O TRD entrevistou, em 2005, o juiz da comarca de Petrolândia (PE), Maurício Santos Gusmão Júnior. Apesar de exercer a função há apenas dois anos, naquela época, possui informações importantes sobre os processos ligados à economia de drogas da região do Polígono da Maconha. O juiz, de trinta e um anos, julga processos dos municípios de Petrolândia e Jatobá (PE), e eventualmente de Tacaratu e Ibimirim, cidades também localizadas em Pernambuco.
TRD: Em relação a acusações criminais, quais foram os principais casos julgados pelo senhor?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Aqui, na cidade de Petrolândia, temos um índice elevado de furtos. Na região, há poucos crimes contra o patrimônio e existe, também, um número razoável de homicídios, crimes contra a vida.
TRD: Qual é a maioria dos veredictos?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: O veredicto final, em se tratando de crimes contra a vida, é dado pelo Tribunal do Júri, ou seja, é a sociedade julgando os seus pares. Em relação aos demais delitos, de modo geral, há condenações e, também, absolvições, com número maior de condenações.
TRD: Após os julgamentos desses principais casos, houve alguma diferença no convívio social? Melhorou ou não?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Eu creio que o Poder Judiciário tem essa missão maior de aplicar a lei e restabelecer a paz social. As medidas decretadas na seara penal – sejam condenações, prisões cautelares: preventivas ou temporárias – todas têm, em última análise, como objetivo maior assegurar tranqüilidade à sociedade. Entendo que a presença firme e enérgica da Justiça tem diminuído, na medida do possível, os índices de criminalidade nos municípios de Petrolândia-PE e Jatobá-PE.
TRD: Em relação a ações de violência e agressão, quais são os principais casos que tramitam na Justiça?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Em relação à violência, temos muitos delitos de lesão corporal. Esses crimes são provocados, na maioria das vezes, por questões de somenos importância. Há casos de violência doméstica que não chegam à Justiça. Prova disso é que existem nesta Comarca poucos processos criminais referentes à violência cometida no âmbito familiar. São delitos que não vêm a público e têm por vítima a mulher ou os próprios filhos.
TRD. O Sr. acha que essas agressões envolvem muitos jovens da região?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Muitos jovens, com idade superior a 18 anos até 25, são vítimas ou autores de fatos delituosos concernentes à agressão (lesões corporais/homicídios). Penso que essa problemática advém de uma série de fatores, de natureza econômica e social, sobretudo no que diz respeito à educação.
É preciso dizer, também, que os municípios de Petrolândia-PE e Jatobá-PE precisam ser analisados de forma bastante peculiar. A implantação nesta região de empreendimento hidrelétrico pela CHESF gerou, sem dúvida, benéficos e, também, prejuízos.
Para Petrolândia, acorreram pessoas de diversos lugares em busca de melhores condições de vida. A construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica, batizada de Usina Luiz Gonzaga, representou novas oportunidades de emprego. Conseqüentemente, os índices de violência se elevaram. Há, ainda, outro aspecto que singulariza este município, sua localização geográfica, entre divisas ou nas proximidades de outros Estados da federação, Alagoas, Bahia e Sergipe. Isso propicia a vinda de delinqüentes de outras lugares e faz das rodovias rota do crime.
Daí por que nós do Poder Judiciário, juntamente com o Ministério Público, Policia Militar e Polícia Civil, temos lutado, incansavelmente, no combate à criminalidade.
TRD: Existem indícios de trabalhadores rurais envolvidos no plantio de maconha?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Difunde-se muito que Petrolândia está inserida no chamado Polígono da Maconha. Isso se deve, em parte, à idéia de que o Rio São Francisco facilita o plantio desse vegetal. Há, de fato, processos referentes a crime de tráfico ilícito de entorpecente, mas não em números tão alarmantes como se divulga, em patamar bem superior a outras Comarcas do Sertão pernambucano.
Quanto à participação de agricultores no plantio de maconha, é possível que em algumas situações exista tal auxílio. Teve um caso, aqui, em que foi encontrada uma plantação de maconha. À época, todavia, não me encontrava nesta Comarca. Não cheguei a presidir, de setembro de 2002 a agosto de 2005, processo instaurado em virtude de plantio de maconha. Houve processos de tráfico na modalidade de venda ou transporte de maconha em veículos, entre outras hipóteses.
TRD: Houve sentença relacionada a tráfico (art. 12 da Lei nº 6.268/76) e uso de drogas (art. 16 da Lei nº 6.268/76) na região?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Temos nesta Comarca ações penais versando sobre tráfico ilícito ou uso de entorpecentes, especialmente maconha. Ressalte-se que, às vezes, ocorre de o indivíduo ser denunciado como incurso nas penas do art. 12 e, ao longo da instrução criminal, constatar-se que não passa de mero usuário de drogas, o que determina a desclassificação da conduta para o art. 16 da Lei Antitóxicos.
