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MILITÂNCIA ECOLÓGICA E LUTA SINDICAL NO CAMPO
Ano 4 - Nº 18
Dezembro de 2009
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810)
_Artigo
 
Do campo e das lavouras: notas sobre sindicalismo rural e seus desdobramentos no território de Itaparica
Por: Jorge Atílio Silva Iulianelli

Este texto é um ensaio curto. O objetivo é discutir duas questões: como as disputas de hegemonia alteram o funcionamento dos aparelhos burocratizados e como os apelos da realidade, sendo mais dinâmicos que as capacidades políticas de instituições tradicionais, fazem com que surjam diversas e divergentes respostas sociopolíticas. Esta interpretação, que se dá em duas partes, opta por duas narrativas, uma novelística, em três capítulos, e um conto. Na primeira se observa como a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) alterou-se nestas últimas três décadas, e o que isso pode representar em termos de legitimidade política. Na segunda se observa o que isso tem que ver com o Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco em termos de enfrentamento para a consolidação da legitimidade política.
No primeiro caso, o olhar estará dirigido mais para os processos de construção histórica do projeto da Contag - que nestes 46 anos de história se reinventa sempre - e mais recentemente em meio a uma disputa de hegemonia interna muito relevante, para pensar os papéis políticos de macroinstituições no cenário nacional. No segundo caso, nosso olhar estará mais dirigido ao território de Itaparica e aos fenômenos mais recentes que interferem nos procedimentos do Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco. Por conseguinte, este texto não é mais que uma provocação, porém, não é menos que uma análise interpretativa da interpenetração de processos políticos entre instituições congêneres e afiliadas (se não efetiva, ao menos afetivamente).
A história do sindicalismo rural remonta ao processo de organização dos trabalhadores livres do campo e ao rearranjo da mão-de-obra camponesa oriunda do processo de escravidão. Ou seja, o capitalismo brasileiro é inexplicável sem a organização capitalista da propriedade rural, e sem os modos de exploração capitalista do corpo de mulheres e homens camponeses. O detalhe que Marx não nos deixou de explanar, é que o modo de produção camponês, conquanto conviva com o modo de produção capitalista, a ele nunca se subordina totalmente. Todavia, cada vez mais a besta-fera - para usar uma metáfora de Otávio Velho - sempre esteve presente nos conflitos camponeses. Isso nos deixa uma marca muito distinta do mundo camponês no Brasil, como espaço de conflitos: pela propriedade, pelos modos de produzir, pela inserção nos mercados e pela ocupação da terra. A questão agrária está na base da definição e constituição do sindicalismo rural brasileiro.
Este ensaio não retomará análises sobre a formação do sindicalismo rural brasileiro (recomendamos a leitura de MEDEIROS: 1989 e 1990). Vale recordar que o Estado brasileiro foi o principal fautor do sindicalismo de unidade territorial e de representação universal de categorias. No caso camponês precisamos recordar o incauto esforço do Estado em promover a harmonização entre capital e trabalho no campo. Temos também que notar que os conflitos e lutas de poder internas aos movimentos sociais no campo não são novidades. Porém, não precisamos aqui remontar aos modelos de organização do século XIX, será suficiente ficarmos atentos aos processos contaguianos das últimas três décadas.

Apuros contaguianos: novela em três capítulos

Poderíamos contar essa história como uma narrativa novelesca, em três capítulos. No primeiro capítulo temos a aventura da tomada do aparelho Contag pelas forças advindas da luta pela democratização. O segundo capítulo é o dos deslocamentos internos, que ocorrem em duas direções, no vento dos movimentos sociais, e no vento da agricultura familiar. O terceiro capítulo é mais recente, pode ser caracterizado como o do quebrar de vidraças internas, e no centro do processo está a reconfiguração das centrais sindicais. Essa novela, no entanto, ainda não tem uma finalização. Ela está se produzindo. Parece até mesmo com as novelas da teledramaturgia nacional que dependem do índice de aprovação de assistência para terem definidos os seus rumos.
