, em especial, dada a questão agrária envolvida, com a produção da cannabis sativa.
Jorge Atílio Silva Iulianelli, filósofo e assessor de KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço.
Sobre o Semi-árido
Estendendo-se por 11 estados e mais de 1.400 municípios brasileiros, vivem hoje no semi-árido brasileiro cerca de 13 milhões de crianças, de zero a 17 anos, sendo que ultrapassa em 70% o número das que vivem em situação de pobreza. O acesso de apenas 34% das mulheres ao pré-natal básico aumenta os números da mortalidade infantil e de crianças nascidas de mães adolescentes. O Índice de Desenvolvimento Infantil, que se propõe a resumir a situação da primeira infância, é 50% maior comparando o Brasil sem o semi-árido com o semi-árido, demonstrando grandes disparidades. No total, vivem aproximadamente 30 milhões de pessoas na região. O IDH no Brasil, envolvendo a região, cresce a cada ano, mas há a necessidade de um incremento neste índice especificamente para o semi-árido.
Objetivos e metas de impacto para o semi-árido brasileiro
- Reduzir a pobreza das crianças e adolescentes
- Reduzir a mortalidade e desnutrição infantil
- Universalizar o Registro Civil gratuito para todas as crianças
- Melhorar o acesso e qualidade da Educação Infantil
- Melhorar a aprendizagem no Ensino Fundamental
- Aumentar o acesso e a qualidade do Ensino Médio
- Melhorar a saúde materna e reduzir a gravidez na adolescência
- Reduzir as mortes violentas de crianças e adolescentes
- Erradicar o trabalho infantil e outras formas de exploração
- Aumentar o acesso à água limpa para consumo humano
- Melhorar a prevenção e tratamento de HIV-Aids de adolescentes.
Fonte: Ministério da Cultura, http://www.cultura.gov.br/site/?p=8842
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Recomendações de Sérgio Vidal para alteração da política de drogas nacional):
- Promoção de debates, palestras e outras iniciativas de cunho
informativo sobre a nova lei n. 11.343, o histórico de Leis brasileiras e
internacionais, a interpretação oficial da UNODC sobre as Convenções da ONU e sobre as possibilidades da regulamentação do cultivo não-comercial de Cannabis, destinados a todas as pessoas ligadas ao SINAD e outros cidadãos interessados no tema;
- Dar seguimento ao envio da petição pela retirada da Cannabis sativa da Cédula IV da Convenção de 1961, em reconhecimento dos erros históricos
cometidos pela delegação brasileira em 1924, conforme o processo iniciado
em 2004 pela Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD (Carlini, et. al., 2004);
- Estabelecimento de parcerias com governos dos países que têm
adotado uma interpretação mais flexível das Convenções da ONU, promovendo o intercâmbio de experiências, dados e informações a respeito
de políticas sobre drogas;
- Estabelecimento de parcerias com instituições de pesquisas nesses países, para a promoção de estudos comparativos sobre a viabilidade da aplicação dessas políticas no Brasil;
- Fomento e incentivo para realização de pesquisas que tenham como objetivo analisar a implantação da Lei 11.343 e seus impactos na sociedade, assim como o funcionamento dos diferentes setores do SISNAD;
- Incentivo a grupos de pessoas e instituições para criação de espaços de convivência, mesmo que em ambiente on-line, para compartilhamento de experiências e informações, sempre atentando para criação de espaços de diálogo entre as pessoas que usam Cannabis ou outras drogas e o Sistema Único de Saúde;
- Promoção de estudo sob coordenação do Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) sobre as possibilidades de implantação de modelos de regulamentação da posse, aquisição e cultivo para consumo próprio, a exemplo do Office of Medicinal Cannabis35, na Holanda, dos Medical Clubs nos EUA36 ou dos Cannabis Social Clubs37;
- Fortalecimento do diálogo com os grupos, comunidades, associações e
outros coletivos de pessoas que usam Cannabis e outras drogas, buscando
entender as demandas e necessidades específicas dessas populações.
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Referências bibliográficas
Waisewitz, J.J. Mapa da violência nos municípios brasileiros. DF: Ritla, Sangari, MS, MJ: 2008.
Maia Gomes, G. Velhas secas e novos sertões. DF: IPEA, 2001.
Iulianelli, J.A.S. Maconha que se planta no Norte, Nordeste e Centro Oeste: breve análise do conjunto de notícias sobre plantio de maconha no Brasil, veiculadas pelo boletim virtual Drogas e violência no Campo entre abril de 2005 e maio de 2007. in Boletim virtual Drogas e Violência no Campo, 3 (7), artigo publicado em 7 de maio de 2007 (www.koinonia.org.br/bdv)
Ollinger, M. Drogas – Questões e perspectivas: Brasil e a Política Nacional sobre Drogas in www.comunidadesegura.org/files/active/0/Boletim_2_Final.pdf, acessado em 26 de abril de 2008.
Maia, R. Estudos propositivos da dinamização econômica do território Alto Sertão. DF: 2005 in www.condraf.org.br/gnc/gnc/ep/estudos/AL_ALTOSERTÃO.pdf, acessado em 25 de abril de 2008.
Maia, P. drogas: criminalização, alternativas e tendência legislativa brasileira. BH: 2005, mimeo. Disponível na Internet.
Vidal, S. A regulamentação do porte, cultivo e distribuição não-comercial de Cannabis sativa: um paradigma legal de Redução de Danos, BA: GIESP, 2007 in www.giesp.ffch.ufba.br