"O que sempre admirei em Rubem Alves foi sua imensa versatilidade de pensamento. Passava da sociologia para a poesia, da poesia para a psicanálise, da psicanálise para a educação e da educação para a teologia. Era um buscador perene, do tipo de Santo Agostinho do "cor inquietum". Como percebia o mistério de todas as coisas, sabia valorizar cada raio de intelecção e ao mesmo tempo relativizar e sempre celebrar.
Três livros me marcaram muito: o livro sobre a esperança ( “Da Esperança”) que é um texto de alta crítica ao percurso e às ilusões da modernidade, abrindo caminho para uma libertação concreta que, na verdade, deu origem à teologia da libertação (o título original em inglês era sobre a libertação). O segundo foi sobre “Protestantismo e Repressão”, pois me ajudou a entender a lógica do poder da minha Igreja, a católica. Ele mostra que sempre que uma instituição levanta a pretensão de ser a portadora de uma verdade absoluta é condenada a ser fundamentalista e repressiva. Onde há excesso de poder, aí morre o amor e desaparece a misericórdia. O terceiro foi “O Enigma da Religião”. Creio que é um dos melhores textos mundiais, pois soube enfrentar a crítica dos modernos e mostrar o seu equívoco, o de terem colocado a religião no âmbito da razão quando o seu lugar é no pathos, no sentimento profundo, no utópico. Ela não está ai para explicar o mundo mas para ser um protesto contra este tipo de mundo que pode ser descrito e explicado pela ciência. Ela é a voz de uma consciência que não pode encontrar descanso no mundo, tal como ele é, e que tem como seu projeto utópico transcendê-lo. O que interessava a Rubem não era propriamente a religião mas a dimensão religiosa do homem que o faz projetar sonhos, utopias e poesia.
Famosa ficou sua frase: "Teologia não é coisa de quem acredita em Deus mas de quem tem saudades de Deus". E Rubem tinha infinita saudade de Deus e das celebrações de sua igreja, da qual foi excluído, mas que para ele, sempre ficou em seu coração. Aqui aparece o seu momento agostiniano: "Tarde te amei, ó beleza, tão antiga e tão nova. Tarde te amei… Meu coração inquieto não descansa enquanto não repousar em ti". Estimo que esta experiência foi a mais profunda da vida de Rubem Alves.
Ele nos inspira a fazer uma teologia, liberada dos dogmas para ser plenamente sensível ao Deus que se dá no mistério das coisas, num grão de areia, numa pétala de flor. Enfim, se abre a Deus que não está em nenhum lugar, porque está em todos os lugares e aí sempre pode ser encontrado ou sempre Ele nos encontrará".
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*Teólogo e filósofo. Escritor com dezenas de livros publicados. Um dos principais articuladores da Teologia da Libertação. Prof. aposentado da UERJ (R io de Janeiro).