Seguindo, assim, a metáfora da novela, olhemos capítulo por capítulo – sempre sucintamente. A luta pela redemocratização no sindicalismo rural foi promovida, sobretudo, a partir dos espaços eclesiais – mais ainda dos espaços das comunidades eclesiais de base. Naquele momento isso ocorre numa sintonia muito grande com a construção da oposição sindical no espaço urbano, sobretudo no ABC de São Paulo. Essa junção entre uma ideologia messiânica das comunidades de base, o enfrentamento com os estertores da ditadura, e a organização de um novo sindicalismo no Brasil, explicam como a Contag, em 1981, é reinventada. Também explica porque durou até 1985 o processo de deliberação interno à Contag para a sua filiação à Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Numa sinopse muito resumida do capítulo, temos que perceber a existência de muitos heróis: são camponeses de todo o Brasil com lutas muito específicas, desde luta em favor da Reforma Agrária, no Sul, até a luta em favor dos Povos da Floresta, no Norte. Isso passando por diferentes tensões na organização do principal setor contratante de mão-de-obra agrária, o setor sucro-alcooleiro (São Paulo, Nordeste). E, ao mesmo tempo, a aparição de um setor de ocupação territorial com baixa intensidade de exploração de mão-de-obra, o setor de grãos (soja). Recordemos ainda que na década de 1980 a expansão agrícola como meio para o controle das fronteiras era um objetivo perseguido pela ditadura militar. É esse o contexto no qual a Contag é refundada, buscando processos de democratização, com vários sindicalistas oposicionistas aos interventores e seus asseclas.
O segundo capítulo vai nascer aí, quando as questões específicas começam a ficar mais agudas. Como resolver o projeto de expansão energética que implica em deslocamento compulsório de massas populacionais? Como lidar com um Estado que aprova um Estatuto da Terra sem fazer avançar um milímetro a tal finalidade social da terra, a tal Reforma Agrária? Efetivamente, o Movimento por Atingidos pelas Barragens (MAB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) emergem nesse ponto. Temos que notar o papel imponderável que cumpriu a Comissão de Pastoral da Terra, que era muito ecumênica nessa ocasião, para essa configuração de novos atores. Além desses, emergem em vários espaços movimentos de mulheres camponesas, exigindo direitos, como o das mulheres quebradeiras de coco de babaçu.
O capítulo é longo. E vai se descortinando uma Contag híbrida (vale ver o texto de Novaes: 1991 sobre as disputas internas na Contag). Em que sentido? No sentido que ela assume a existência desses movimentos sociais como uma necessidade histórica, sem, no entanto, assumir totalmente as pautas políticas desses movimentos com a mesma intensidade. A pauta fundamental será a dos direitos laborais dos camponeses, e da identificação de um setor prioritário: a agricultura familiar. Esta lógica de afinidade eletiva da pauta política da Contag com a dos movimentos tem, por outro lado, uma influência no destino político da Contag. A questão de gênero ingressa no terreno da política sindical de modo substantivo, alterando o patriarcalismo e o androcentrismo histórico do sindicalismo rural. E a questão agrária, quer na ótica da ocupação da terra, quer na ótica da mitigação de danos causados pelo processo gerador de energia hidroelétrica, passam a permear as discussões e decisões internas da Contag.
Talvez aqui, a gente possa olhar mais um desdobramento do segundo capítulo. Ele é o desdobramento de um conjunto de disputas políticas que tem que ver com a burocratização do carisma daquele movimento de redemocratização, do primeiro capítulo. Por outro lado, é fruto de uma leitura que indica a necessidade de sindicalismo de especificidade. Isso nos levaria longe demais para o nosso propósito. Porém, precisamos esclarecer que quando se fala em sindicalismo de trabalhadores rurais, essa categoria, trabalhador rural, possui um espectro extremamente amplo. Falarei apenas de três tipos pertencentes à categoria para termos uma noção disso. Ela inclui o agricultor familiar, que em outras ocasiões tenderíamos a chamar de camponês – já isso é um campo de disputa político-semântica que demanda um cuidado analítico intenso, que vou nos dispensar neste ensaio. Um segundo tipo é o do trabalhador rural que trabalha para alguém, que o (sub)contrata, e que pode ser caracterizado como bóia-fria, e que era o mais comum na cadeia sucroalcooleira até bem recentemente. Um terceiro tipo é dos pescadores artesanais, que trabalham nos rios (ribeirinhos), ou nos mares (caiçaras). Esses três tipos possuem características muito distintas, e necessidades muito específicas, e, no entanto, conformam a categoria sindical de trabalhadores rurais.
