Em 2005 o Programa Trabalhadores Rurais e Direitos realizou, no estados da
Bahia, Pernambuco e Alagoas, a pesquisa “Jovens construindo políticas
públicas para a superação de situações de
risco, no plantio da maconha, na região do Submédio São
Francisco”. A investigação foi financiada pela Senasp, Ministério
da Justiça. A equipe da pesquisa entrevistou um jovem que
identificou-se como ex-plantador de maconha e se dispôs a falar sobre
o cotidiano da atividade.
TRD: Você já trabalhou no plantio de maconha?
Com quantos anos?
Jovem: Já. Quando eu tinha 12 anos é que eu conheci a primeira
roça.
TRD: Como é que você foi? Quem levou você?
Jovem: Assim... acho que ninguém incentiva ninguém. Às
vezes vê e quer fazer. Não é obrigado a fazer, mas aí
é aquela coisa... e entrei...
TRD: Você viu seus amigos indo trabalhar?
Jovem: Isso é muito comum em muitos lugares por aí.
TRD: E aos 12 anos, quando você começou a trabalhar,
quanto era a diária?
Jovem: Não, eu comecei a trabalhar era a minha roça mesmo....
TRD: Era a sua roça. E o que você fez?
Jovem: Eu não esperava, até hoje... eu não espero por ninguém.
Eu ajo por mim mesmo.
TRD: Qual o tamanho da roça?
Jovem: Coisinha pequena! Só para me manter mesmo... 200 covas, 300 covas.
TRD: E isso ajuda a se manter?
Jovem: Ajuda! Aqui em não tem muita renda maior que isso.
TRD: Uma atividade rende quanto? É por mês ou
por colheita?
Jovem: É por colheita.
TRD: A colheita demora quanto tempo?
Jovem: Cinco meses, seis meses...
TRD: Não são três meses?
Jovem: Tem gente que tira com três meses, mas se você quiser tirar
uma coisinha boa, você vai tirar com seis meses.
TRD: Uma boa colheita dá quanto?
Jovem: De 300 covas... Dá mais ou menos uns R$ 2.500.00, por aí.
TRD: Depois de seis meses. Isso dá o equivalente à
R$ 400,00 por mês.
Jovem: Mais ou menos.
TRD: Porque se você fosse trabalhar em uma diária
de R$ 12,00 você não ia ganhar isso por mês.
Jovem: Mas não dá para manter isso. Roubar a gente não
vai, né?! Então tem que procurar aquela coisa que não vai
atingir ninguém, que não vá prejudicar ninguém.
A gente sabe que tem vizinho que denuncia a gente, que prejudica a gente, mas
a gente não prejudica ninguém. A gente está no nosso canto
quieto, tentando tirar nosso produto. Agora eu não tô plantando
mais, mas eu já plantei. Mas no meu ponto de vista é isso.Ninguém
ali faz mal a ninguém.
TRD: Você tem algum tipo de medo?
Jovem: Se eu já tive medo? Medo é uma palavra que... até
um certo tempo, eu não conhecia o que era medo. De um certo tempo para
cá eu vim pensar o que é direito e o que não é na
vida. E tem coisas que você tem medo.
TRD: Medo de quê?
Jovem: Medo de a polícia entrar lá dentro e te pegar. Têm
vezes que mata. Por isso aí sempre tem aquela sensação
de insegurança, na dúvida.
TRD: Quando você fazia com 12 anos de idade, você
fazia sozinho ou tinha mais gente cultivando?
Jovem: Ah! Tem mais gente por perto.
TRD: Quantas pessoas cultivam?
Jovem: Vai depender do tamanho né? O meu... só o meu.
TRD: Para atividade de cultivo tem alguém que tenha
que ficar armado?
Jovem: Com certeza! A pessoa mesmo, normalmente o trabalhador é quem
fica.
TRD: E a prensagem da maconha, você mesmo é quem
fazia?
Jovem: É a gente mesmo é quem fazia. A gente estava trabalhando,
começava e terminava lá, o que for. O que tem que fazer é
o trabalhador é quem faz.
TRD: Mas essa proteção que você faz na
roça, você está protegendo contra quem?
