Resumo
A partir de uma experiência de nojo vivida no encontro com um jovem morador de rua, sob um viaduto da cidade de Porto Alegre, o autor busca problematizar as condições de emergência de determinados discursos de orientação neoeugênica. O passeio por distintas referências epistemológicas da Antropologia Social é disparado por um olhar sobre a dádiva em Marcel Mauss, passando pelo conceito de viscosidade em Sartre, sob as reinterpretações de Mary Douglas e Zigmunt Bauman, para finalmente chegar às leituras pós modernas de autores como o inglês Paul Rabinow e a argentina Paula Sibilia. No fim da jornada, uma pergunta: estaríamos ingressando numa era que extrapola a noção deleuzeana de sociedade de controle para níveis inscritos em uma sociobiologia das relações sociais?
Palavras Chaves: População de rua, Nojo, Biopoder, Sociedade de controle
Abstract
From an experience of nausea experienced in the encounter with a young of the street resident, under a flyover of the city of Porto Alegre, the author seeks to discuss the conditions for emergence of certain words for new directions guiding to racist ideas based in eugenics. The trip by the different references epistemological Social Anthropology is triggered by a look at the donation in Marcel Mauss, through the concept of viscosity in Sartre, as reinterpretations of Mary Douglas and Zigmunt Bauman, to finally reach the post modern readings of the authors such as Paul Rabinow (English) and Paula Sibilia (Argentinean). At the end of the day, a question: we are entering an era that goes beyond the notion of a society based on the ideas of the author Gilles Deleuze that keeps under control the levels registered in a sociobiology social relation?
Keywords: Street population, Disgust, Biopower, Control society
1. Introdução
Para iniciar sua densa reflexão sobre a vida, Giorgio Agambem busca três categorias gregas: zoé, bíos e homo sacer,todas do grego. Por zoé, Agambem refere-se à vida inadjetividada, comum a tudo que vive (animais, homens, vegetais, deuses). Já bíos está relacionada à forma de viver de um indivíduo ou grupo. O filósofo italiano vai dizer que enquanto uma zoé politiké não faria o menor sentido na Pólis, não foi outro o projeto do biopoder desde a modernidade sólida até os dias atuais (AGAMBEM, 2004, p. 9).
Apesar disto, Agambem discorda de Foucault quanto ao surgimento do biopoder, percebendo-o vivo já nas experiências de Estado greco-romano. Busca, então, no conceito de homo sacer, uma categoria capaz de iluminar processos extremamente complexos de governamento da vida:
Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio, na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que “se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida”. Disso advém que um homem malvado ou impuro costuma ser chamado de sacro (AGAMBEM, 2004, p. 196).
Agambem vai articular estes conceitos trazidos do universo clássico a um outro, oriundo de uma obra produzida na Alemanha pré-hitlerista por um especialista em direito penal e um professor de medicina ocupado de questões relacionadas à ética. O título da obra já nos indica o caminho que será seguido: “A autorização do aniquilamento da vida indigna de ser vivida” (AGAMBEM, 2004, p. 143).
O presente artigo busca dar vazão ao desconforto ainda não completamente digerido (efetivamente, talvez nunca o seja), provocado pela leitura de autores como Agambem, Foucault, Haraway, Sibilia, Rabinow e Le Breton. Não se trata do resumo de um estudo produzido a partir da vivência no campo, com um determinado grupo de nativos. Na verdade, estes escritos nascem da busca de um determinado referencial teórico a partir do qual poder-se-ia dialogar com um evento muito pontual, qual seja: um encontro de subjetividades ocorrido sob um viaduto da cidade de Porto Alegre, entre um estudante de Ciências Sociais, militante de um movimento social ligado à defesa de estratégias de educação popular na saúde, e um grupo de jovens em situação de rua, mediado por uma agente comunitária de saúde. Ao longo de seis meses, buscou-se olhar para este evento a partir de distintas possibilidades teóricas, a partir de distintos autores. Pensou-se em Mary Douglas com sua pertinente visão acerca do caráter simbólico da noção de limpeza na sociedade ocidental contemporânea; pensou-se em Sahlins e em sua idéia de estrutura do evento; pensou-se em Geertz e nas possibilidades de diálogo interpretativo com a realidade vivida, experimentada.
Nenhuma perspectiva, porém, provocou mais incômodo do que as reflexões sobre biotecnologia disparadas por Paul Rabinow.
Foucault, ao descrever as especificidades do biopoder, coloca-o em oposição ao Antigo Regime, onde o poder se manifestava no direito do soberano de dispor da vida dos súditos (2002, pp. 286 – 287). A partir da modernidade, teremos um poder envolvido com a tarefa de governar a vida, controlando seus processos biológicos, tanto na individualidade quanto em nível populacional (2002, p. 290). Tendo esta compreensão de biopoder como base, fazemos nossas as perguntas que Foucault fez a seus ouvintes na aula do dia 17 de março de 1976, na última aula do curso que ministrava no Collége de France:
Como esse poder que tem essencialmente o objetivo de fazer viver pode deixar morrer? Como exercer o poder da morte, como exercer a função da morte, num sistema político centrado no biopoder? (FOUCAULT, 2002, p.304).
Tentar responder estas questões, na verdade, é tão somente um modo de buscar organizar ansiedades dentro de minha própria desacomodação. Oxalá um movimento tão egoísta possa produzir algum efeito descentrado.
2. Definindo o outro e o outro “outro”
Antes, porém, de dar prosseguimento a este percurso, faz-se necessário uma definição minimamente aprofundada acerca de quem são os “outros” com quem me relaciono nas problematizações que serão apresentadas. Dizer deste modo, a bem da verdade, não coloca a questão nos termos em que desejamos. Não há aqui uma separação entre “problematização” e “apresentação do problema”: esta última, por si só, já resulta em uma problematização de complicado manejo. Afinal, a definição precisa entre sujeito e objeto é um desafio para a antropologia na contemporaneidade. Ainda mais quando este “objeto” é um ser humano, e o sujeito, outro. Neste diálogo de subjetividades, qualquer definição se torna imprecisa; muito mais uma opção do que um fato (AUGÉ, 1999, 51).
2.1 O outro
O primeiro personagem com o qual iremos nos relacionar atende por denominações diferenciadas: menino de rua, morador de rua, pessoa em situação de rua, mendigo, pivete. Magni (1994, p. 8) vai nos dizer que o emprego de múltiplas expressões para designar estas populações não é um privilégio nem do Brasil, nem da contemporaneidade. Estas diferentes denominações carregam consigo distintas ideologias, além de não estarem relacionadas às mesmas pessoas: sendo assim, vamos encontrar o termo “mendigo” sendo utilizado com maior intensidade na designação de adultos, ao passo que “pivete” está mais relacionado a crianças.
O termo “pessoa em situação de rua” é cada vez mais utilizado por técnicos e trabalhadores do campo da assistência social (assistentes e educadores sociais, psicólogos, militantes de organizações voltadas à defesa dos direitos humanos destas populações, bem como ao desenvolvimento de projetos de assistência social e de resgate de cidadaniai), e diz respeito tanto a uma opção por ver como temporária a condição destes sujeitos (GREGIS, 2002, p. 6), quanto a uma compreensão que busca tanto um olhar que rompa com a estigmatização, quanto à abrangência a uma maior quantidade de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Trocando em miúdos: por “pessoa em situação de rua” entende-se não apenas aquele sujeito que já se encontra morando na rua, quanto aqueles jovens que, por diferentes razões, passam o dia inteiro nas ruas. Dentre estes, vamos encontrar, por exemplo, jovens que pedem dinheiro nos sinais até altas horas da noite, eu mesmo ao longo de todo o dia, mas que em algum momento voltam para casa.