Reclama-se do Juiz sensibilidade e suficiente discernimento para distinguir o tráfico do uso, porquanto se sabe que, em se tratando de tráfico ilícito, a lei é bem mais rigorosa. O art. 12 da Lei nº 6.268/76 é crime equiparado a hediondo; ao passo que o art. 16 do mesmo Diploma Legal, infração de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95).
É necessária, outrossim, a devida cautela. Alguém pode ser flagrado, eventualmente, vendendo um “papelote de maconha”. Tal conduta, embora seja enquadrada no art. 12 da Lei Antitóxicos, possui um grau de censura menor do que aquela de um narcotraficante, que comercializa drogas em grandes proporções. Cabe ao Magistrado, ao aplicar a pena, fazer tal ponderação.
Infelizmente, há processos nesta Comarca em que pessoas jovens, com idade entre 18 e 25 anos, estão sendo acusadas por envolvimento com drogas. Deixei de registrar, também, que tivemos uma grande incidência de jovens processados por porte ilegal de arma de fogo.
TRD: Existem ações do Estado nos níveis federal, estadual e/ou municipal para superação da violência na região?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Como já havia dito, o Estado, enquanto Poder Judiciário, tem procurado combater a criminalidade. No tocante ao aspecto preventivo, entendo que deveria haver uma presença mais efetiva do Estado, sobretudo no que respeita ao investimento em educação. É necessário, ainda, que o jovem tenha acesso a melhores condições de vida e trabalho digno, para que não veja na criminalidade meio de ganho fácil. Merece elogios, neste particular, o trabalho das organizações não-governamentais, como é caso da KOINONIA.
TRD: Na sua opinião, existe mobilização da sociedade civil na região para superação da violência?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Nós temos procurado isso. Creio que o Ministério Público, também. Nas escolas, são realizadas campanhas educativas sobre a questão da criminalidade, da violência no meio social. As ações, todavia, são poucas em face da problemática desta região. É difícil responder especificamente, devido ao pouco tempo em que estou nesta Comarca, são apenas dois anos. O Juiz está em permanente contato com o Conselho Tutelar deste município. Foi criado o Conselho de Jatobá-PE, medida muito positiva no que se refere à preservação dos direitos da criança e do adolescente.
TRD: Mas em relação à atuação da sociedade civil, com as ações das ONG`s?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Tive conhecimento apenas da KOINONIA. Outras entidades já estiveram aqui, principalmente nos idos de 1986 a 1987, quando da implantação da Usina de Itaparica pela CHESF. A mobilização social ainda é muito pequena. No interior, em cidades pequenas como Petrolândia e Jatobá, falta a muitas pessoas consciência plena dos seus direitos, do efetivo exercício da cidadania. É preciso que tenham essa consciência, para que possam reclamar do Poder Público ações em prol da coletividade no combate ao crime, promoção do bem-comum, assegurando a todos o direito a uma sociedade mais segura.
TRD: Na sua opinião que ações os jovens rurais poderiam realizar para a superação da violência na região?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Esqueci-me de citar uma importante iniciativa realizada na cidade de Jatobá-PE: a escola rural. Trata-se de estabelecimento destinado ao jovem do campo, em regime de internato. As crianças ficam, por cerca de dois ou três meses, internadas na escola rural, onde, além da educação formal, aprendem técnicas agrícolas, dedicam-se à prática de esportes, recebem alimentação adequada, cuidados com a saúde e a higiene pessoal. Passado o período acima, retornam a suas casas, a fim de aplicarem na prática aquilo que aprenderam na escola. O ensino tem uma vinculação muito grande com a realidade dessas crianças, o que facilita o aprendizado.
Voltando à indagação feita, penso que as carências dos jovens do meio rural são grandes. Ao invés de perguntar o que eles poderiam fazer para superação da violência, seria mais fácil questionar o que o Estado deveria fazer por eles. Com todas as adversidades próprias do Sertão, creio que o investimento em educação e a criação de novas perspectivas de vida diminuiriam a possibilidade de a juventude se enveredar pelos caminhos tortuosos do crime.
TRD: Então, o que o Sr. acha que o Estado poderia fazer para superação da violência?
Juiz Maurício Santos Gusmão Júnior: Repito que investir em educação e criar possibilidade de emprego é a saída mais acertada e eficiente para superação da violência. Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela juventude reside na falta de oportunidade para o trabalho. E isso só é possível investindo-se, também, no crescimento econômico da região. Impõe-se a inclusão social do jovem, para que possa desfrutar de uma vida mais digna, com respeito aos direitos e às garantias previstas em nossa Constituição Federal.
Esta versão da entrevista foi revista e editada pelo juiz Maurício Santos Gusmão em julho de 2006.