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“RELIGIÃO E VIOLÊNCIA”
Ano 6 - Nº 25
Agosto de 2011
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Página de KOINONIA
 


Durante sua IX Assembléia, realizada em 2006 em Porto Alegre, o Conselho Mundial de Igrejas decidiu que o encerramento da campanha “Década para a Superação da Violência”, iniciada em 2001, fosse marcada por uma grande celebração de promoção da paz. Esta veio a acontecer recentemente, entre os dias 17 e 25 de maio na cidade de Kingston, Jamaica, na forma de uma “Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz” sob o lema: “Glória a Deus e Paz na Terra.”
Reunindo mais de mil participantes, de cerca de cem países que representavam a imensa maioria das igrejas cristãs do planeta, esta conferência ecumênica dedicou-se a explicitar, discutir e, de forma propositiva, oferecer alternativas para a construção da paz justa num mundo marcado pela violência da injustiça.
Com base num texto aprovado pelo seu Comitê Central, em fevereiro deste ano, e intitulado “Chamada ecumênica para a paz justa”, os participantes se envolveram com decisivos subtemas: “Paz na Comunidade”; “Paz com a Terra”; “Paz no Mercado”; “Paz entre os Povos”.

Desde o lançamento da campanha “Década para a Superação da Violência”, em 2001, Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço participa ativamente desse esforço junto com outras entidades ecumênicas e igrejas brasileiras mantendo, juntas, na revista Tempo & Presença, uma seção de notícias que procurava deslindar e informar sobre acontecimentos e atitudes violentas de indivíduos ou grupos que rompiam a paz e feriam direitos assim como acerca de iniciativas promotoras da paz.  Como expressão desse compromisso radical com a construção da paz justa numa sociedade tristemente marcada pelo império da violência social, econômica e cultural em suas múltiplas e diversificadas manifestações, apresentamos a Mensagem Final da “Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz” e fazemos nossas suas principais reivindicações:
“Mensagem da Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz”
“... para que vos conceda pela riqueza de sua glória: fortalecer-vos internamente com o Espírito, que pela fé Cristo habite em vosso coração, que estejais enraizados e alicerçados no amor,...” (Efésios 3.16-17)

Entendemos a paz e a pacificação como um aspecto indispensável de nossa fé comum. A paz está indissoluvelmente relacionada como o amor, a justiça e a liberdade que Deus concedeu a todos os seres humanos por meio de Cristo e a obra do Espírito Santo como dom e vocação. Constitui um modo de vida que reflete a participação humana no amor de Deus pelo mundo. A natureza dinâmica da paz como dom e vocação não nega a existência de tensões, que formam parte integrante das relações humanas, mas pode mitigar sua força destrutiva oferecendo justiça e reconciliação.

Deus abençoa os pacificadores. As igrejas-membro do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e outros cristãos estão unidos, como nunca antes, na busca de meios para fazer frente à violência e recusar a guerra em prol da “paz justa”- o estabelecimento de paz com justiça mediante uma resposta comum e a nos comprometermos a edificar uma cultura de paz.

Nós, aproximadamente mil participantes, procedentes de cem países, reunidos pelo CMI, compartilhamos a experiência da Convocatória Ecumênica Internacional pela Paz, assembleia de igrejas e coparticipantes de outras religiões dedicados à consecução da Paz na Comunidade, a Paz com a Terra, a Paz no Mercado e a Paz entre os Povos. Reunimo-nos no campus da Universidade das Índias Ocidentais (Mona) perto de Kingston (Jamaica) de 17 a 25 de maio de 2011. Estamos profundamente agradecidos aos nossos anfitriões da Jamaica e da região do Caribe que, com grande generosidade nos ofereceram um lugar espaçoso para estarmos juntos e crescer na graça de Deus. Somente pelo fato de estarmos reunidos no lugar de uma antiga plantação de cana de açúcar se nos fizeram patentes a injustiça e a violência da escravidão e do colonialismo assim como as formas de escravidão que, ainda hoje, açoitam o mundo. Fomos informados acerca dos graves problemas da violência que se vivem no contexto deste país, assim como sobre a valente participação das igrejas no enfrentamento desses desafios.