Os termos “menino de rua” e “morador de rua” dizem respeito, basicamente, às pessoas que encontram nas ruas seu local de moradia, ou, e em alguns casos talvez fosse mais apropriado dizer, que não possuem moradia. O que os diferencia é a idade. Não se usa o termo “menino de rua” para definir pessoas a partir de uma determinada idade, sendo esta categoria empregada na definição de crianças, e em algum nível, de adolescentes. O paralelismo com as categorias “mendigo” e “pivete” fica evidente, sendo que estas duas últimas carregam uma carga maior de marginalização no sentido criminal. Trata-se de termos carregados de uma carga pejorativa, não sendo jamais utilizados por pessoas engajadas profissional ou militantemente em atividades ligadas ao desenvolvimento de projetos voltados a estas populações.
Em alguns momentos, também utilizei a expressão americana homeless, que designa os “sem teto”, os “sem moradia”. A legitimidade desta terminologia pode ser medida inclusive pela existência, na cidade de Porto Alegre, de um “Programa de Saúde da Família Sem Domicílio”. E emprego do termo em inglês, em alguns momentos de nossa escrita, deve-se simplesmente a razões de fluidez do texto, ligadas à busca de expressões não repetidas.
2.2 O outro “outro”
O outro sujeito a ser observado sob a lente do olhar antropológico será o próprio antropólogo. A situação que gerou este estudo, engendrada no encontro de subjetividades entre um estudante universitário envolvido com um projeto de extensão e um jovem morador de rua, produziu alguns sentimentos bastante curiosos no primeiro. O fato de que naquele momento não havia em mim nenhum interesse de pesquisa antropológica daquela situação pontual, mas tão somente um interesse quanto ao trabalho dos agentes comunitários de saúde, possibilitou que a situação tenha sido vivida de maneira integral, intensa, sem filtros.
A opção por observar minha própria reação como objeto deste estudo, diz respeito à compreensão de que aquele sentimento possui algo de generalizável. Marc Augé (1999, pp. 57 – 59) nos fala de uma “antropologia de si mesmo”, de uma “etnologia em casa” emerge do reconhecimento das diferenças entre o “si-mesmo” e o “outro”, ocorrendo em simultaneidade à relativização destas diferenças, que só fazem sentido de modo relacional. Deste modo, percebo que o que me separa de meus concidadãos é muito tênue, permitindo o olhar sobre minhas emoções como sendo possíveis a qualquer outra pessoa.
Sob a lente do antropólogo, o sentimento do próprio antropólogo será visto em sua dimensão mais que humana, ou demasiadamente humana, para lembrar a expressão de Nietzsche. Lembro aqui do incômodo gerado em alguns setores da comunidade judaica internacional em face da abordagem sobre a personalidade de Hitler presente no filme “A Queda”. Neste filme, o ditador nazista foi apresentado, até o limite do possível, em sua dimensão de cidadão comum, com hábitos em nada diferentes de qualquer outro alemão da década de 40. Um Hitler bastante distante da dimensão monstruosa presente tanto na cinematografia quanto nos livros de história. A tese do diretor era a de que Hitler só fez o que fez porque era algo possível a um ser humano; não o fosse, e não teria sido feito. Deste modo, torna-se possível, inclusive, uma desadjetivação do termo “humano”, devolvido à sua simples condição de termo que refere determinado ato à sua dimensão humana, não como sinônimo de algo bom, ético, delicado, mas simplesmente como ação passível de ser executada por um indivíduo da espécie humana.
O sentimento vivido sob o viaduto, no encontro de subjetividades entre eu e um morador de rua, é um sentimento humano, em nada distante dos sentimentos passíveis de serem vividos por outros sujeitos de minha cidade, de meu tempo. Diante disto, opero uma generalização daquilo que senti.
3. Quando o incômodo suplanta o rito
Em 2005, aproveitei as férias de meio de ano para envolver-me em um projeto de extensão. O Programa Convivências possibilitava a quatro grupos de estudantes diferentes possibilidades de convívio: escola, comunidade urbana, comunidade rural e saúdeii. Coerente a minha trajetória acadêmica, profissional e militante, optei pela convivência em saúde, que se constituiu em um grupo de dez estudantes de diferentes cursos (pedagogia, ciências sociais, farmácia, medicina, filosofia e educação física), acompanhando o trabalho dos agentes comunitários do Programa de Saúde da Família (PSF)iii situado dentro do Centro de Saúde Modelo, nas proximidades do centro de Porto Alegre. Este PSF possui duas características que o diferenciam: a atenção a comunidades situadas no entorno do centro da cidade, quando na maioria dos casos o que ocorre é a existência do programa dentro de uma comunidade na periferia; e sua localização dentro de um outro serviço de saúde, quando normalmente o que ocorre é a ocupação de um prédio próprio.
Dentre os princípios norteadores do SUS, há dois que, de maneira especial, dão conta de aspectos que fazem com que o PSF tenha características específicas: universalidade e eqüidade. Enquanto o princípio da universalidade diz que a saúde pública é direito de todos, o princípio da eqüidade dá conta de que dentre este “todos”, é preciso priorizar àqueles que mais necessitam de cuidados. Em um país criminosamente miseráveliv como o Brasil, tal princípio resulta em um atendimento prioritário às populações excluídas, empobrecidas.
Segundo critérios geográficos e econômicos, o PSF Modelo é responsável pelo atendimento prioritário às populações de sete comunidades situadas no entorno do centro de Porto Alegre: Vila Planetário, Vila Renascença, Vila Lupicínio Rodrigues, Vila Zero Hora, setor próximo à antiga Casa Tigre, setor próximo à Rua Cabo Rocha e Condomínio Azenha. Para cada uma destas áreas, há um agente comunitário responsável. Esta centralização em uma única pessoa tem como objetivo facilitar a construção de vínculos. Além disto, convém frisar que estes trabalhadores foram escolhidos por processo público de seleção realizado dentro das principais comunidades da área de abrangência do PSF Modelov.
Há, no entanto, uma população que não está inclusa nos manuais que versam sobre o foco da atenção do PSF, e que é extremamente presente na área de abrangência desta equipe: as pessoas em situação de rua. Nas praças, cuidando de carros, dormindo sob viadutos, com diferentes idades e de ambos os sexos, os “moradores de rua” são uma constante no cotidiano do programa. Dentre os seis agentes de saúde, há uma com especial para a construção de vínculos com este público: seu nome é Sol.
Na quinta-feira, dia 28 de julho de 2005, acompanhei Sol em suas atividades junto a grupos de moradores de rua que circulavam nas proximidades do Centro de Saúde Modelo (mais especificamente na praça em frente ao Shopping João Pessoa, e sob o viaduto em frente à antiga Casa Tigre). Como tenho experiência no contato com este público durante o tempo em que trabalhei como agente redutor de danosvi, vi-me distribuindo preservativos e multiplicando informações de cuidado e de prevenção em DST/Aids. Sol me observava, enquanto preenchia alguns formulários necessários à inclusão das pessoas no cadastro do PSF; senti-me um objeto de pesquisa antropológica.