Por isso, quando neste segundo capítulo, ao lado dos movimentos sociais do campo, que se articulam de forma independente do sindicalismo rural, emerge uma proposta de sindicalismo de agricultores familiares, uma das chaves-de-leitura que permite interpretar é a da luta por direitos específicos. Porém, aqui, há mais embroglio. Porque essa construção do que veio a ser a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) nasce no Sul, em Santa Catarina? Porque já havia uma disputa por hegemonia nos sindicatos de trabalhadores rurais daquela região, entre o corporativismo sindical, acomodado com o contribuição sindical – advindo sobretudo da contribuição da aposentadoria rural; e os setores cutistas que desejavam pleitear mais políticas específicas para a agricultura familiar.

O surgimento da Fetraf correspondeu a um processo interno na Contag de disputa pela hegemonia interna entre correntes vinculadas a projetos político-partidários (Cf:Venceslau: 1989). Além disso, a emergência do governo Lula favoreceu o apoio, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a políticas para a agricultura familiar que faziam parte do pleito do sistema Contag, e, ao mesmo tempo, do sistema Fetraf. Neste momento do capítulo joga um papel importante a Central Única de Trabalhadores (CUT). Qual o relacionamento da CUT com os trabalhadores rurais? A CUT tinha criado o Departamento de Estudos Sindicais Rurais (Deser). Não é por um acaso que lideranças e assessores da Fetraf advirão desse embrião, assim como não é por um acaso que isso melindrará as relações da Contag com a CUT. E em dois Congressos a moção em favor da desfiliação da CUT foi votada.
O fato é que a Fetraf se expandiu num projeto de cooptar uma parcela do sindicalismo contaguiano para a estratégia de um sindicalismo da agricultura familiar, como a retirar essa parcela da categoria trabalhadores rurais da órbita de influência da Contag. Como se a leitura fosse: trabalhadores rurais sem-terra se articulam em movimentos próprios; trabalhadores rurais atingidos por barragens, também... então, agricultores familiares deveriam ter um sindicalismo rural específico. Esse campo de disputa está em aberto. E abriu um outro, um campo interno à Contag, um quebrar de vidraças. Porém, isto é um outro capítulo.
O terceiro capítulo é mais complexo. Não poderíamos considerar que algum dos outros capítulos se deram sem ele. E tem que ver com a construção da hegemonia interna à Contag, com os processos de disputa na formação da CUT – e aqui precisaríamos vislumbrar ao menos o surgimento da Força Sindical, em oposição à CUT, e os papéis do PCB, PT e PCdoB, naquela ocasião... Enfim, é um cipoal danado, é pau de dar em doido. Nosso ensaio, para o espaço que nos propomos, não tem condições de se aventurar nessas águas. Por isso, faço um convite: imagine que a Contag quando se filia à CUT desprezou a Força Sindical. Isso quer dizer que na Contag se uniram várias forças que eram opositoras da Força Sindical. Porém, isso não que dizer que havia um projeto unívoco de sindicalismo rural na Contag. Se podemos ter esse acordo interpretativo, será mais fácil argumentar sobre as dissensões internas a que estou chamando de vidraças quebradas.
Na Contag o processo de oposição interna levou à disputas e composições. Até que a CUT e o governo Lula passaram a ter um comportamento tão gentil um com o outro, que o universo das centrais sindicais se desequilibrou – mais ainda quando da discussão sobre a reforma sindical, e na discussão sobre a parcela da contribuição sindical destinada às centrais. Essa é a brecha que permitiu a constituição da Nova Central e da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB), vinculadas, respectivamente, ao Psol e ao PCdoB. Ficou, então, evidente, a partidarização aguda do sindicalismo de centrais – algo que merece uma apreciação específica, a qual não daremos aqui. Isso vale um estudo sobre o leninismo na orientação do sindicalismo brasileiro.