Jovem: Contra os ladrões, só contra os ladrões mesmo, porque
contra a polícia a gente não vai reagir. Têm muitos caras
que passam pela roça e veêm a roça. Tem vezes que não
mexem, mas tem uns que querem roubar. Porque vale dinheiro, vale ouro!
TRD: Quem quer roubar, quer roubar para vender ou para usar?
Jovem: Para usar não, quem rouba quer vender. Quem quer usar chega junto
da gente e pede. Aqueles que usam não tem vergonha de chegar junto da
gente e pedir, para quem já conhece e sabe que mexe com aquilo.
TRD: Nesse tipo de roça que você fica lá
com arma, tomando conta da roça, você tem que ficar direto lá
seis meses?
Jovem: Com certeza!
TRD: Como é que você fica direto lá seis
meses? Um horror! (risos)
Jovem: Não! Você coloca na cabeça de entrar e sair. Você
decidido. Uma roça dessas não é brincadeira. Você
tem que entrar decidido.
TRD: Como é que é o trabalho?
Jovem: É só molhação, podação, adubação...
TRD: Você vai fica lá direto. Tem que fazer um
acampamento?
Jovem: Tem que fazer um acampamento com barraca, com tanto de lona ou até
mesmo de palha. Até mesmo de pau ou vara, que tira do mato mesmo.
TRD: Você come no lugar?
Jovem: A gente comia no lugar mesmo, quando a gente plantava.
TRD: Já tem que levar a comida para lá mesmo
ou tem alguém que compra?
Jovem: A gente mesmo manda alguém buscar ou a gente vêm.
TRD: Você não saia nem meia hora?
Jovem: Às vezes a gente termina de molhar, vai dar um passeio na rua
e volta. Agora sempre tem um lá dentro...
TRD: Ah... porque o vizinho olhava a sua, já que você
plantava sozinho.
Jovem: É compartilhação! Porque nesse jogo aí tem
que ter união entre os amigos, os trabalhadores que plantam. Quem planta
é quem perde.
TRD: Os que plantam todos são usuários?
Jovem: Nem todos. Muito deles plantam pelo dinheiro mesmo. Nem todos...
TRD: Os que plantam tem envolvimento com assaltos?
Jovem: Esses aí... muitos deles aí são ex-presidiários,
até já foram assaltante. Mas muito deles aí são
trabalhadores mesmo. Só fazem trabalhar.
TRD: Aí fica lá seis meses, dá uma saída
para respirar – um passeio na rua...
Jovem: Às vezes sai final de semana...
TRD: E fica alguém lá para dar segurança
da área do plantio. Como era a jornada de trabalho?
Jovem: É muito difícil você dormir. Dorme com um olho aberto
e o outro fechado. É um cochilo. Acordou e tem que estar ali. Molhar
roça. Tem que cuidar todo dia, um período do dia. Molhou, limpou
as covas, podou. Já é...
TRD:... está na hora de descansar. No período
da manhã você fez tudo?
Jovem: Período da manhã já fez tudo. E depois é
só olhar a roça para ver se tá limpeza na área.
Pega um peixinho, dá uma descansada. Nesse certo tempo eu tanto plantava
quanto estudava. Plantava de dia e estudava a noite.
TRD: Dava para estudar?
Jovem: Dava. Eu terminei o primeiro grau, aí quando foi o segundo grau
eu parei. Não porque eu tava plantando, porque faz muito tempo que plantei.
Mas porque eu estou casado agora e atrapalha um pouco.
TRD: Teve alguma vez que você foi importunado pela polícia?
A polícia chegou aqui?
Jovem: Já!
TRD: E como foi?
Jovem: Muito tiroteio dentro na roça. Aquela coisa né? Vi gente
morrendo. Teve gente baleada, alguns morrendo.
TRD: Já prenderam você?
Jovem: Graças à Deus, não!
TRD: Esses seus amigos que morreram, como aconteceu?
Jovem: A polícia chegou dentro da roça e botou abalando mesmo.
Pipocou quase todo mundo. Teve sorte quem escapou.
TRD: E ele não conseguiu escapar?
Jovem: Não, não. Foi um dos primeiros que morreu. Ele foi que
primeiro que morreu. Era o mais chegado meu que tinha na roça. A gente
sente né, mas fazer o quê?!
TRD: Quantos estavam lá na roça quando a polícia
chegou?