Saímos da praça, e fomos ao viaduto situado da confluência entre as avenidas Ipiranga e João Pessoa. Descemos por um acesso lateral, como quem fosse para o riacho, e fomos parar sob o viaduto. Encontramos algo entre quinze e vinte jovens em animada batucada. Um deles, ao ver-nos, afastou-se um pouco do grupo, deu-nos boas-vindas, e desculpou-se por não haver café pronto para nos oferecer.
Este estudo poderia restringir-se a uma reflexão sobre a dádiva, sobre o dar e receber, amparado em um diálogo com a obra de Mauss. A própria Sol, dias depois, diante de uma evocação daquela experiência, jogou seu foco sobre o aspecto da retribuição presente naquele ato de oferecer um café para quem está levando cuidado, atenção e preservativosvii. Disse que eles sempre tentam retribuir de algum modo, e que o café já havia aparecido em outros momentos. Trago, aqui, um trecho do sobrinho de Durkheim:
Se o presente recebido, trocado, obriga, é que a coisa recebida não é inerte. Mesmo abandonada pelo doador, ela ainda conserva algo dele (MAUSS, 2003, p. 198).
Achei este trecho extremamente interessante para construir uma ponte entre o olhar que Sol teve, próximo do pensamento de Mauss, e o sentimento que eu tive, sobre o qual pretendo exercitar esta escrita reflexiva. O presente recebido carrega sempre algo do doador. Mas – e sobre isto Mauss nada escreve no ensaio sobre a dádiva – o que ocorre quando desejamos nos afastar ao máximo do doador? O que ocorre quando sentimos asco daquele que nos oferta uma dádiva? Levávamos saúde, cuidados e preservativos para os jovens que se reuniam debaixo daquele viaduto, e isto, se lemos as palavras de Sol sob uma ótima maussiana, poderia ser considerado um dom. O contra-dom foi manifesto no desejo de oferecer-nos café. Havia algo de nosso nas dádivas oferecidas: nosso desejo de cuidado daquelas pessoas. E haveria algo daquelas pessoas no café oferecido: sua retribuição, sua gratidão.
Mas haveria algo mais. O sentimento que tive diante do desejo de oferta indicava uma outra percepção, de um outro hau que não o da gratidão e da retribuição. Um hau que decididamente eu não desejava. O presente conservava, sim, algo do doador. Algo que eu não queria receber.
4. Viscosidade e nojo (ou “não fale com estranhos”)
Mary Douglas, em “Pureza e Perigo”, dialoga com Sartre quando este, em “O ser e o nada”, estabelece uma metáfora filosófica para a viscosidade. Encontra ali Douglas uma figura capaz de opor-se tanto à sujeira quanto à limpeza, tanto ao líquido quanto ao sólido. Diz Douglas:
O viscoso fica no meio do caminho entre o sólido e o líquido. É um corte transversal num processo de mudança. É instável, mas não flui. É macio, é mole, cede ao toque. Não se pode deslizar na sua superfície. Cola, é uma armadilha, agarra-se como uma sangues-suga; ataca a fronteira entre mim e ele. Os longos fios que escorrem dos meus dedos sugerem a minha própria substância escorrendo para dentro de uma poça viscosa (DOUGLAS, 1991, p. 53).
O mecanismo através do qual Douglas foge da rigidez excessiva do pensamento estruturalista tradicional oferece uma possibilidade de entendimento para os sentimentos que fizeram com que eu, interiormente, buscasse um rompimento com o kula proposto pelo jovem que me ofereceu café sob o viaduto da Ipiranga com João Pessoa. A viscosidade, por não ser nem líquida, nem sólida, apresenta-se como algo indefinível, portanto assustadora. Mas não é só isto. Quando fala de algo do doador conservado no presente, de algum modo, Mauss possibilita uma leitura na direção indicada aqui, por Douglas, citando Sartre, ou seja: o café oferecido pelo jovem morador de rua, sob o viaduto em frente à antiga Casa Tigre, como contra-dom em resposta ao dom oferecido por mim através de preservativos e atenção à saúde, faria chegar até mim algo dele. E este algo foi percebido por mim com as mesmas características com as quais Douglas descreve a viscosidade. A xícara ou copo de café traria não apenas o líquido escuro e rico em cafeína, mas também a viscosidade da sujeira do local habitado por aqueles jovens. Traria a saliva nojenta de quem não toma banho e não escova os dentes. E o que é pior: tal substância gelatinosa ficaria colada em mim, contaminado-me, invadindo meu corpo, rompendo com as fronteiras absolutamente seguras que me fazem diferente dele.
Em “O mal-estar da pós-modernidade”, Zigmunt Bauman escreve um artigo dialogando com “Pureza e perigo”, de Mary Douglas, utilizando a metáfora sartreana da viscosidade para refletir sobre a produção de estranhos na modernidade líquida. Diz Bauman: “nada incita tão exaltada, licenciosa e desordenadamente à ação como o medo da dissolução da ordem, encarnada pela figura do viscoso” (BAUMAN, 1998, p. 42). Esta carona de Bauman em Sartre através de Douglas possibilita que naveguemos um pouco mais nas considerações que o sociólogo judeu-polonês (ele próprio um estranho para uma determinada ideologia), faz acerca dos estranhos:
A atenção agudamente apreensiva às substâncias que entram no corpo pela boca e pelas narinas, e aos estranhos que se esgueiram sub-repticiamente pelas vizinhanças do corpo, acomodam-se lado a lado no mesmo quadro cognitivo. Ambas ativam um desejo de “expeli-los do sistema” (BAUMAN, 2001, p. 126).
Quem é, em última análise, este estranho a quem se deseja excluir, eliminar, negar e apagar? Como se produz este estranho? A busca por respostas para esta pergunta, no caso específico dos moradores de rua brasileiros, nos conduz a um necessário olhar sobre as práticas higienistas que tiveram como momento-símbolo as políticas sanitárias que resultaram na Revolta da Vacina. Afinal, este receio em ter o corpo invadido por substâncias nocivas, perigosas, e de identificar tal experiência de realidade com um determinado conjunto de seres humanos, tão flagrantemente presente na experiência disparadora destes escritos, nos remete ao positivismo, e a sua reverberação sanitária presente no higienismo. O profissional mais representativo daquele momento, por certo, era o médico-sanitarista, que tinha poderes de polícia para reprimir à cadeia pobreza-sujeira-doença-marginalidade. A crença de que os odores pútridos exalavam miasmas pestilentos produtores de doenças já havia sido substituída pelas teorias de Pasteur acerca dos micro-organismos. Não obstante, o horror diante da pestilência – o mesmo identificado por Bauman – era ainda uma realidade no início do século XX, e é ainda hoje mola propulsora de um tipo bem particular de medo. Em Porto Alegre, não é improvável assistir agentes da vigilância sanitária utilizando fogo como meio de purificação de viadutos antes ocupados por homeless. O mesmo tipo de postura do poder público, ontem e hoje:
Na medida em que a casa “imunda e insalubre” do pobre é apresentada como origem da doença, da degradação moral e da ameaça política, eliminam-se os obstáculos ideológicos que se poderiam antepor ao desalojamento dos trabalhadores dos cortiços e favelas (RAGO, 1987, p. 176).
A idéia que se busca fixar, neste momento, portanto, é esta: a possibilidade de que a troca de preservativos por café deixa de manifestar seu potencial kula, justamente porque o manifesta. Em outras palavras, aceita-se a noção maussiana de que o presente traz um pouco da pessoa que o oferece, mas aplica-se a ela a idéia sartreana de que esta substância pessoal que impregna o presente, neste caso específico, é plena de viscosidade, representando perigo ao receptor. O presente carrega um hau indesejado.
