ARTIGOS
A Paciência Pascal
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Dr. Ricardo Lengruber Lobosco, Teólogo, Pastor Metodista, Prof. na UMESP
“Sexta-feira, dia 22 de abril de 2011. Sexta-feira da Paixão. Cem dias desde a tragédia que se abateu sobre a região serrana do Rio.
Para a religião nascida de uma radical experiência vivida por um grupo de judeus palestinenses (quando havia ainda menos de um século de dominação romana na região), a Páscoa guarda um significado central. Primeiro porque resgatava a memória da intervenção libertadora de Deus na História de Israel, que nunca permitiu que caísse no esquecimento o seu Êxodo do Egito. Depois, porque herdeiros dessa ancestral memória viram seu líder morrer pendurado numa cruz romana e creram testemunhar sua ressurreição.
A passagem da opressão à libertação fundou os pilares de uma fé que se tornaria a cada nova geração mais consistente. A Páscoa judaica – essa memorial passagem para a liberdade – lançou os fundamentos de uma religião que teria na Ética sua mais elevada realização.
A passagem da morte à vida inaugurou uma maneira nova de crer e experimentar a fé. A Páscoa cristã – nascida da convicção de que Ele não repousa entre os mortos – semeou o que há de mais poderoso na religião: a fé no poder infinito da Vida... Passados cem dias, Friburgo e região precisam fazer um balanço sério e lúcido sobre sua história recente.”
A tragédia que assolou a tantos em nossa região tem certa relação com a história evangélica. Se há desígnios maiores por trás de tudo que nos ocorre, há também atores concretos que respondem por decisões e falta de decisões. Se é verdade que as autoridades do tempo de Jesus têm responsabilidade direta sobre sua morte, é também verdadeiro que nossas autoridades têm igual responsabilidade sobre os descaminhos que nossa cidade e região tomaram. A irresponsável falta de fiscalização sobre a ocupação do solo e a velha falta de planejamento estratégico para o município levaram para cruz daquela madrugada muitos inocentes.”
A guerra contra o crime e a desconstrução da democracia
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Dr. André Moisés Gaio, Sociólogo, Prof. na UFJF
“A criação de um mercado de massas, a disponibilidade de novos produtos que se tornaram alvos para a prática de roubos e furtos (automóveis, equipamentos musicais) e ao mesmo tempo estimularam a criação de uma cultura do consumo, auxiliada pela progressiva importância da televisão, desenvolvendo uma mesma demanda para ricos e pobres; a mudança da estrutura familiar e do estilo de vida característico dessa instituição, especialmente pelo aumento do número de divórcio e da família monoparental, a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, a multiplicação das moradias ocupadas por uma só pessoa; as transformações na ecologia e demografia social, especialmente a difusão do automóvel privado, a migração da classe média e dos ricos para os subúrbios, geralmente longe do trabalho, a alocação de pobres e minorias em locais afastados das cidades, sem equipamentos urbanos adequados e sem comércio (nova forma de segregação), a decadência de lealdades locais, a ausência de contatos diretos entre as pessoas, a privatização da vida individual e familiar; o impacto da televisão na criação de padrões de consumo, no aumento da visibilidade dos crimes e da violência, na maior exposição de personagens importantes, rompendo cada vez mais a noção de intimidade, com importantes impactos na vida política e cultural; a democratização da cultura o discurso da igualdade e a política da igualdade de direitos provocou uma diminuição da deferência por autoridades e pelos ricos e invadiu também a esfera familiar, a escola, a prisão, a política, surgiu também, nesse processo, o que Garland chamou de um “individualismo moral”, uma diminuição do indivíduo de laços de dependência em relação aos grupos e a possibilidade de cada um optar por estilos pessoais quanto aos valores e aos modos de agir.
As transformações da modernidade tardia acima sublinhadas foram decisivas para forjar uma situação, nos marcos da expansão das taxas de crimes, em que a cultura do controle encontrou fortes estímulos para se desenvolver.”
A Tenacidade do Racismo
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Dr. Ordep Serra, Antropólogo, Prof. na UFBA
Relatório apresentado à KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço a respeito do caso do MUSEU ESTÁCIO DE LIMA e de outras agressões à memória dos cultos Afro-Brasileiros.
A 4ª Jornada Ecumênica e o Mapa da Injustiça Ambiental
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Dra. Tânia Pacheco, Historiadora, Coordenadora do Projeto “Mapa da Injustiça ambiental” (Fiocruz/Fase)
O texto publicado nesta edição faz parte da apresentação feita pela Dra. Tania Pacheco sobre o Mapa da injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, durante a 4ª Jornada Ecumênica Latino Americana, realizada entre os dias 11 e 15 de novembro de 2010, em Itaici, São Paulo, Brasil. A 4ª Jornada, promovida pelo Fórum Ecumênico Brasil (FE Brasil) e o Fórum Ecumênico Sulamericano (FE Sul), teve como tema“Ecumenismo, Ecologia, Economia e Vida”.
“Gostaria de começar explicando que o Mapa tem uma peculiaridade que o diferencia e valoriza: os conflitos que ele registra são apresentados através do olhar e das vivências das comunidades e das populações atingidas. Isso significa que é a partir de suas vozes que as denúncias são relatadas, embora busquemos complementá-las com outras informações, obtidas junto a seus diferentes parceiros, estudos acadêmicos, notícias de jornais e da internet, e outros mais. Mas são as comunidades as nossas protagonistas, e é a partir das lutas que elas vivenciam e enfrentam que construímos a nossa pesquisa. Ressaltar esse fato é importante, pois ele também vai determinar os comentários e as referências que farei a seguir.
Minha fala será dividida em três partes: primeiro, quero mostrar alguns dados retirados do próprio Mapa, que considero devem embasar a nossa discussão. À luz desses resultados, gostaria de falar um pouco sobre um tema que é minha grande frente de luta: o Racismo Ambiental. Finalmente, pretendo concluir com algumas observações sobre o momento presente, no qual racismo, xenofobia e fundamentalismos parecem nos levar de volta para momentos vergonhosos da história da humanidade, o que só torna mais importantes a existência de eventos e espaços como este.”
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