“A gente se acostuma, mas não devia.”
Por: Creusa Lopes
Há dez anos, no dia 16 de Outubro de 1997, morria às 22 horas, no Hospital das Clínicas de Recife, o líder sindicalista Fulgêncio Manuel da Silva, vitima de uma emboscada arquitetada pelo narcotráfico que utilizou um menor - na época com 17 anos - para disparar o revólver assassino.
Conheci “seu Fulgêncio”, em 1991 quando vim trabalhar no Pólo Sindical; desde o inicio senti por ele uma grande admiração e respeito. Foi ele que me levou para dentro do Projeto, naquela época, Caraíbas, para lá trabalhar. A agrovila 43 passou a ser “meu quartel general”, ficava semanas inteiras na casa de dona Zefinha (sua irmã) e seu José Lima; juntos trabalhávamos nas agrovilas incentivando os/as reassentados/as a lutarem por suas terras e seus direitos. E com ele fui aprendendo muitas coisas e vendo meu respeito e admiração aumentarem. Quando seu Fulgêncio foi baleado eu estava no projeto Pedra Branca. Ainda acreditei e esperei por um “milagre”, mas o milagre não veio. Através de Assueres, recebi a noticia da sua morte. Partilhando da dor com seus familiares, chorei abraçada a dona Elisa e experimentei um sentimento nunca antes experimentado de dor, revolta, ódio, impotência.
Estive fora do Pólo de 1998 a 2003, quando então voltei a trabalhar com os reassentados/as, mas muitas coisas haviam mudado. Não sei explicar bem, havia e há uma desesperança enraizada nas pessoas, em algum momento se perdeu a visão do coletivo, o que está prevalecendo são os interesses particulares, as disputas internas...
Tem uma crônica de uma escritora chamada Marina Colassanti que fala assim; “A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá”. Isto está acontecendo conosco? Ou fomos todos tomados por um sentimento de revolta contra os/as próprios/as companheiros/as? Se estivermos acostumando, será que não estamos nos “acostumando” demais? Encolhendo nossa capacidade de indignação ética ao escolher o silêncio cansado e cúmplice, diante da demora da CHESF e CODEVASF na conclusão dos projetos? Ou diante das atitudes nem sempre elogiáveis dos políticos que elegemos e voltando nossas “baterias” aos inimigos errados? Será que, em vez de desmoralizar o movimento sindical, não deveríamos juntar nossas forças ao menos por respeito a quem deu a vida por esses projetos e por essa luta?
Como estaria agindo seu Fulgêncio se ainda estivesse entre nós? Quantos de nós vamos lembrar dos dez anos de sua morte? Pelo muito do carinho e respeito que guardo pelo seu Fulgêncio, eu, Creusa Lopes, estou fazendo esta homenagem solidária e solitária aos 10 anos de morte de seu Fulgêncio, e aproveito para convocar e desafiar você que me leu até aqui, a não se acostumar, a não fingir que não viu ou não entendeu, ou não fazer de conta que não dói tanto assim, senão a responsabilidade recua, a coragem diminui, o desalento impera, e a gente continua fingindo ou arrumando desculpas das mais diversas para continuar enganando a nós mesmo. Que nossa consciência esta tranqüila, e a cabeça no travesseiro será imediatamente seguida do sono que não tem porque não pode vir. Que de onde estiver seu Fulgêncio estenda a sombra do seu inesquecível chapéu sobre todas/os nós, e que bem lá no fundo de nossa consciência possamos ouvir uma vozinha dizendo; VOCÊ ESTÁ SE ACOSTUMANDO, MAS NÃO DEVIA...
Creusa Lopes, assistente social, trabalha com os reassentadose reassentadas do Sistema Itaparica.
|
|