A criação do Fórum Social Mundial teve sua origem nas grandes manifestações em Seattle, durante o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), em novembro de 1999, e naquelas realizadas em Washington, em 2000, contra as políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, que afirmavam: “o mundo não é uma mercadoria”. Também é preciso lembrar a primeira e a mais libertária manifestação do nascente movimento “antiglobalização”, como se costumava dizer então: a insurgência zapatista que abriu o ano de 1994, em Chiapas, contra o Tratado de Livre Comércio da América do Norte e em defesa das populações indígenas, colocando a América Latina (mais uma vez) na vanguarda de processos históricos de libertação.
Essas mobilizações situaram definitivamente no cenário mundial a emergência de um movimento de resistência além das fronteiras nacionais. Milhares de sindicatos, associações, ONGs, entidades religiosas e outros movimentos populares, que travavam lutas em seu país, região, cidade ou em seu meio rural, tomaram consciência de que, juntos, constituíam um movimento planetário de resistência à globalização neoliberal.
Passaram, então, a trocar informações, unindo-se em ações comuns e convergentes de solidariedade internacional, concretizando a idéia de se tornarem um contrapoder planetário dos cidadãos, uma verdadeira sociedade civil mundial ativa e organizada. Ao mesmo tempo em que cresciam as manifestações, iniciava-se também em todo o mundo esforços no sentido de buscar alternativas que colocassem o desenvolvimento humano com justiça social, a sustentabilidade ambiental e a democracia participativa como eixos prioritários para governos e cidadãos. Nascia assim, tanto o movimento altermundialista, como o embrião do Fórum Social Mundial.
Desde 2001, quando se realizou pela primeira vez em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial vem se contrapondo ao Fórum Econômico Mundial de Davos. Esse Fórum dos ricos e poderosos do mundo tem cumprido, desde 1971, papel estratégico na formulação do “pensamento único” neoliberal em todo o planeta, desmoralizado agora por sua responsabilidade direta pela crise financeira, econômica, social e ambiental que estamos vivendo. Uma verdadeira crise de civilização, devidamente antecipada pelas denúncias e críticas do FSM desde os seus debates iniciais.
Já o Fórum Social Mundial se afirmou como um espaço para construção de alternativas de “outro mundo possível”, através do debate de grandes temas e da troca de experiências de lutas, da articulação de iniciativas e campanhas comuns entre sindicatos e movimentos em cada país e em nível continental e mundial. O FSM e o chamado “espírito de Porto Alegre” ganharam o mundo: constituindo-se como um espaço em movimento e como um espaço dos movimentos em luta por uma mundialização alternativa.
A escolha de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul para a realização do Fórum Social Mundial em quatro edições decorreu da natureza das experiências vividas em terras gaúchas na virada do século, onde se combinavam lutas sociais avançadas com governos de esquerda, cujas marcas foram os orçamentos participativos (entre outras experiências de democracia participativa), a afirmação de direitos de cidadania e políticas inovadoras de inclusão social.
Dessa forma, o processo do FSM em Porto Alegre propiciou a criação do FAL, o Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social e a Democracia Participativa, articulando desde 2001, uma rede de cidades e governos locais comprometidos com os valores e as iniciativas do Fórum Social Mundial. Essa rede de autoridades locais democráticas e internacionalistas promoveu encontros em Porto Alegre (2001, 2002, 2003 e 2005), em Florença (2002), em Saint Denis, (2003), em Barcelona, Quito e Londres (2004), em Caracas (2006), em Nairóbi (2007) e em Belém do Pará (2009). Nos últimos anos, essa rede tornou-se uma verdadeira “rede de redes”, agrupando cidades metropolitanas de periferia (que realizaram com sucesso o I FALP de Nanterre em 2006), redes de orçamento participativo no Brasil, em Portugal, na Espanha e na Itália, observatórios e organismos de cooperação descentralizada, com presença e atuação em diversos continentes e regiões do planeta.
O FSM foi, ao longo desta década de existência, se modificando, sem perder sua identidade original – a sua Carta de Princípios continua sendo a referência comum para todos e todas que constroem juntos esse processo -, ou seja, a de um espaço de auto-organização das entidades e movimentos da sociedade civil que se colocam o objetivo de lutar por outro mundo, em que as terríveis conseqüências sociais e ambientais da globalização capitalista sejam superadas. O Fórum saiu de Porto Alegre para realizar-se nos diferentes continentes (Américas, Europa, África e Ásia) e voltar, este ano, à Belém, na Amazônia brasileira. Passou a se realizar não apenas como evento mundial, mas também através de fóruns continentais, nacionais, locais e temáticos.
O mundo mudou desde o início da década, e o FSM foi um dos atores principais de algumas das melhores mudanças. Tornou-se lugar comum afirmar que o século XXI iniciou marcado pelos atentados de 11 de setembro contra as torres gêmeas em Nova Iorque, mas na verdade o novo século começou em janeiro, no verão de Porto Alegre. Pelo menos para aqueles que acreditam na utopia de um projeto de civilização alternativo para a humanidade e lutam por “outro mundo possível”. Em 15 de fevereiro de 2003, milhões de pessoas em todo o mundo se manifestaram pela paz e contra a guerra organizada pelos EUA no Iraque, naquela que foi a maior mobilização cívica de massas da história em um único dia. Essa idéia foi gestada um ano antes, no Fórum Social Europeu de Florença, e seguida de impressionantes manifestações antiguerra nos vários continentes, sendo ratificada e potencializada pelos mais de 100 mil participantes do III FSM de Porto Alegre.
O Fórum Social Mundial fez história. Esta rica trajetória exige agora uma reflexão mais sistemática, capaz não só de avaliar o que fomos capazes de realizar nesses 10 anos, mas também projetar possíveis caminhos futuros. E por isso nasceu essa idéia de realizarmos uma edição comemorativa, ao mesmo tempo reflexiva e voltada para pensar estratégias e alternativas para o presente e o futuro do nosso movimento, na região metropolitana de Porto Alegre, onde tudo começou. Pretendemos assim, através de metodologias democráticas e participativas, contribuir coletivamente para os debates dos diversos Fóruns Sociais que se realizarão de forma descentralizada ao longo de 2010.
Pois, para nós é inegável que o Fórum Social Mundial, como movimento internacionalista que luta pela paz e contra a guerra, que defende a solidariedade entre os povos, os direitos humanos e a preservação ambiental do planeta, utilizando como método a democracia participativa, e reunindo ao mesmo tempo dalits (a casta inferior na Índia) e ganhadores do Nobel, ONGs e movimentos sociais de todos os continentes com o pensamento crítico, contando com o apoio de governos e de partidos progressistas, representa um projeto de futuro universal para a humanidade.
* Assessor de Cooperação Internacional
Prefeitura de Canoas
Fonte: http://fsm10.procempa.com.br/wordpress/?p=402