Algo, porém, precisa ser dito: esta reflexão acerca do nojo, do medo e do desejo de afastamento articulados nesta sensação de viscosidade que frustra o kula - ou que no mínimo produz um ruído no kula - esta reflexão não constitui nosso objetivo. A leitura última que buscamos desta experiência vai para além da experiência de nojo, podendo no máximo estar relacionada a ela.
Até aqui, temos observado um outro que é o morador de rua, e temos tímida e precariamente, buscado estabelecer como se produz este outro, historicamente, engendrando um tipo de relação com este outro, inclusive por parte das políticas públicas, que o coloca na condição de um corpo biológico que oferece risco a quem dele se aproxima (FOUCAULT, 205, pp. 129 – 130).
Se a investigação com respeito às motivações subjacentes ao nojo e ao desejo de afastamento já é suficiente para provocar reflexões, apontando na direção de sentimentos que alicerçam a exclusão e a negação do outro, as próximas páginas vão apontar numa direção que poderia ser adjetivada até mesmo como perversa. Assim nos parece...
5. Eliminando manchas: Homo Sacer X Homem Pós-Orgânico
Nossa trajetória teórica teve início em Marcell Mauss e seu “Ensaio sobre a dádiva”, passando por Mary Douglas e sua leitura da metáfora sartreana acerca da viscosidade. Buscamos, com isto, “contaminar” a teoria maussiana, mostrando como, no evento gerador desta reflexão, a viscosidade contaminou o kula. Agora, novamente vamos provocar um deslocamento deste olhar para a antropologia pós-moderna, observando de que modo estas idéias podem estar relacionadas à negação dos “estranhos” por parte dos “semelhantes”. Vamos ver como o outro vira borrão, e como o semelhante vira ciborgue:
“A Solução Final Alemã”, observou a escritora americana Cynthia Ozick, “era uma solução estética; era uma tarefa de preparar um texto, era o dedo do artista eliminando uma mancha; ela simplesmente aniquilava o que era considerado não-harmonioso”. (BAUMAN, 1998, p. 13).
A fria noção de que o extermínio dos judeus não passava de um projeto estético provoca calafrios. A imagem do artista eliminando da tela um borrão é ao mesmo tempo perversa e perfeita, para dar conta do projeto eugênico. Bauman vai se inspirar um Douglas para nos dizer que sujeira diz mais respeito à desorganização que à falta de higiene. Sendo assim, bastaria ao projeto de purificação um deslocamento do borrão para um local onde ele não é mais um borrão, mas um traço harmônico. O problema é que isto nem sempre é possível; existem sujeiras para as quais não há lugar:
Há, porém, coisas para as quais o “lugar certo” não foi reservado em qualquer fragmento da ordem preparada pelo homem. Elas ficam “fora do lugar” em toda a parte, isto é, em todos os lugares para os quais o modelo de pureza tem sido destinado. O mundo dos que procuram a pureza é simplesmente pequeno demais para acomodá-las. Ele não será suficiente para mudá-las para outro lugar: será preciso livrar-se delas uma vez por todas – queimá-las, envenená-las, despedaçá-las, passá-las a fio de espada (BAUMAN, 1998, p. 14).
Ao falar de eugenia, de limpeza, de aniquilamento, Bauman está se reportando ao pesadelo moderno, e bastante especificamente ao nazismo. A emergência de novas pesquisas biotecnológicas, no entanto, abrem um campo de possibilidades neo-eugênicas de proporções ainda inimagináveis. Paula Sibilia, por exemplo, reporta-se a Michel Houellebecq, para dizer que o nazismo só fez atrasar o projeto eugênico, que chegou ao fim da segunda guerra mundial absolutamente desacreditado. Foi preciso esperar algumas décadas para que se pudesse retomar o projeto que, aliás, não foi uma criação de Hitler e seus pares (SIBILIA, 2003, p. 153).
O livro de Sibilia é tanto instigante quanto apavorante. Ao longo de suas pouco mais de duzentas páginas, a antropóloga argentina descreve novas tecnologias relacionadas a novas utopias políticas, morais e econômicas. Esta série de “upgrades corporais” pode ser dividida, segundo a autora, em prometeicas e fáusticas: por tecnologias prometeicas, Sibilia entende os avanços voltados à gradativa potencialização das possibilidades corporais; por fáusticas, tem-se a própria possibilidade de transcendência da condição humana. É o que a autora chama de “pós-organicidade” (SIBILIA, 2003, p. 13).
Sibilia inscreve esta discussão – e é aqui que ela se torna importante para o presente estudo – no seio de uma reflexão de características deleuzianas. Estes dispositivos estariam se infiltrando nos aparelhos de normalização e nas instituições disciplinares, para derrubar seus muros, explodir sua ordem e inaugurar uma nova lógica de poder, engendrando o que Deleuze chamou apropriadamente de “sociedade de controle” (DELEUZE, 1992, pp. 215 – 216). Nesta, a lógica mecânica, esquadrinhada, geométrica e analógica vai cedendo lugar a uma outra, de características digitais, fluidas, flexíveis e abertas. Prometeu por Fausto.
A vida, portanto, é o foco não só do biopoder da sociedade disciplinar, mas também o alvo da sociedade de controle. E qual a utopia desta sociedade acerca deste corpo, desta vida? O seu controle absoluto:
A promessa mais fabulosa da tecnociência contemporânea assim se anuncia: no processo de hibridização com a tecnologia, o corpo humano poderia se livrar de sua finitude natural. Com poderes que antes só concerniam aos deuses, os engenheiros da vida se propõem a reformular o mapa de cada homem, alterar o código genético e ajustar sua programação (SIBILIA, 2003, p. 54).
Loucura? Nem tanto. Dados estatísticos mostram que a expectativa de vida ampliou-se, do século XVIII até hoje, em pelo menos 35 anos. A imortalidade está na agenda de pesquisa de muitos cientistas. “Não é mais evidente que exista um limite para a expectativa de vida. Alguns pesquisadores sugerem que os homens poderiam viver duzentos ou trezentos anos, talvez ainda mais, com um alto grau de saúde e atividade”, diz Fukuyama (FUKUYAMA apud SIBILIA, 2003, p. 54).
Que homens? Quais os homens e mulheres que poderiam viver trezentos anos, com “saúde e atividade”? Que homens e mulheres teriam este direito? Afinal, se a expectativa de vida na contemporaneidade atinge os 75 anos, por óbvio ela subiria ainda mais se tal pesquisa fosse feita apenas na Europa e na América do Norte, excetuando-se o México. Ou mesmo no planeta inteiro, excetuando-se toda uma parcela da população mundial que percebe renda inferior a 100 dólares, e que vive afastada do acesso a políticas de saúde e saneamento básico. Em “O Jardineiro Fiel”, vê-se - com a liberdade poética a qual o cinema se permite - o quanto a vida de distintas populações pode ser valorada de forma diferente. A África tornou-se um imenso laboratório de pesquisas, e sua população, um rebanho de cobaias nas mãos da indústria farmacêutica, e isto não apenas segundo o thriller de Meirelles e Le Carré, mas com base em denúncias de organizações internacionais com o peso de uma TAC (Treatment Action Campaign)viii. Em artigo para o Le Monde Diplomatique, o médico e pesquisador francês lotado em Dakar, Jean-Philippe Chippaux, diz que tais absurdos só são possíveis devido a leis coloniais totalmente obsoletas, ainda vigentes na África. Os custos de pesquisa no continente negro chegam a ser cinco vezes mais baixos que em países desenvolvidos, e a fiscalização é feita tão somente por ONG’s. Isto sem falar nas condições epidemiológicas extremamente favoráveis para a realização de testes, com alto índice de epidemias de doenças “valorizadas”, como a Aids, sem nenhum tratamento ou atenção, que fazem dos africanos “cobaias diferenciadas”ix.
