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TRD entrevista Padre Remy de Vettor
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Data: 15/05/2005


Em agosto desse ano, o Programa Trabalhadores Rurais e Direitos esteve em Salgueiro (PE) para entrevistar mais uma vez, após cinco anos, um conhecedor da situação de plantio de drogas na região, padre Remy de Vettor. Com a entrevista o TRD buscou saber como estava a situação de jovens trabalhadores rurais envolvidos com o plantio de drogas na região. Salgueiro é uma área estratégica para o plantio de maconha, pois está ligada a diversas estradas que facilitam a circulação da droga. Padre Remy pertence à paróquia de Salgueiro, diocese de Floresta (PE).

 

TRD: Gostaria de saber sobre a situação hoje aqui em Salgueiro, se houve mudanças, porque já faz tempo em que ocorreu aquela intervenção da Polícia Federal (Operação Mandacaru realizada em 1999 para repressão ao plantio de maconha) aqui na região. Ainda há política de repressão e ao sem apoio e sem ações para envolver os jovens?

 

 

            Operação Mandacaru

No final de 1999, 1.500 agentes do exército e da polícia federal participaram a Operação Mandacaru em  Salgueiro, interior de Pernambuco. O objetivo era combater o plantio e a venda de maconha na região. Durante quase dois meses, R$ 7,5 milhões foram investidos pelo governo federal na operação, que causou desentendimentos entre a Polícia Federal e a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), que liderou a força-tarefa. Os policiais federais foram Acusados de boicote às ações, pois o controle da operação foi da Senad. Em 1997 a chamada região do Polígono da Maconha também foi alvo de uma operação para combate às drogas. Mas esta , chamada Operação Asa Branca, foi chefiada pela Polícia Federal e mobilizou menos agentes e menos recursos.

 

Pe. Remy: Eu acredito que depois daquela invasão do Exército, onde foi feito o combate completo contra o plantio da maconha, a coisa acabou e abafou muito, e hoje existe, mas é bem mais escondido. Eles encontram meios de produzir isso, no meio da caatinga fica difícil de descobrir. Hoje, pela lei se for descoberto perde a terra. Agora o que fazem? Plantam na terra dos outros ameaçando que se falarem morrem.

 

TRD: Então há um esquema por trás. Não querem plantar nas suas terras, assim plantam nas dos outros que se forem pegos...

 

Pe. Remy: Já está acontecendo que muitos que vêem o plantio em suas terras são ameaçados, abandonam a terra e vem para a cidade, e se a terra for descoberta eles (os proprietários) são presos mesmo sem fazer nada. Então esse esquema mafioso arrumou um jeito de plantar e sobreviver.

 

TRD: Então os trabalhadores rurais abandonam a terra e são ameaçados?

 

Pe. Remy: São ameaçados. Se falarem que outros plantaram nas terras, eles morrem. Eles são furtados da plantação, então o que fazer, eles fogem das terras. Estão acontecendo fatos assim, eu denunciei à Polícia Federal. Fatos assim, que foram ditos pelas pessoas que fugiram das terras por causa disso, não podendo viver lá. Isso aqui em Salgueiro na divisa com Mirandiba. A droga leva a criar uma máfia, uma bandidagem, mas o que levou a isso? Antes os nossos agricultores eram nossos jovens que iam à escola, iam à igreja se confessavam. É pecado plantar maconha? Não, porque era um meio de sobreviver.

 

TRD: Havia plantações em áreas de fácil acesso, perto da estrada?

 

Pe. Remy: Sim, qualquer caminho que facilitava a plantação. Por exemplo, a terra do quilombola, a terra dos índios em toda essa área aqui que faz divisa com um monte de lugares. Continua de maneira menor, mas que continua, continua. Eu me pergunto como vai solucionar o problema, se você não dá uma alternativa, pois o que vão fazer essas pessoas é migrar, criando problemas nas grandes cidades. Solucionou o problema? Não, aumentou o problema do tráfico que está bem mais organizado nas grandes cidades, nossos jovens são constrangidos a isso. A esperança é esse projeto de transposição do rio São Francisco porque pelo que se diz vão ter cinco mil pessoas trabalhando no projeto, o que seria uma saída, nem que seja por alguns anos, pois o sertão não tem nada e continua na mesma situação. Entra governo, sai governo, promessas, mas soluções não temos. Temos que viver essa realidade ou sair.

 

TRD: Antes de existir a repressão como era o envolvimento dos jovens com o plantio?

 

Pe. Remy: Estou aqui há 14 anos e vivi o período mais vivo do plantio e eu me lembro dos primeiros anos que vinha visitar essas comunidades. Não se via motos, mas em dois ou três anos já se tinha em tudo o que era casa. Eram os jovens que conseguiam, pois o sonho era plantar, vender a maconha e comprar a sua moto, tinham transporte tranqüilo, eles sobreviviam. Então se percebia que era tão normal. Isso, que os jovens perguntavam se era pecado isso, era coisa comum. Eles iam à Igreja fazer a primeira comunhão e se confessar. Eu perguntava se não tinha outra saída, como plantar feijão, mas não tinha água. Com a maconha só precisa de um pouco d`água e para feijão como é que faz, quantos hectares tem que plantar sem água? Então era uma coisa tranqüila, não havia perseguição porque o comércio era bem protegido e as pessoas bem protegidas. Um cara veio aqui do Comando Vermelho do Rio de Janeiro que foi preso, alugou uma casa aqui e era o cabeça de tudo. É só ir na casa saber quem alugou, quem era o cara, para descobrir a máfia que tem por trás, porque a CPI (o padre refere-se à CPI do Narcotráfico realizada em 1999) tinha a finalidade de pegar peixes grandes. Queremos deputados, aí era Ibope, a CPI não pegou a máfia. Na minha previsão não melhora não, as coisas vão piorar. Eu acho que vai aumentar e tomara que não entre outro tipo de droga, porque infelizmente não tem política que resolva esse drama da nossa juventude.