Jovem: Eram vinte e dois. A gente tava na colheita. Só dois, três
que..que morreram. Mas todos saíram baleados.
TRD: Foi uma ação polícia federal ou
militar?
Jovem: Da federal. Foi da COZAC. Tem uns 4 anos
TRD: Fora da área de plantio, como é o seu
convívio com os colegas na escola? Eles sabiam...que o trabalho seu não
era uma atitude legal? Eram cordiais contigo?
Jovem: Até sente um certo medo porque sabem que a gente trabalha com
essas coisas. Sentem medo mas a gente não faz nada com ninguém,
só está trabalhando. Sabem que somos perseguidos pela polícia
e não gostam de se aproximar muito. Tem gente que sabe e que se aproxima,
fala legal com você, curte e se diverte, ali não tem nada que ver.
Você conversa com a polícia mesmo. Está passando, é
abordado e conversa com eles normal. A vida deles é a deles, e a nossa
é a nossa.
TRD: Depois da colheita vocês vão vender: dentro
da área de plantio ou fora?
Jovem: Vende dentro e fora.
TRD: Quando vende dentro alguém vem buscar?
Jovem: É, tem gente que vem buscar. Gente de cidade grande, que vem de
fora, vem aqui para pegar. De todo lugar do Brasil.
TRD: E quando você sai vender, vocês saem para
as cidades grandes para vender mais próximas?
Jovem: Cidade grande mesmo.
TRD: Deve dar um certo trabalho?
Jovem: Dá um pouquinho de trabalho e um certo perigo, né? Não
é certo e ainda mais vender fora.
TRD: O que é mais perigoso?
Jovem: Ih, rapaz, você vender! Certeza!
TRD: Por que?
Jovem: É mais perigoso porque está andando né?! Quando
você ta plantando você está parado. Você pode esconder
ou correr.
TRD: Quando você vai vender aqui dentro... Como é a venda? É
por amarrada?
Jovem: Você vende por quilo.
TRD: O quilo do tablete?
Jovem: O quilo. Você vai pesa o quilo e depois dela pesada é que
você vai prensar.
TRD: Primeiro você pesa as folhas?
Jovem: Você pesa as buchas. Quando a gente vende aqui a gente nem presa.
Só prensa quando cara é de fora. A gente pesa e prensa.
TRD: É a mesma coisa que vender rolo de fumo?
Jovem: É a mesma coisa que vender feijão. Você vai pesar
ali e ele leva. Ele prensa às vezes em outro lugar e não é
nem dentro da roça.
TRD: E haxixe? Vocês fazem haxixe?
Jovem: É mais caro que a maconha. Só uma caixinha de fora é
mais caro de o quilo da maconha. Se tiver custando R$ 100,00 o quilo da maconha,
está custando R$ 150,00 a caixinha de haxixe.
TRD: Tem gente que arruma uma terra e que está plantando para ele mesmo,
mas existem casos de plantar para outro?
Jovem: Tem! Tem gente que planta até 8 pés de meieiros que planta.
Tem patrão que tem até 8 pés de meieros e que planta.
TRD: E como é que ele contrata? Os caras vão buscar o patrão
ou patrão que busca?
Jovem: É como trabalho normal. Você chega aqui e diz: “Fulano,
quer colher mamão pra mim?”. É a mesma coisa, pergunta se
esta a fim de plantar uma roça.... e se tiver!
TRD: O cara vem e convida?
Jovem: Certeza! Às vezes você está a fim de trabalhar e
sabe quem é que planta, e vai lá e você mesmo se oferece
para plantar.
TRD: Como é o esquema da pessoa que está plantando para outra?
Ela dá a semente? Dá...
Jovem: Ela dá a semente, dá a terra, tem que ser um lugar onde
tenha muita água, porque sem água não dá. E tem
que ter a feira também pra você se manter na dentro da roça.
E aí no final das contas você vai... No final você tira as
suas despesas, quando você colhe, você tira todas as despesas de
tudo que você gastou. Aí você divide o seu e o do patrão.
A roça que dá menos gasto, a que menos dá gasto acho que
é ela, de maconha.
TRD: Mas uma vez vamos registrar que ele não é atualmente plantador;
já plantou e agora trabalha com outras coisas.