Neste mesmo processo, a Contag avançou construindo uma política de reforma agrária que, por um lado, negocia com o Estado pelas vias formais e, por outro, assume o protagonismo de ocupações de terra. Também manteve os momentos de concentração de massa, como a Marcha das Margaridas, todo dia 8 de março, sempre evocando a memória da líder camponesa Margarida Alves. E mantém o Grito da Terra, como momento no qual são apresentadas as reivindicações dos trabalhadores rurais à sociedade e ao governo federal. Neste sentido, a Contag tem mantido uma postura de catalizador do interesse de parte significativa do campesinato brasileiro.
Retomando o nosso terceiro capítulo, a Contag passou a ter dois enfrentamentos. Externamente, o sistema Fetraf deixava em aberto se a Cut, da qual a Contag era filiada, a apoiava ou estava em apoio ao recém surgido sistema Fetraf.  Internamente, ficava o flanco aberto para aqueles que identificavam a CUT como um aparelho de retransmissão das políticas governamentais, sem questionamento. Esse duplo campo de tensão enfraqueceu o grupo contaguiano, que tinha mais proximidade com a CUT. O grupo mais vinculado ao PCdoB e a CTB conseguiu fazer com que a moção em favor da desfiliação da CUT fosse aprovada no último Congresso. E que rumos isso indica? Bem, essa nossa história impressionista fica por aqui, não faremos maiores interpretações desse processo.
Porém, o que essas impressões nos indicam? Primeiro, que houve ao longo dessa história da Contag um processo de burocratização do carisma da geração que lutou pela redemocratização, sobretudo com o advento do governo Lula. Em segundo lugar, que o sistema Contag é um híbrido dado à sobrevivência com a multiplicidade de atores no mundo camponês – o que leva a pensar que existe a necessidade de uma macroestrutura como a Contag num cenário com o do capitalismo agrário brasileiro. Em terceiro lugar, que as disputas internas na Contag sempre terão algum reflexo para os atores do campo no qual ela atua. Finalmente, que a aparição de novos atores trazem para o sistema Contag a necessidade de incorporação de pautas, agendas e debates.

Algumas inflexões dos processos contaguianos em Itaparica
Faremos essa abordagem um pouco distinta da anterior. Não vamos repetir a metáfora da novela. Como num conto, distinguiremos os dilemas que o Pólo Sindical das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco (Pólo) têm enfrentado, e como esses dilemas recebem insumos da história da Contag. Como está bem demonstrado por Lia Correa (Araújo: 1986), o Pólo se constituiu como uma organização sui generis. Essa organização foi estruturada a partir de um embate concreto, a construção da barragem de Itaparica, que iria deslocar 6 mil famílias de trabalhadores rurais dos estados da Bahia e de Pernambuco, das margens do rio São Francisco.
A gênese do Pólo, como se sabe, aglutinou os esforços de mobilização de populações, combinado à tomada das direções dos sindicatos de trabalhadores rurais (Sttr) da região. O principal ator dessa empreitada era a CPT-BA, do lado baiano, e agentes de pastoral rural, do lado Pernambucano. Tal construção se dava em contraposição à organização formal do sindicalismo, que pressupunha o Pólo como estrutura de uma determinada federação, não de duas. No entanto, o Pólo de Petrolândia, como ficou conhecido, conquanto participasse da estrutura formal da Fetape, era também algo aninhado na estrutura da Fetag-BA.
Do ponto de vista da estrutura foi uma aposta política vincular a luta de Itaparica àquela do movimento sindical. Porque antecede ao Pólo a existência do Centro de Defesa de Direitos Humanos, que lidava com a luta dos atingidos pela barragem. Os autores dessa luta, porém, avaliaram que era uma luta de classe, que opunha aos interesses das camponesas e camponeses os interesses do Capital (pela produção de energia), com a interveniência do Estado (aliado ao Capital, representado pela Chesf). O resultado imediato da luta foi uma conquista, até então inédita: os camponeses conquistaram o direito de reassentamento irrigado para as famílias atingidas pela Barragem. O processo da luta para a conquista do direito durou entre 1979 e 1986, e o processo de efetivação do direito dura daquela época até agora, em 2009, sem que todo o sistema Itaparica esteja operando, e tendo passado por um longo processo de contra-reforma agrária implementado pelo governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso.