O conceito trazido à tona por Giorgio Agambem apresenta-se como fértil para a realização deste debate. O Homo Sacer, compreendido como aquele sujeito de quem se lhe pode tirar a vida sem nenhum prejuízo, ainda que tal ato não seja lícito. Esta figura do direito criminal romano é bastante controversa: por lado, se lhe confere sacralidade; por outro, se garante a qualquer sujeito a possibilidade matá-lo, sem sofrer por isto nenhuma conseqüência (AGAMBEM, 2004, p. 79). A sacralidade evocada no sentido da busca de garantias à vida humana sagrada, no direito romano significa quase que o contrário, ou seja: a vida sacra (ou vida nua), é a vida capturada junto ao bandox, e alvo de sujeição a um poder de morte (AGAMBEM, 2004, p. 91). A vida nua é, portanto, aquela vida individual ligada a um grupo excluído específico, a qual não se deve matar, mas que em se o fazendo, não acarreta em nenhum prejuízo (nem moral, nem penal, nem espiritual), ao executor de tal ato. Àquele que mata o Homo Sacer, nem a religião, nem o direito, nem a sociedade reservam qualquer punição moral, penal ou espiritual.
Trabalhamos, neste estudo, com a idéia de que as pessoas em situação de rua - seja em função do abandono ou de opção - podem ser enquadradas nesta definição. Dispõem-se da vida destas pessoas, e tais mortes não provocam nenhum tipo de furor punitivo, de indignação ou revolta, a não ser em uns poucos ativistas da luta por respeito aos Direitos Humanos. Em recente estudo apresentado no XVII Salão de Iniciação Científica da UFRGS, orientado pela professora Nádia Geisa Silveira de Souza, e produzido a partir da análise das notícias de morte publicadas nas páginas policiais de um grande jornal do Rio Grande do Sul, pude perceber o quanto de diferença existe entre os enunciados relacionados às mortes de jovens brancos de classe média, e os jovens negros das periferias de Porto Alegre. Com base em centenas de notícias, foi possível afirmar que existe um discurso que faz de algumas mortes, inaceitáveis, e de outras, não apenas aceitáveis, mas até mesmo desejáveis (PETUCO & SOUZA, 2005, p. 860). As similaridades são evidentes.
Implantes de células geneticamente modificadas, transformação na programação do DNA, preservação da mente para além do corpo, existência extracorpórea, circuitos eletrônicos feitos com tecidos vivos, moléculas de DNA integrando circuitos de computadores... Fim do corpo, fim dos limites espaço-temporais, fim da morte. Em que consiste a vida, quando a morte deixa de existir? Há vida quando não há morte? O que é vida, afinal? Maturana diz que se trata da capacidade de organizar informações, aprender e fazer escolhas, e que tal capacidade será determinada por um arranjo estrutural autopoiético (MATURANA, 1996, p. 73). Deste modo, é como se Maturana sociologizasse a biologia, ao contrário do que fazem muitos, mesmo dentro das próprias ciências sociais.
Aqui, creio, já produzimos as condições, dentro do precário arranjo de coerência que buscamos dar a estes escritos, para a inclusão de algumas considerações de Paul Rabinow. Já há alguns anos que o antropólogo se dedica justamente ao estudo do modo pelo qual estas transformações biotecnológicas podem alterar as formas de sociabilidade. A respeito do Projeto Genoma, pergunta: “O que é um mapa e que somos NÓS em ‘nossos’ genes? É a seqüência do DNA realmente a ‘linguagem da vida’? Testemunhamos uma mudança de época na relação com o mundo? Estamos a ponto de nos tornarmos ‘senhores da vida e da morte’? Em nome de que ética e política avaliamos estes desenvolvimentos?”(RABINOW, 2002, p. 10).
O artigo “Artificialidade e iluminismo: da sociobiologia à biossociabilidade” problematiza algumas das questões acima. Articulando Foucault e Deleuze, Rabinow alerta quanto ao fato de que as biotecnologias irão remodelar a sociedade e a vida de formas tão radicais, que farão com que os antigos projetos sociobiológicos pareçam coisa de amador, pois ainda que houvesse naqueles um embasamento de verdade, sua efetivação se deu muito em mais em metáforas biológicas, do que inspirada em práticas realmente sérias do ponto de vista das pesquisas de ponta da biologia, mesmo para os padrões da época (RABINOW, 2002, p. 143):
No futuro, a nova genética deixará de ser uma metáfora biológica para a sociedade moderna, e se tornará uma rede de circulação de termos de identidade e lugares de restrição, em torno da qual e através da qual surgirá um tipo realmente novo de autoprodução: vamos chamá-lo de biossociabilidade (RABINOW, 2002, p. 143).
Donna Haraway tem uma visão diferente acerca da produção desta pós-organicidade. Feminista, a professora do Departamento de História da Consciência da Universidade de Santa Cruz, Califórnia, defende o direito radical de uso, transformação e superação do corpo. Mas, antes que seu discurso possa ser identificado como uma defesa da tecnologia triunfante, ela alerta: “As coisas que estão em jogo nessa guerra de fronteiras são os territórios da produção, da reprodução e da imaginação. Este ensaio é um argumento em favor do prazer da confusão de fronteiras, bem como em favor da responsabilidade em sua construção” (HARAWAY, 2000, p. 42).
Em que pese a advertência, é impossível não identificar em Haraway um discurso simpático às possibilidades biotecnológicas, em oposição ao determinismo biológico. Poder-se-ia dizer, porém, que há aqui um retorno às origens da antropologia, onde uma crença quase darwinista na evolução das espécies se manifesta de maneiras inovadoras, mas com um toque de déjà vu:
Diferente das esperanças do monstro de Frankenstein, o ciborgue não espera que seu pai vá salvá-lo por meio da restauração do Paraíso, isto é, por meio da fabricação de um parceiro heterossexual, por meio de sua complementação como um todo, uma cidade e um cosmo acabados. O ciborgue não sonha com uma comunidade baseada no modelo da família orgânica mesmo que, desta vez, sem o projeto edípico. O ciborgue não reconheceria o Jardim do Éden; ele não é feito de barro e não pode sonhar em retornar ao pó (HARAWAY, 2000, p. 44).
O ciborgue não está sujeito à biopolítica de Foucault; o ciborgue simula a política, uma característica que oferece um campo muito mais potente de atividades (HARAWAY, 2000, p. 69).
Quanto à pretensa liberdade de escolha identitária apontada por Haraway como uma possibilidade de contra-poder, lembro Sueli Rolnik (1997), para quem consumimos “identidades prêt-à-porter” produzidas como “kits de perfis-padrão” (p.19 - 24). O título do seu artigo não poderia ser mais instigante: somos todos, cada vez mais, “toxicômanos de identidade”. Sendo assim, podemos nos perguntar: julgar o “outro” representados pelos moradores de rua só é possível em oposição a um outro “outro”, que sou em mesmo. E quem é este Eu que sente nojo diante do homeless? Como ele se constitui? Na modernidade, as ideologias nacionalistas permitiam tal produção. Na contemporaneidade, cada vez mais, acreditamos que as possibilidades de produção de corpos pós-orgânicos podem tornar este tipo de exclusão do outro cada vez mais radical.