 

TRD: Na sua opinião, por que em certos lugares com problemas com a terra, não se tem notícia de plantio de maconha? Por que o plantio se localiza nessa região?

 

Pe. Remy: Eu acho que o problema está aí: o sertão não tem saída agrícola, o que um barreiro (espécie de açude) pode produzir, dura quanto 6 meses ou 1 ano, mas se gasta muita água para irrigar. Cultivando um pedaço de maconha você tem renda 10 vezes maior que com o feijão e o milho, e o gasto d`água é reduzido ao mínimo.

 

TRD:  O senhor tem noção de quanto tempo dura o ciclo?

 

Pe. Remy: Eu não tenho conhecimento, mas deve ser de 3 a 4 meses. Agora, para colher feijão leva tempo e espaço, mesmo com um pequeno plantio a pessoa ganha para viver. Então eu acho que concentrou aqui porque não tem solução. A agricultura é inviável porque eu vou plantar feijão e não consigo viver dois meses, se planto um pouquinho de maconha, vivo um ano tranqüilo, compro roupa, tenho uma moto, porque vou plantar feijão? Agora com o projeto de transposição do São Francisco não sei bem o que vai dar, mas se for a solução para seca, não haveria mais plantação. Eu vejo os grandes projetos e uma barragem de dinheiro que não sei para onde vai dar. O projeto da transposição é uma coisa megalomaníaca que eu tenho medo de ser um monstro que vai engolir milhões e ninguém vai ver a água. Será que vai dar certo?

 

TRD: As pessoas falam muito desse conflito entre a comunidade quilombola e os índios. Isso tem relação com o plantio e cultivo da maconha?

 

Pe. Remy: O problema começou quando os quilombolas começaram a levantar a cabeça. Um grupo de jovens começou a levantar a cabeça, ser uma minoria organizada e começavam a mostrar o título da terra deles e que as terras deles foram invadidas, não pelos índios, que negros e índios são misturados e sempre viveram pacificamente. Quem criou a briga foi quem tentou colocar os índios sobre os negros, os invasores das terras de índios e negros. Tentaram colocar os índios contra os negros para garantirem seus interesses.

 

TRD: O que representa o plantio de maconha na questão agrária local?

 

Pe. Remy: O motivo principal é a sobrevivência, e para não abandonar a terra. Porque se vier um ano bom de chuva, eles não vão plantar maconha. Mas no sertão é um desespero, são anos que se planta e não se colhe nada e a pessoa vai viver de que? Vende aos poderosos a preço de banana?  Assim a maconha é a única saída.

 

TRD: O que me chamou atenção foi que é uma cidade bem servida de bancos. O senhor acha que isso está relacionado com o plantio da maconha?

 

Pe. Remy: Não sei. Houve um período de ouro aqui, era o período da maconha, depois da invasão do exército aqui, diminuiu o dinheiro para gastar. Muitos acabaram na cadeia - os pequenos, porque os grandes não. Esses pequenos não podiam plantar por causa da polícia, e aí começaram a assaltar os caminhões de agricultores. Essa foi a conseqüência do combate a droga, porque não tinham de onde tirar dinheiro. Agora acabou isso, os comerciantes começaram a voltar, tem pequenas casas.

 

TRD: Estaria havendo uma rearticulação?

 

Pe. Remy: Não sei. Agora, naturalmente que o pai e a mãe não deixam, para não perder as terras, mas os mais jovens se juntam em bandos invadindo terras para plantar e depois dividir. E aí vem as ameaças às terras que são invadidas.

 

TRD: O senhor acha que a cidade está mais violenta?

 

Pe. Remy: A tendência é ficar, mas ainda não. Muitos já foram embora com medo de serem mortos e da polícia descobrir o plantio e  colocá-los na cadeia. E outros ficam sem saída...

 

TRD: O senhor falou da falta de políticas públicas na região. Há alguma perspectiva?

 

Pe. Remy: Como eu disse, quem fala mais disso é a igreja, sobretudo no caso da maconha, pois há padres que convidam os fiéis a entregarem as cartas de denúncias. Então a Igreja levantou a bandeira de tentar solucionar a situação das drogas. Porém eu me coloquei contra o exército, porque era repressão sem solução, porque o governo poderia dar uma alternativa.

 

TRD: Derrubaram cerca de 150.000 mil pés, mas e daí?

 

Pe. Remy: Não tem saída a não ser que o governo pense diferente, essa poderia ser uma saída para nossa região.

 

A entrevista foi realizada por Paulo César Fraga, doutor em Sociologia na USP e pesquisador do CNPq.