Jovem: Quando você plantando, se for para o patrão, você
vai ter que dividir. Mas se não for. No caso você tira R$ 3.000,00
de lucro na roça. Aí você vai tirar R$ 500,00 para os gastos
da roça e o resto divide.
TRD: Mas essa conta que você está fazendo é para 250 covas?
Jovem: Estou fazendo uma base para o que você tira. Uma média.
Você tira uns R$ 3.000,00.
TRD: Essa pessoa que paga pra você é a pessoa que fornece as sementes?
Como você consegue as sementes?
Jovem: Não, não. A semente você consegue até com
um companheiro que já plantou em outras roças e tenha tirando
semente dos outros plantios. Às vezes você compra, às vezes
ele te arruma e depois você devolve no final da roça.
TRD: Na época que você plantava você colhia semente para
poder plantar depois?
Jovem: Certeza! Na minha eu tirei, tirei mas vendi. Às vezes a pessoa
planta e logo depois planta outra. Aí não tem para vender. Tem
vezes que se tira uma semente das buchas e tem vezes que não tira nada.
TRD: Você falou que tem que plantar em uma área de tem água.
Mas a gente está no sertão...
Jovem: Muitos lugares, por aí, que chovem. Aí enche muitas lagoas
e açudes, se for caatinga. No rio é muito perigoso pois é
muito procurado pela Polícia Federal. Na ilha não tem preocupação,
é só tranqüilidade. Na caatinga é em beira de açude,
lagoinha. E até longe daqui, mais de cinco léguas daqui.
TRD: Mas para plantar perto de beira de açude tem que ter um lugar escondido
porque senão vão ver.
Jovem: Muitas vezes as roças que são entregues [descobertas] na
beira de açude ou rio é de vaqueiro. Ou pescador que vai pescar.
Vê e na volta entrega.
TRD: Vocês fazem alguma coisa para disfarça a roça?
Jovem: Simplesmente na caatinga você tem que fazer com que a roça
pareça com a caatinga. Você tem que tirar uma certa quantidade
de mato, mas não todo para ficar muito para luz, para não dar
pra ver de longe. Você tem que por ao redor, já arrodeia de mato,
e que não dê para ninguém ver. Se der sorte e Deus deixar
você ganhar o seu dinheiro...
TRD: Quando você plantava, plantava uma vez e ficava parado seis meses?
Jovem: Dá para tirar duas roças em um ano. Não é
toda roça que você tira de 6 em 6 meses. Tem roça que você
tira de 4 a 6 meses, tem roça que você tira até de 2 meses,
mas é muito verde. Eu conheço uma rapaz que já tirou até
2 roças em um ano. Pode colocar uma roça e 2 meses colocar outra
roça. E cuidar de duas ao mesmo tempo.
TRD: Mas tirar antes não tem a ver com a qualidade da semente?
Jovem: Tem a semente que é “xoxa” e não vai nascer,
ou não vai dar nada que preste. E tem aquela outra semente que é
boa e que vai dar um fruto melhor. Isso vai depender do que vai querer. Com
certeza, se você quiser tira com seis meses e se você quiser, você
tira até com oito. Vai depender do tempo que você queira trabalhar
e do que tipo de coisa que você queria tirar. Você tira até
caindo a folha, se você quiser.
TRD: Em geral a polícia faz as ações já perto na
época da colheita. Mas se você está dizendo que as colheitas
dependem mais da vontade do trabalhador que o período apropriado da semente...
Jovem: com certeza!
TRD: Então a polícia está fazendo um cálculo equivocado...
Jovem: Aí é com eles mesmo! Espero que eles façam um cálculo
bem maluco e deixe todo mundo trabalhar. Porque ninguém ta ferindo ninguém.
TRD: Você disse que na colheita havia 22 pessoas trabalhando na roça.
Todas essas pessoas estão ganhando, em média, em torno de R$ 2.500,00?
Jovem: Não, não. Dali eram só dois donos da roça.
Em uma roça onde tenham 22 pessoas cortando e colhendo não vai
ser uma roça pequena. Tem que ser uma roça onde dois ou três
caras estejam cuidando. E daí você vai pagar a diárias deles,
do trabalhador.
TRD: E a diária vai sair quanto?
Jovem: A diária vai sair cara. Vai sair uns R$ 50, R$ 40,00. Uma roça
dessa daí para cortar não é como uma roça comum.