Rabinow possui uma visão bastante diferente de Haraway. Não que exista ali uma defesa bucólica de um purismo orgânico. Efetivamente, não. O que há, isto sim, é uma preocupação com as possibilidades em termos eugênicos, e no modo como tais tecnologias vão se desenvolver em uma sociedade de capitalismo triunfante, no qual as mega-corporações agem com total desenvoltura, sem freios éticos ou legais. Um mundo onde os Estados demonstram-se incapazes de barrar, ou mesmo de simplesmente fiscalizar com alguma eficácia aos exageros do capitalismo globalizado.
Um dos campos onde se torna cada vez mais necessária a intervenção e fiscalização do estado e da sociedade, através de seus instrumentos de controle, é a saúde. A medicina, um saber-poder classicamente disciplinar, apresenta-se agora com potencialidades higienistas nunca dantes imaginadas, transformada em função de biotecnologias que engendram dispositivos de controle de características deleuzianas. Diante disto, a distância entre diagnóstico e tratamento, tão comum na contemporaneidade, desenha-se com cores radicais diante das tecnologias de manipulação genética (RABINOW, 2002, p. 144). Quanto à prevenção, tão propalada como modalidade progressista em termos de saúde pública, Rabinow diz:
Estamos aos poucos abandonando a antiga vigilância face-a-face de indivíduos e grupos já conhecidos como perigosos ou doentes, com finalidades disciplinares ou terapêuticas, e passando a projetar fatores de risco que desconstroem e reconstroem o sujeito individual ou grupal, ao antecipar possíveis loci de irrupções de perigos, através da identificação de lugares estatisticamente localizáveis em relação às normas e médias. Por meio do uso de computadores, os indivíduos que compartilham certas características podem ser agrupados de uma maneira que é não apenas descontextualizada de seu ambiente social, mas também não-subjetiva – no duplo sentido de atingida objetivamente e não se aplicar a um sujeito em nada semelhante ao antigo sentido da palavra, isto é, o sofrimento, significativamente situado, integrador de experiências sociais, históricas e corporais (RABINOW, 2002, p. 145).
Há, no entanto, outras possibilidades. Rabinow acredita que novos atores políticos podem surgir deste processo, e que outros já existentes podem ganhar novo ânimo com a utilização de dados oriundos das pesquisas de mapeamento genético. Cita, por exemplo, o controle por parte da população da Islândia sobre este processo, uma infinidade de organizações de usuários dos serviços de saúde e, de um modo especial, aos afro-descendentes e sua relação com uma vulnerabilidade muito específica – a anemia falciforme. Rabinow aponta que a utilização de testes genéticos sobre este problema que atinge de um modo especial àquela população contribuiu para a luta dos negros por programas específicos de saúde (RABINOW, 2002, p. 148).
Biotecnologia, cadeia de polimerase como tecnologia facilitadora às pesquisas com DNA, exageros do capitalismo globalizado, ciborgue sem pai, pós-organicidade, sistemas autopoiéticos, pós-humanidade. Onde, nisto tudo, está nosso imundo amigo que oferece um café aos visitantes? Como situá-lo em meio a todo este vasto campo de possibilidades? Em quê as relações sociais podem, efetivamente, transformar-se diante das novas tecnologias de controle da vida?
Em “O que nos faz humanos”, o zoólogo inglês Matt Ridley traça uma genealogia dos discursos biológicos sobre genes e DNA. Em um dado capítulo, toma como objeto de análise os enunciados acerca das causas da esquizofrenia para demonstrar de que modo os argumentos se constroem. Sendo assim, vemos os discursos oscilarem entre causas genéticas nos sentido mais tradicional (transmissão da mãe para o filho); causas psicanalíticas (onde vemos que a culpa é, novamente, da mãe); causas psiquiátricas, ligadas à bioquímica cerebral; causas virais (chegaram a haver sérias pesquisas sobre a possibilidade de que mãe acometidas de resfriados virais pudessem expor os fetos a um tipo de vírus que faria com que estes nascessem esquizofrênicos); outras teorias afirmam que a causa estaria em uma doença do desenvolvimento cerebral, de causas desconhecidas (seria preciso então buscar uma causa da causa); há ainda as teorias que relacionam a esquizofrenia a uma dieta desequilibrada (novamente, a culpa é da mãe) (RIDLEY, 2004, pp. 129 – 160).
O objetivo de Ridley com isto é demonstrar o quanto não há certeza nas ciências biológicas e médicas, e o quanto à produção de significados é disputada na arena acadêmica. Suas pesquisas estão relacionadas ao mapeamento genético, nas quais defende que os genes não apenas determinam, mas que também são determinados pela cultura (RIDLEY, 2004, pp. 288 – 289). Deste modo, Ridley se mostra cético quanto a muitos dos discursos ufanistas oriundos de pesquisadores da área, ou mesmo de cientistas sociais como Donna Haraway e Francis Fukuyama (ainda que a empolgação destes dê-se por razões absolutamente distintas). Em um dado momento, ao refletir sobre os discursos biológicos que tanto influenciaram a antropologia, Ridley afirma que:
Na maior parte do século XX, abusou-se do termo “determinismo”, e determinismo genético era o pior tipo dele. Os genes eram retratados como dragões implacáveis do destino, cujas tramas contra a donzela do livre-arbítrio só eram derrotadas pelo nobre cavaleiro da criação. Esta visão chegou ao seu zênite na década de 1950, como resultado das atrocidades nazistas, mas foi sustentada muito tempo antes em alguns recantos da inquirição filosófica (RIDLEY, 2004, p. 129).
Igualmente comprometido com este debate, vamos encontrar David Le Breton. Seu livro “Adeus ao corpo” traz uma série de reflexões, organizadas em sete capítulos, cuja simples leitura dos títulos já dispara ansiedades: “O corpo acessório”, “A produção farmacológica de si”, “A manufatura de crianças”, “O corpo rascunho das ciências da vida”, “O corpo supranumerário do espaço cibernético”, “A sexualidade cibernética ou o erotismo sem corpo” e “O corpo como excesso”. Nas páginas finais, após percorrer com densidade um percurso descritivo de todas as utopias (ou pesadelos) da biotecnologia genética, Le Breton faz um retorno ao mundo onde as pessoas de verdade vivem ainda presas aos seus precários e delicados corpos:
Com o extraordinário aumento da pobreza, que acompanha o mundo – até na Europa – os efeitos da globalização econômica, as doenças da miséria voltam com uma força terrível. As desigualdades diante da saúde e da doença não param de crescer (LE BRETON, 2003, p. 222).
Le Breton termina o livro dizendo que “[...] continuamos a ser de carne para não perder o sabor do mundo” (LE BRETON, 2003, p. 226). Por certo que sim. Porém, defendemos a tese de que o desenvolvimento biotecnológico irá tornar ainda mais radicais as distâncias sociais que separam os ricos das camadas médias, e às camadas médias aos pobres, em especial aos miseráveis. O sentimento de nojo dos ciborgues diante da viscosidade dos borrões tornar-se-á ainda mais brutalmente insuportável. Houve tempos em que, diante de processos como este, dizíamos haver uma “desumanização dos miseráveis”. Diante do quadro desenhado aqui, poderíamos dizer que está ocorrendo o contrário: frente à pós-organicidade dos ciborgues, os borrões tornam-se humanos, demasiado humanos.