Nos primórdios do Pólo ele era articulador de três frentes de luta na interação com o movimento sindical: o sindicalismo rural, a formação da central única e com os movimentos sociais do campo. As lideranças do Pólo, como parte da oposição sindical, cooperaram com o processo de fundação da CUT. Como parte da família dos sindicatos de trabalhadores rurais cooperou com o fortalecimento da Contag. Com atingidos pela barragem de Itaparica foram fundadores do Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB). Entre os primórdios e a contra-reforma agrária de 1997 o Pólo teve como opositores diretos, em relação aos direitos conquistados, a Chesf, como representante do governo brasileiro, o Banco Mundial, a desarticulação cotidiana, e a presença do plantio de maconha – como um elemento agregador de violência letal na região.
Essa história da gênese do Pólo explica uma interação tensa com o movimento contaguiano. Pois, para as federações a estrutura do Pólo não correspondia ao seu modelo territorializado. Por outro lado, o foco da luta também não correspondia ao principal eixo articulador da luta sindical rural, porque estava vinculada à construção da barragem e seus efeitos. O mote da luta de terra por terra na beira do lago, porém, foi se modificando com agregações ao longo da história do Pólo. Sua função foi se modificando. Ele não era mais o articulador da conquista de reassentamento irrigado. Passava a ser o mobilizador para que o empreendimento Itaparica, como ação produtiva de agricultores familiares, tivesse êxito.
Nas quase três décadas seguintes à conquista do reassentamento irrigado, o Pólo se viu ampliando suas articulações para os agricultores familiares da área seca. Em muitos casos, isso implicou em ter que enfrentar o dilema da territorialidade questionada pela emergência das identidades indígenas: Truka, Pankarare e Pankararu, foram os primeiros; mais recentemente há os Tumbalala. Toda essa configuração territorializada de disputas de ocupação de espaço têm ainda dois agregados: a ocultação de áreas do cultivo de maconha (sobre este tema recomendamos leitura de artigos do autor no boletim eletrônico drogas e violência no campo: www.koinonia.org.br/bdv) e o soerguimento da identidade quilombola. Não é um acaso que, em meio ao processo de contra-reforma agrária no final dos anos de 1990, os conflitos territoriais também tivessem que lidar com uma ocupação de terra do MST dentro dos limites destinados à produção de um dos projetos de reassentamento irrigado conquistados – neste caso, em Petrolândia.
Alguns desses conflitos se diluíram, outros se intensificaram. O último deles se diluiu totalmente, o MST se deslocou da região – depois de várias negociações com o Estado de Pernambuco. As questões indígenas têm graus diferenciados de tensão, atualmente a mais acentuada é com os Tumbalala, sem uma solução de curto prazo em vista – porque o direito ancestral se sobrepõe ao direito conquistado pelos reassentados, porém estes precisam ter uma solução ao processo. Em meio a este conjunto de conflitos emergem crises. A mais grave é relativa ao processo de representatividade. Aqui temos dois movimentos. O Pólo precisa afirmar sua legitimidade diante da concorrência por representatividade, por um lado; por outro lado, as novas representações necessitam de alianças de força.
Na disputa pela legitimidade o campo de alianças tem um quadro específico. O principal elemento desse quadro é a referência ao mundo sindical – isto tem que ver com a queda do peso político das experiências vinculadas à igreja romano-católica na região, e no campo, de uma forma geral. Por isso, a referência de pertença ao movimento sindical rural será a base da legitimidade do Pólo. Isso lhe deixa tomar por parte da Contag e, em especial, da Fetape, esta base de significação e apoio político.