Às vezes paga até R$ 100,00 a diária de noite, também
corta à noite. Já cortei muito à noite também.
TRD: Você também já ganhou de diária?
Jovem: Já trabalhei de diária também. Tem gente que limpa
e que planta. Que planta não, que contrata.
TRD: Que contrata o trabalho.
Jovem: Que nem vão lá, só ganham o dinheiro mesmo.
TRD: Esses ganham dinheiro mesmo?
Jovem: Ah! Com certeza! Mas vai depender da venda né?! Se ele vende aqui,
ele vende mais barato. Se vende lá fora ele vende caro.
TRD: Quando você saia para vender, apesar de ser mais arriscado, você
tinha um lucro maior ou não?
Jovem: É... Sempre o lucro é maior quando se vende lá fora.
TRD: E quanto é que você vendia o lucro aqui dentro?
Jovem: Aqui varia entre R$ 100,00 e R$ 150,00.
TRD: E lá fora?
Jovem: R$ 400,00, R$ 500,00
TRD: Agora você tá dizendo que tem gente que planta mais. Essas
pessoas devem ter terras maiores ou deve contratar terras maiores...
Jovem: Muitos deles arrendam, muitos deles já tem as terras.
TRD: Aí, os caras vão contratar serviços. Eles não
vão plantar?
Jovem: Não vão plantar, eles botam para plantar.
TRD: Esses normalmente não aparecem nunca?
Jovem: Não aparecem nunca. Eles já têm até aqueles
que vão até a feira para eles, na roça.
TRD: Eles levam a feira para os trabalhadores?
Jovem: Eles não! Eles mandam alguém levar.
TRD: E que tipo de “burrice” você já viu acontecer?
Jovem: Tem que estar muito esperto. Sempre rola alguma burrice
Tem muito deles que dormem na roça.Já vi história, verdadeira
mesmo, da polícia chegar e pegar o cara dormindo. E de roubarem a roça
também, do mesmo jeito!
TRD: Mas como é que faz para não dormir? Tem jeito de ficar 6
meses sem dormir ?
Jovem: Tem que dormir um pouco de dia e ficar acordado a noite toda. Tem que
dormir de dia.
TRD: Nesse cultivo também tem mulheres?
Jovem: Não. Às vezes quando está na colheita tem mulher
que vai, dependendo, para ajudar a cortar. Mas ali para trabalhar mesmo... Eu
só conheci uma. Que trabalha bem e trabalha igual homem.
TRD: Qual é a idade dessa aí?
Jovem: Ah! Uns 35 anos...
TRD: Você falou que começou com 12, você conhece o caso
de pessoas que tenham começado mais cedo? Hoje, de crianças que
vão trabalhar na roça?
Jovem: Já...
TRD: Com quantos anos?
Jovem: Conheço criança de até 10 anos que trabalha dentro
de roça, até de 9 anos. Que, às vezes não trabalha,
mas que acompanha o pai.
TRD: Você falou de uma pessoa de 35 anos. A pessoa mais velha que você
conheceu plantou, tinha quantos anos?
Jovem: A mais que eu conheci plantou tinha 60 anos.
TRD: É mesmo?
Jovem: É... tem cara de 60 anos que planta.
TRD: E, por exemplo de 60 anos, planta há quantos anos?
Jovem: Ah... às vezes já vem plantando há 40 anos já.
TRD: Você sabe se os pais deles já plantavam?
Jovem: Geralmente...
TRD: Como é que é essa história aqui? Têm histórias
assim: “O fulano tem tantos anos. Ele planta há tantos anos, o
pai dele plantava, o avó plantava.”. Você já ouviu
história assim?
Jovem: Já! Mas, geralmente, não é assim. A maioria das
pessoas que plantam, plantam por necessidade. Aquela necessidade que às
vezes você não tem como plantar uma roça de cebola. A roça
de cebola vai dar o quê...? Três mil reais de gastos quando você
terminar de plantar. E se for um quilo e meio, dois quilos (de semente). A maconha
se você for plantar, o quê?... Um quilo de semente você vai
gastar, no máximo, uns R$ 300.00, R$ 400.00. Aí muito deles arriscam
para receber alguma coisa. Mas não porque já vem de família...
TRD: Mas tem casos que já vem de família?
Jovem: Tem casos!
TRD: As pessoas em geral mantém um plantio lícito trabalhando
no meio desse?
Jovem: Tem! Às vezes você tem uma roça até para disfarçar.
Você está plantando maconha ali naquele setor e você bota
o feijão e a cebola em outro lugar. Às vezes até perto.
Aí você fica lá e cá. Às vezes ninguém
nem desconfia. O mais comum é ter os dois cultivos. Aí fica aquela
coisa menos manjada.
TRD: Quando você fazia, fazia os dois tipos?
Jovem: Tinha. Até porque se você quiser você planta dentro
da roça mesmo. Dentro da roça mesmo de maconha você planta
um roça mesmo.
TRD: Você está com 17 anos. Você plantou pouco tempo? Você
plantou apenas 5 anos...
Jovem: Só... Assim! Plantei esse tempo todo não. Não tem
esse tempo todo que eu planto. Eu plantei com 12, já plantei outras vezes.
Às vezes não cheguei até colher o final. Mais ou menos
uns 2 anos e 4 meses que plantei.
TRD: Quantas vezes você plantou e você colheu?
Jovem: Duas vezes, e duas vezes eu perdi a roça para a polícia
mesmo.
TRD: Eu sou agora o ministro do estado que vai tomar a decisão. O que
você fazer para melhorar a vida do Jovem rural e do Jovem rural envolvido
com plantios perigosos?
Jovem: Simplesmente confiar mais nos pobres. Por exemplo, o pobre tá
querendo plantar uma roça e não tem condição. Ele
chega no banco e não consegue tirar um empréstimo. É isso
que acontece! Até isso leva você plantar esse tipo de roça.
Você chega no banco para pedir um empréstimo para você plantar
roça e você não conseguir. Por um motivo você não
tem dinheiro para plantar aquela roça e você vai plantar. Daí
eu acho que deveria surgir mais confiança no pobre. Que daí...
é aquela coisa nem todo quer essa vida para o resto da vida. Então
todo mundo iria pensar: “É perigoso!”. Ninguém quer
a polícia atrás de ninguém. E se por um acaso surgisse
uma maneira que o comando do Brasil pensasse direito, eles podiam fazer uma
maneira de ninguém... ninguém não! Porque eu acho que nunca
vai acabar com isso de uma vez... mas pelo menos 70, 75% poderia acabar. Ou
seja quem não tem terra a Chesf... sei lá quem é a dona
dessas terras... vai lá mede um pedacinho de terra e dá para um
pobre trabalhador poder trabalhar, para não precisar tá sem perseguido
pela polícia. Não é isso?! Outras oportunidades de trabalho!
Muitos filhos de pobres não têm oportunidade não tem oportunidade
de trabalho no mercado de trabalho.
Você vê esse movimento negro. Agora não porque o racismo
já está sendo mais combatido. Mas ainda hoje em dia tem muito
racismo. Muitos filhos de pobres que são negros e até branco que
não tem chance de trabalhar não. Trabalhar em emprego fixo e digno.
Leva até eles ser ladrão, assaltante. Você não tem
aquela chance de trabalho... Você vai roubar, você vai matar, se
você não é uma pessoa que tem de onde tirar, vai fazer o
que?! Muita gente faz isso né?! Acho que devia todo mundo ter oportunidade
e chance.
TRD: Por que você saiu? Por que você parou de plantar?
Jovem: Porque isso não é vida para ninguém. É muito
sofrimento. A gente sempre tenta daqui e acolá fazer o que pode, mas
se for o caso... volta a plantar de novo! Se for o caso, eu não me envergonharei
de entrar na roça, derramar meu suor para tentar ganhar dinheiro. Ninguém
tá matando ninguém, só trabalhando. Está certo que
não é um trabalho de dignidade, mas fazer o quê?!
TRD: Se você pudesse escolher o que você quer para você...
Jovem: Pra mim?! Pra mim seria muito bom ter um emprego fixo... Estar estudando!
Ter a minha casa, um lugar certo e sem preocupação com nada. Negócio
de polícia, de maconha e nem nada. No meu futuro não existe, no
pensamento, isso aí. Tem que correr atrás para que isso não
exista na minha vida. Então eu tenho que fazer o melhor. Eu vou fazer
até o final dos meus dias o melhor