Trouxemos à Jamaica as preocupações de nossas igrejas e regiões. Conversamos uns com os outros e agora temos algo que dizer às igrejas e ao mundo. Estivemos juntos mediante os estudos bíblicos, o enriquecimento espiritual da oração em comum, as inspiradoras expressões de arte, as visitas aos ministérios locais e outros organismos de serviço, as reuniões plenárias, os seminários, os grupos de discussão, os atos culturais, as sessões de leitura, as amplas deliberações e as comovedoras conversas com pessoas que foram vítimas da violência, da injustiça e da guerra. Celebramos as realizações da “Década Ecumênica para a Superação da Violência” (2001—2010). Nossos compromissos nos deram ânimo ao nos mostrarem que é possível erradicar a violência. A “Década para a Superação da Violência” nos permitiu conhecer

Reunidos aqui na Jamaica, seguimos com interesse os acontecimentos do mundo que nos rodeia. As histórias que recebemos de nossas igrejas fazem-nos lembrar das responsabilidades locais, pastorais e sociais para com as pessoas que enfrentam diariamente cada um dos problemas que com relação à energia nuclear e as ameaças à natureza e à humanidade. As instituições governamentais e financeiras se enfrentam com a necessidade de assumir suas responsabilidades pelo fracasso de suas políticas e seus efeitos devastadores sobre as pessoas vulnerabilizadas. Somos testemunhas, com preocupação e compaixão, dos combates por liberdade, justiça e também lutam sem contar com a atenção da comunidade mundial. Nosso amor pelos povos da Palestina e de Israel nos convenceu que a ocupação continuada prejudica tanto a um como ao outro. Reiteramos nossa solidariedade para com as populações de países divididos como é o caso da Península de Coréia e de Chipre, e para com as pessoas que aspiram o fim de seu sofrimento em nações como Colômbia, Iraque, Afeganistão e a região dos Grandes Lagos na África.
Somos conscientes de que os cristãos têm sido frequentemente cúmplices de sistemas de violência, injustiça, militarismo, racismo, intolerância e discriminação por razões de casta ou por outros motivos. Pedimos a Deus que perdoe nossos pecados e nos transforme em agentes de retidão e advogados da Paz Justa. Fazemos uma chamada aos governos e a outros grupos para que deixem de usar a religião como pretexto para justificar a violência.

Junto com coparticipantes de outras crenças, reconhecemos que a paz é um valor central em todas as religiões e que a promessa de paz se estende a todas as pessoas, independentemente de tradições e compromissos. Por meio da intensificação do diálogo inter-religioso procuramos chegar a uma convergência com todas as religiões do mundo no que diz respeito a estas questões.

Estamos unidos no desejo de que a guerra seja considerada ilegal. Em nossa luta pela paz na terra temos que fazer frente a nossos contextos e histórias diferenciadas. Somos conscientes de que as diferentes igrejas e religiões oferecem perspectivas diferentes acerca do caminho para a paz. Alguns dentre nós começam a partir do ponto de vista da necessidade da conversão pessoal e da moralidade, considerando que a aceitação da paz de Deus em nossos corações constitui a base para a paz na família, na comunidade, na economia, assim como em toda a terra e no mundo das nações.  Outros destacam a necessidade de se centrar, acima de tudo, no apoio e na correção recíprocos no corpo de Cristo para que a paz seja possível. Há também os que estimulam o compromisso das igrejas com os amplos movimentos sociais e o testemunho público das igrejas. Cada um destes enfoques tem seu a sua fundamentação própria e não são mutuamente excludentes. Na verdade, estão estreitamente relacionados. Mesmo em nossa diversidade podemos falar com uma única voz.

Paz na Comunidade                                                                              

As igrejas perceberam a complexidade da paz justa na medida em que ouvíamos acerca das intersecções entre múltiplas formas de injustiças e opressões que prejudicam, simultaneamente, as vidas de muitas pessoas. Membros de uma família ou de uma comunidade podem ser vítimas de opressão e, ao mesmo tempo, ser opressores de outras pessoas. As igrejas devem ajudar na determinação de decisões cotidianas que possibilitem o fim de abusos e o estabelecimento de direitos humanos, da justiça de gênero, justiça climática, da justiça econômica, da unidade e da paz. As igrejas devem continuar a enfrentar o racismo e a discriminação por razões de casta, que são fatores desumanizadores no mundo de hoje. Igualmente, a violência contra as mulheres e as crianças deve ser considerada como um pecado. Por outro lado esforços conscientes são necessários para o alcance da plena integração das pessoas com diferentes capacidades. As questões relativas à sexualidade dividem as igrejas e, por isso, solicitamos ao CMI que procure criar espaços seguros nos quais essas questões, provocadoras de divisão, possam ser tratadas. Em todos os níveis as igrejas podem ter um papel ativo na hora de apoiar e proteger o direito à objeção de consciência assim como garantir o asilo aos que se opõem e resistem ao militarismo e aos conflitos armados. As igrejas devem alçar sua voz para proteger nossos irmãos e irmãs cristãos, assim como a todos os seres humanos, que sejam vítimas de discriminação e perseguição por razões de intolerância religiosa. A educação para a paz deve ocupar um lugar central em todos os programas das faculdades, seminários e universidades. Reconhecemos a capacidade dos jovens de estabelecer e consolidar a paz e exortamos às igrejas a que criem e fortaleçam redes de ministérios em favor da paz justa. Entendemos que a igreja é chamada a vir a público para expressar suas preocupações, dizendo a verdade para além das paredes de seus santuários.