Para essa reflexão tomemos de empréstimo a Berger os conceitos de exteriorização e internalização, fundamentais para a construção social da realidade e das identidades dos atores políticos. Ou seja, a exteriorização da identidade do Pólo se referenda em sua pertença ao sistema Contag. E a internalização se dá em duas frentes, numa ele é o legítimo representante dos trabalhadores rurais nas relações com o Estado brasileiro, o que vale para as negociações com a Chesf e a construção do território (do MDA)  e depois território da cidadania de Itaparica – tanto para o governo federal, como para o governo do Estado da Bahia – que na sua descrição do território de Itaparica inclui os municípios de Pernambuco. A outra frente da internalização se dá nas relações com os trabalhadores rurais, não mais apenas com os reassentados irrigados, senão com os pequenos produtores que constroem cisternas, com a organização das mulheres nos STTRs, com a articulação da juventude como novo ator do movimento sindical rural, etc.
Esta segunda frente do processo da legitimidade construída à base da internalização será esgarçada por vários movimentos. Por um lado, os processos internos da Contag geram questionamentos, a base do movimento, em especial em Pernambuco, está totalmente afeita à manutenção da filiação à CUT. No caso da Bahia, alguns dos diretores baianos do Pólo fizeram parte da constituição da diretoria da Fetraf-BA, o que de per se gerou incômodos internos. Porém, não apenas isso, ainda há o conjunto das ações governamentais na região que questionam o poder de mobilização e articulação deste Pólo. Desde o segundo mandato do governo Lula as ações com vistas à efetivação da Transposição do São Francisco, e para a exploração do potencial energético do rio São Francisco, por meio de construção de novas barragens, ditas de pequeno porte, abrem questões profundas sobre como os direitos das populações camponesas serão preservados.
Se a história interna do Pólo ainda tem fôlego isto é devido à necessidade histórica de intervenção de uma tal organização como defensora de direitos das camponesas e camponeses sertanejos. Seguramente, o investimento educativo em formação de quadros jovens é um elemento necessário para assegurar que exista capilaridade de representação e fortalecimento de incidência pública e política das ações motivadas a partir do Pólo. Entretanto, essa reflexão engendraria novos esforços interpretativos que cremos não serem mais possíveis aqui. Fica, portanto, a afirmação de ser a legitimidade política de uma organização camponesa, como o Pólo Sindical, um balão de teste para o aprofundamento do papel político de macro-organizações como a Contag, ou para a sua transformação numa miríade de instituições que sejam capazes de lidar com as difrentes lutas sociais camponesas.

À guisa de conclusão
De qualquer maneira, os movimentos sociais do campo, inclusive o sindicalismo de trabalhadores rurais, têm que lidar com os fatos de redução constante da população camponesa – seu envelhecimento e feminilização. Por outro lado, a expansão territorial da produção de transgênicos, em muito superior à produção de agricultura orgânica, e a mecanização do setor sucroalcooleiro farão da empresa capitalista no campo, cada vez mais, uma empresa com reduzida absorção de mão de obra. Resta saber como os efeitos das mudanças climáticas – que supõem, até, o deslocamento de 10 milhões de nordestinos, nos próximos 30 anos – afetará este regime de relações sociais camponeses e do capitalismo rural. Os desafios para a interpretação sociológica desses processos são minimamente tremendos.

Bibliografia:
ARAUJO, M.L.C.C. Na margem do lago: um estudo sobre sindicalismo rural. Recife: UFPE, 1986. Dissertação de Mestrado.
MEDEIROS, L. S. História dos movimentos sociais no campo. RJ: Fase, 1989.
______________ . Sindicalismo no campo. CEDI, Cadernos do CEDI (20). RJ: CEDI, jan. 1990
NOVAES, J.R.P. Disputa sindical no campo: quem fica com a Contag? Tempo e Presença 13 (259), pp. 14-7; RJ: CEDI, 1991.
VENCESLAU, P.T. Trabalhadores: sindicalismo rural – limpar o terreno. Fundação Perseu Abramo: 30 junho 1989, disponível em http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=486

* Filósofo, educador popular e assessor em KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviço.