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Resenha Os incas, as plantas de poder e um tribunal espanhol
Por: Priscila Chagas [1]
Data: 27/03/2002


Por: RIBEIRO, Fernando. RJ: Mauad, 2005. 222p. 14X21.

Fernando Ribeiro passou por uma experiência crítica. Chego a pensar na expressão situação‑limite como apropriada para descrevê-la. Solidário com os povos da floresta, participante da experiência religiosa que tem a Ayhuasca em seu centro, ele tem um papel na disseminação de produtos agrícolas amazônicos em várias partes do mundo. Por esta sua última atividade ele ia ao Japão. A viagem ocorreria com escala em Madri. E aqui começa a história do livro. O livro tem 19 capítulos. Neles o autor  demonstra como o drama histórico da Ayhuasca e o drama que ele viveu estavam estreitamente ligados. Ele nos apresenta a história dos povos inca, as sucessivas dinastias que elaboraram um projeto civilizatório humanizador.

Como um bom narrador o autor descreve, primeiramente, todo o processo preparatório para a viagem ao Japão. Nessa viagem seguiriam ele e um mestre da floresta, Seu Chico, que teve sua vida toda vinculada à Ayhuasca, ao Sacramento. Fernando relata que possuía experiências de viagem internacional, ao passo que seu Chico, um homem da floresta, nunca tinha saído de sua vida ribeirinha, nem atravessado as fronteiras do País. Qual não foi a surpresa quando ele e esse amazônida foram detidos no Aeroporto de Madri sob a acusação de tráfico internacional de drogas. Um grande aparato os deteve e os impediu de prosseguir a viagem  ao Japão. Aqui a história ganha um elemento de refexividade inaudita.

Nesse ponto o relato de Fernando ganha uma densidade dramática impressionante. A detenção, a convivência com os outros detentos numa penitenciária de segurança máxima, as dificuldades do processo penal, as audiências, até o momento final da almejada e justa liberdade é o que ele nos faz co-experimentar. O texto tem essa  característica de nos deixar mergulhar nos sentimentos vivenciados por ele, sobretudo. Ainda que traga alguma imagem da experiência vivida por seu Chico, sua paciência, sua capacidade e sabedoria para lidar com o inusitado da situação, sua tranqüilidade para esperar que o melhor sucedesse. Além disso, o papel de seu Chico como líder espiritual, conselheiro, verdadeiro xamã, é destacado nessa narrativa.

Essa mesma dramaticidade ele oferece nas descrições das sucessivas dinastias que ocupam os postos de inca. Ele oferece uma leitura do processo de ocupação do território andino, pelo inca, que corresponde à mesma visão de Kant e Hegel sobre Napoleão. Os incas cumpriam um papel civilizatório em relação aos outros povos. Sob o governo inca estes outros povos indígenas abandonavam costumes bárbaros, como o canibalismo, a morte dos infantes adoecidos, etc. E passavam a adorar o deus inca e a valorizar os costumes daquela outra sociedade. Esse empreendimento era realizado pelos incas por meio de negociações políticas, a maior parte das vezes, sem o uso do exercício da força, a guerra. Porém, em alguns casos a resistência e insubordinação dos outros povos levavam os incas a empreenderem verdadeiras batalhas. Em todo esse contexto, no qual a sabedoria dos incas era exaltada, cumpriam um importante papel as plantas sagradas, a coca e a ayhuasca. Dessa última, informa Fernando, se fabricava uma importante bebida que auxiliava nos processos de meditação dos reis incas. Porém, a chegada dos espanhóis, recebidos como  deuses brancos, foi a ruína do povo inca. Os povos dominados, desafetos, se aliaram aos hispânicos e destruíram aquela sociedade. A qual ofereceu baixa resistência, por motivos simbólicos, e por uma atitude civilizatória que não via na guerra importante meio de solução de conflitos.

O livro é, portanto, um relato de um sofrimento vivido e de uma esperança nascida. A experiência de Fernando e de Chico na prisão em Madri  fez o autor meditar sobre a falta de propriedade da atual política de drogas. Ele oferece reflexões sobre como um produto agrícola, que possui um papel simbólico, litúrgico, e que não oferece, nele mesmo, nenhum perigo à saúde, não pode sofrer sanções penais. Mais ainda, ele reflete sobre como aqueles que portam tal produto e o fazem circular não podem ser identificados como traficantes de drogas. Porém,  esse é um ponto interessante para encerrar essa resenha: O tema principal do livro do Fernando é como o mundo ocidental europeu que não pode compreender o povo inca também não pode compreender as plantas sagradas. Para o mundo ocidental, moderno, globalizado, a lógica do Sacramento, da ayhuasca, ainda parece perigosa.


[1] Socióloga e assistente do Programa Trabalhadores Rurais e Direitos.