Paz com a Terra

A crise do meio-ambiente é uma crise ética e espiritual profunda da humanidade. Reconhecendo os danos causados à Terra por parte da atividade humana, afirmamos nosso compromisso com a nossa preocupação com a humanidade vão sempre unidas. Os recursos naturais e os bens comuns como a água devem ser compartilhados de forma justa e sustentável.  Fazemos nossa a reivindicação da sociedade civil global de insistir com os governos para que reorientem de forma radical todas as nossas atividades econômicas tendo como objetivo o estabelecimento de uma economia ecologicamente sustentável. O uso intensivo dos combustíveis fósseis e as emissões de CO2 devem ser, urgentemente, reduzidas a níveis que permitam limitar os efeitos das mudanças climáticas. A dívida ecológica dos países industrializados, que é a causa das mudanças climáticas, deve ser levada em consideração quando se negociem os direitos de emissão de CO2 e os planos dos custos de adaptação. A catástrofe nuclear de Fukushima pôs em evidência, mais uma vez, que não se deve mais recorrer à tecnologia nuclear como fonte de energia. Repudiamos as estratégias como o aumento da produção de agrocombustíveis que prejudicam os pobres por sua competição com a produção alimentar.

Paz no Mercado

A economia global proporciona muitos exemplos de violência estrutural que provoca danos não apenas pelo uso direto de armas ou da força física, mas pela aceitação passiva da pobreza generalizada, das disparidades do comércio e da desigualdade entre classes e nações. Contrariamente ao crescimento econômico ilimitado previsto pelo sistema neoliberal a Bíblia nos apresenta uma visão de vida abundante para todos. As igrejas devem aprender a propugnar de forma mais eficaz pela implementação plena dos direitos culturais, sociais e econômicos como fundamento das “economias de vida”.

É um escândalo que se gastem enormes quantidades de dinheiro em orçamentos militares e em proporcionar armamentos aos aliados, assim como o comércio das armas, quando se necessitam urgentemente fundos para a erradicação da pobreza em todas as partes do mundo e para financiar uma reorientação ecológica e socialmente responsável da economia mundial. Exortamos os governos deste mundo para que atuem sem demora canalizando seus recursos financeiros para programas que promovam a vida e não a morte. Estimulamos as igrejas para que adotem estratégias comuns que favoreçam a transformação das economias. As igrejas devem fazer frente, de forma mais eficaz, à irresponsável concentração de poder e riqueza, assim como à enfermidade da corrupção. Entre as medidas em favor de economias justas e sustentáveis cabe assinalar a necessidade de uma regulação mais eficaz do mercado financeiro, a introdução de impostos sobre as transações financeiras e as relações comerciais justas.

Paz entre os povos

A história nos recorda, em grande parte graças ao testemunho das igrejas tradicionalmente pacifistas, que a violência é contrária à vontade de Deus e que nunca pode resolver conflitos. Daí que decidimos avançar para além da doutrina da guerra justa orientando-nos pelo compromisso com a paz justa.  Esta atitude exige que abandonemos a concepção excludente de segurança nacional e propugnamos pela segurança para todos. Isto inclui a responsabilidade diária de impedir a violência atacando suas raízes. É necessário examinar, discernir e elaborar muitos aspectos concretos da noção de paz justa. Continuamos a debater para saber como proteger as pessoas inocentes da injustiça, da guerra e da violência. Neste sentido nos esforçamos para entender a noção de “responsabilidade de proteger” e evitar que seja usada de forma indevida. Solicitamos ao CMI e aos organismos a ele relacionados que, urgentemente, definam com maior clareza sua posição em relação a essa política.

Advogamos pelo desarmamento nuclear total e pelo controle da proliferação de armas pequenas.

Em nossa condição de igrejas temos a possibilidade de, se ousamos, ensinar a não-violência aos poderosos, porque somos seguidores daquele que veio como uma criança indefesa; morreu na cruz, nos disse para deixarmos nossas espadas, nos ensinou a amar nossos inimigos e ressuscitou dentre os mortos.
Fazer frente à magnitude dos perigos que nos rodeiam. Instamos a todo o movimento ecumênico e, em particular, aos encarregados do planejamento da Assembléia do CMI em 2013, em Busan (Coréia) que terá como tema “Deus da vida, conduze-nos à justiça e à paz”, para que dêem máxima prioridade à realização da paz justa em todas as suas dimensões. Documentos como Uma chamada ecumênica à paz justa e o Manual da paz justa podem servir de referência e para a preparação da Assembléia.
Nosso agradecimento e louvor a Ti, Deus Trino e Uno: Glória a Ti e Paz a Teu povo na terra. Deus da Vida, conduze-nos à justiça e à Paz. Amém!