6. Considerações finais
No final de “A história da sexualidade I”, em pouco mais de vinte páginas, Michel Foucault apresenta sua teoria sobre o poder positivo, preocupado não apenas com a repressão, mas com a produção de um determinado modo de viver, que engendra corpos dóceis, do ponto de vista político, e úteis, do ponto de vista econômico. Ali, Foucault estabelece as bases de um conjunto de idéias realmente revolucionárias sobre o direito de morte e o poder sobre a vida. E é justamente por isto que vamos começar nossas considerações finais tomando por base estes escritos. Até mesmo porque as perguntas que o filósofo francês fez aos seus ouvintes durante a aula do dia 17 de março de 1976, e que encerram a primeira parte deste estudo, encontram aqui um conjunto de reflexões que apontam no sentido de uma resposta:
De que modo um poder viria a exercer suas mais altas prerrogativas e causar morte se o seu papel mais importante é o de garantir, sustentar, reforçar, multipli-car a vida e pô-la em ordem? Para um poder deste tipo, a pena capital é, ao mesmo tempo, o limite, o escândalo e a contradição. Daí o fato de que não se pode mantê-la, a não ser invocando, nem tanto a enormidade do crime quanto a monstruosidade do criminoso, sua incorrigibi-lidade e a salvaguarda da sociedade. São mortos legiti-mamente aqueles que constituem uma espécie de perigo biológico para os outros (FOUCAULT, 2005, pp. 129 – 130).
É o próprio Foucault que inicia um caminho de resposta à pergunta que ele mesmo faz em “Em defesa da sociedade”. Uma resposta que pode bem ser encarada como uma denuncia. O direito de morte poderá ser exercido sobre o estranho sempre que a vida do semelhante estiver em risco. Sendo assim, qualquer corpo biológico que coloque em risco os seres humanos pode ser eliminado. “Removido”, era o particípio utilizado pelos caçadores de andróides do filme Blade Runner diante de cada máquina perigosa eliminada (ou desativada). Se levarmos em conta o nexo causal higienista que liga pobreza-sujeira-imoralidade-violência-agitação política, impresso no senso comum e registrado por Rago (1987, p. 178), vamos perceber que a resposta de Foucault inclui os moradores de rua. Bauman, por seu turno, lembra a prática de associar os “outros”, os “estranhos”, a animais nocivos e a bactérias. “Não é de surpreender, tampouco, que comparassem o significado de sua ação a rotinas higiênicas; combateram os ‘estranhos’, convencidos de que protegiam a saúde contra os portadores de doença” (BAUMAN, 1998, P. 19).
Homo Sacer. Vida nua, indigna de ser vivida. O aniquilamento desta vida deve ser permitido. Giorgio Agambem rastreou este debate, disparado por um artigo que defendia o direito à eutanásia e ao suicídio. Em algum momento, surge a questão se a idéia de “vida indigna de ser vivida” deveria ficar restrito apenas a estes casos, ou se devia ser estendida a terceiros. A estratégia de um dos defensores desta perspectiva não foi o óbvio ataque aos Homo Sacers, ao bando, mas o oposto: a denúncia de que a sociedade não valoriza e não cuida como deveria das “vidas cheias de valor”:
O conceito de “vida sem valor” (ou “indigna de ser vivida”) aplica-se antes de tudo aos indivíduos que devem ser considerados “incuravelmente perdidos” em seguida a uma doença ou ferimento e que, em plena consciência de sua condição, desejam absolutamente a “liberação” [...]. Mais problemática é a situação do segundo grupo, constituído por “idiotas incuráveis, tanto no caso de terem nascido assim, como no caso – por exemplo, os doentes de paralisia progressiva – de o terem se tornado na última fase de suas vidas”. “Esses homens” – escreve Binding – “não possuem nem a vontade de viver nem a de morrer. Por um lado, não existe nenhuma constatável anuência à morte, por outro, a sua morte não se choca contra vontade alguma de viver, que deva ser superada. Sua vida é absolutamente sem objetivo, mas eles não a sentem como intolerável”. (AGAMBEM, 2004, p. 145).
Há algum objetivo na vida dos moradores de rua? O precário contato que tivemos com uma escassa bibliografia sobre o tema não nos possibilita construir nenhuma resposta para tal questão, ao menos embasada em alguma pesquisa mais contundente. O que temos, no entanto, é nosso contato de alguns anos com profissionais da educação, da saúde e do serviço social que atuam junto a esta população, e que apontam no sentido de que a morte – ou a certeza da morte - estrutura a vida destas pessoas. “Se eu morrer hoje, amanhã faz um dia”, é uma frase comum entre jovens em situação de rua. “Tô fazendo hora extra no mundo”, é outra. Porém, não confundamos: não se trata de uma ausência de desejo de vida, mas um encarar à realidade que coloca à morte como uma vizinha muito próxima, cuja visita é esperada não com ansiedade, mas com familiaridade.
É novamente Agambem (2004, p. 161) quem nos oferece um caminho reflexivo acerca dos grupos, dos bandos onde existem as “vidas indignas de serem vividas”. Será justamente daí que sairão, por exemplo, as versuchepersonen, as cobaias humanas utilizadas pelos pesquisadores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. O autor italiano não se dedica a listar de quais bandos de presos saíram estas cobaias, o que nos faz pensar que talvez não houvesse nenhum critério especial. Mas além dos horrores nazistas – que já não impressionam mais – Agambem (2004, p. 163) ainda cita a utilização de cobaias escolhidas entre presos norte-americanos, inoculados com o plasmódio da malária.
Judeus, ciganos, homossexuais, doentes mentais e comunistas na Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Condenados à pena máxima nas prisões dos Estados Unidos. Negros africanos, na própria África. Imigrantes que buscam adentrar ilegalmente nos Estados Unidos. Moradores de rua no Brasil. Há a possibilidade de construir um elo, um fio que seja capaz de uni-los todos em uma única teia de significados determinados externamente? “Homo Sacer”, “vidas nuas”, “vidas indignas de serem vividas”, diria Agambem. “Estranhos”, “estrangeiros”, “párias”, diria Bauman. “Viscosidade”, diria Mary Douglas, citando Sartre.
Aceitamos todas estas categorias como poderosas para a construção de uma reflexão crítica acerca da condição dos sujeitos excluídos na contemporaneidade. Mas nosso principal objetivo neste ensaio foi justamente promover uma reflexão sobre este outro “outro”, que olha para os excluídos, e que os anula. Quais os mecanismos de legitimação dos discursos de exclusão? Acreditamos que existam muitos, referentes a cada caso e circunstância, evocados conforme o ato e a reflexão. Aqui, valemo-nos das idéias de Paul Rabinow, David Le Breton e Paula Sibilia acerca das biotecnologias como instrumentos de produção de novas formas de biossiciabilidade, e também de exclusão:
O corpo não é descartado por ser pecador, mas por ser “impuro” em um novo sentido: imperfeito e perecível. E, portanto, limitado. Por ser viscoso e orgânico, meramente orgânico, ele é inexoravelmente obsoleto (SIBILIA, 2003, p. 96).
A busca da imortalidade na pauta do dia, através de biotecnologias de ponta, que buscam alterar o mapa daquilo que somos nós. A possibilidade de ir até à essência mais fundamental daquilo que somos nós, e de mexer nisto, buscando resultados que transformem nossa própria natureza. A natureza se torna cultural, e a cultura natural. “Quem somos nós em nossos genes?”, pergunta Rabinow (2002, p. 10), e a pergunta ecoa com uma urgência ainda pouco compreendida. “Quem poderia decidir o que é ‘melhor’, tanto para a espécie humana quanto para todos os demais seres vivos? A partir de que critérios seria possível definir os atributos que deveriam ser propiciados para ‘aprimorar’ uma determinada espécie, e aqueles que deveriam ser eliminados do seu patrimônio genético?”, pergunta Sibilia (2003, pp. 150 – 151).
Obviamente - e para intuir tal obviedade não é nem mesmo necessário ser um grande cientista social - os avanços de que nos fala tão esperançosamente Donna Haraway não serão estendidos às camadas mais pobres da população mundial. As opções de construção de corpos serão restritas às camadas mais favorecidas da sociedade. Isto implica tanto em dimensões estéticas, quanto em políticas de saúde pública. Podemos supor que os pobres serão, na melhor das hipóteses, submetidos às novas tecnologias, e que jamais poderão usufruir seus benefícios com liberdade de escolha.
E quanto à classe média? Haveria ali liberdade de escolha? Haveria o acesso aos bens biotecnológicos, que possibilitariam tanto um cuidado mais sofisticado da saúde, quanto a produção de subjetividades deslocadas das determinações naturais? Podemos pensar que as escolhas seriam tão livres quanto o são hoje. A construção de identidades seguiria sendo engendrada sobre o alicerce simbólico produzido nos laboratórios, não das indústrias de ponta em termos de pesquisa biológica, mas das empresas de publicidade e propaganda. Em um mundo onde as subjetividades e as identidades são fixadas com velcro, a esperança de que os sujeitos poderiam transformar seus corpos em canais de produção de contra-poderes parece, de algum modo, descolada da realidade.
O avanço das tecnologias da vida rumo à imortalidade e ao novo corpo de Donna Haraway produzirá bênçãos de acesso extremamente restrito, efetivamente mais caras que comprar um par de óculos ou jogar moedas na Fonte da Juventude. A ampliação da vida e das potencialidades destes corpos privilegiados está totalmente ligada à indignidade das vidas dos corpos excluídos da economia globalizada. Um mundo que busca a perfeição da pós-organicidade pode dispor com relativa tranqüilidade destes corpos estranhos, perigosos e pouco adaptados às novas necessidades e possibilidades da modernidade líquida. Alguns serão presos, outros internados, outros serão utilizados como cobaias humanas em experimentos visando a produção de novas tecnologias, ainda mais avançadas. Alguns serão alvo de um tipo novo de exclusão, radicalizado por um conjunto de transformações subjetivas e objetivas de uma ordem ainda pouco conhecida. Como as descritas na epígrafe ao primeiro capítulo do livro de Sibilia:
É hora de se perguntar se um corpo bípede, que respira, com visão binocular e um cérebro de 1.400 cm³ é uma forma biológica adequada. Ele não pode dar conta da quantidade, complexidade e qualidade de informações que acumulou; é intimado pela precisão, pela velocidade e pelo poder da tecnologia e está biologicamente mal equipado para se defrontar com seu novo ambiente. O corpo é uma estrutura nem muito eficiente, nem muito durável. Com freqüência funciona mal [...] Agora é o momento de reprojetar os humanos, torná-los mais compatíveis com suas máquinas (STELARC apud SIBILIA, 2003, p. 9).
Retornamos à tragédia, como diz Rabinow (2002, p. 148), com a diferença de que agora, nossos destinos não estão mais nas mãos dos deuses, mas do avanço de tecnologias que irão de algum modo transformar as relações sociais, quer nos submetamos a elas, ou não. A sociedade de controle produz seu maior pesadelo, ou sua maior utopia. E ainda não vimos o surgimento de contra-poderes capazes de oferecer algum nível de enfrentamento, de apropriação democrática destes processos. Estamos simplesmente vivos. E vivendo.
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GREGIS, Cristiano. Fissura de rua: Corpo e ritual de droga injetável entre meninos de rua. 80 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, IFCH, UFRGS, Porto Alegre 2002.
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MAGNI, Claudia Turra. Nomadismo urbano: uma etnografia sobre moradores de rua em Porto Alegre. 197 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, IFCH, UFRGS, Porto Alegre 1994.
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PETUCO, Dênis Roberto da Silva & SOUZA, Nádia Geisa Silveira de. “Noticiando a morte num jornal”. In.: UFRGS. Livro de Resumos do XVII Salão de Iniciação Científica/XIV Feira de Iniciação Científica. Porto Alegre: Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. p. 860.
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* Dênis Roberto da Silva Petuco é educador popular, redutor de danos e cientista social. É ligado ao Rizoma Princípio Ativo, e membro do Colegiado Nacional da Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos (ABORDA), onde também integra o GT de Política internacional. Atualmente, é mestrando em Educação Popular na Universidade Federal da Paraíba.
i Só a expressão “resgate de cidadania” já daria um estudo à parte. Lembro do discurso do militante e ativista social Saroba em um evento de cinema alternativo ocorrido na Restinga, em que ele disse: “Estamos cansados de ter nossa cidadania resgatada por técnicos que atuam em projetinhos de ocasião”. O discurso, por óbvio, causou espécie. Mas não é este o foco deste trabalho.
ii Sobre o Programa Convivências, ver o site: http://www.prorext.ufrgs.br/Deds/convive/index.htm.
iii O Programa de Saúde da Família (PSF) surge em 1994. Segundo informações colhidas junto ao site do Ministério da Saúde o PSF “[...] prioriza as ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas, de forma integral e contínua. O atendimento é prestado na unidade básica de saúde ou no domicílio, pelos profissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde) que compõem as equipes de Saúde da Família. Assim, esses profissionais e a população acompanhada criam vínculos de co-responsabilidade, o que facilita a identificação e o atendimento aos problemas de saúde da comunidade”.
iv Prefiro o termo “miserável” à “pobre” em face da brutal desigualdade social que se verifica no Brasil. Por “pobre”, entendo países como Somália, como Bangladesh. No Brasil, com suas “elites bandidas” - para usar a expressão de Bezerra a Silva – considero mais adequado o termo “miserável”, com sua carga pejorativa.
v Como há uma norma que restringe a seis os agentes comunitários por PSF, foi obrigatória a exclusão de uma comunidade do concurso. No caso, a comunidade preterida foi o setor próximo à Rua Cabo Rocha.
vi O agente redutor de anos é uma espécie de agente comunitário de saúde que tem como alvo a atenção integral aos usuários de drogas, e em especial na prevenção em DST/Aids junto a esta população, através da inserção nas redes clandestinas de comércio e sociabilidade.
vii Penso que Sol seria uma grande antropóloga.
viii Mais informações no site: http://www.tac.org.za.
ix Mais informações no site: http://www.monde-diplomatique.fr/2005/06/CHIPPAUX/12513.
x Agambem usa a categoria bando para definir a um coletivo que, em termos relacionais, encontra-se em situação de exclusão. Porém, devido a reconhecimento desta exclusão, há nela um caráter de inclusão (AGAMBEM, 2004, p. 36).